desde que eu me entendo por gente sempre gostei de automoveis e nao sei por que talvez um bisavo que dirigia um almicar um ancestral que vendia modelos da delaunay belleville os preferidos do tsar da russia afinal pouco importa acho maquinas em movimento magicas com uma preferencia por aquelas que tem quatro pneus no chao entao tratei de viver com elas seja no meu trabalho nas vitrines do meu quarto ou na minha garagem participei do inicio da renault no brasil tive um lancia fulvia 1600 hf durante dez anos dirigi um aston martin gt4 numa pista de formula um ja consegui muito mais do que um garoto da classe midia francesa cujos olhos brilhavam para seus carrinhos poderia ter sonhado e ainda tem tenho uma confissao para fazer levei um willys interlagos para frança sei talvez nao seja a melhor forma de começar minha primeira cronica no flatout mas antes que os guardioes da historia automobilistica nacional me acusem de desvio de patrimonio proponho que leiam minha historia talvez voce encontre nela circunstancias atenuantes que me evitem ser sacrificado em algum altar mecanico conheci o interlagos em interlagos na oportunidade da minha primeira visita ao brasil em março de 1995 sabendo do meu interesse pelo automovel os amigos que me acolhiam resolveram me levar para o autodromo paulistano aonde sabiam que estava acontecendo um encontro de carros antigos ao chegar encontramos as grades fechadas ja que o evento em questao era privado nada que um discurso bem acertado sobre a necessidade de receber dignamente o gringo apaixona por automoveis e vindo de longe nao pudesse resolver em questao de minutos o famoso jeitinho o qual ainda estava descobrindo — destravava a porta e la estava eu no meio de um grid de largada heteroclito entre os carros dispostos na reta dos estandes prontos para participar da corrida que largaria nos proximos minutos esperava um rosto familiar o olhar tipico de uma berlinette alpine a qual confundi no inicio com o mitico a110 entretanto a traseira lembrando o renault floride nao deixava nenhuma duvida apesar de nunca o ter visto na carne reconheci logo seu antecessor o a108 voltei entao a observar a frente de mais perto descobrindo com perplexidade as letrinhas cromadas no focinho do pequeno esportivo i n t e r l a g o s por sorte o dono apareceu neste exato momento o dialogo foi rapido em um ingles abafado pelo capacete do homem e pelo ronco dos motores dando partida antes de evacuar a pista consegui entender que era sim o modelo que tinha identificado que tinha sido fabricada localmente pela willys e que realmente tinha o nome do lugar aonde me encontrava se fosse hoje teria dado logo em seguida um google no meu telefone inteligente mas no fim do seculo passado o 4g so aparecia nos episodios de star trek quando o capitao kirk precisava se comunicar com o entreprise depois de ter sido tele transportado em algum planeta geralmente hostil nao precisei ir tao longe mesmo se tive que esperar de ter voltado na frança para conseguir mais informaçoes sobre o carrinho vermelho vislumbrado na pista depois de muita procura em livros e revistas lembra delas quando vira pagina em vez de clicar resumindo era o resultado dos amores entre a renault e a willys dos quais ja tinham nascido em 1959 a versao local do dauphine os brasileiros geralmente lembram do gordini seu derivado esportivo de 40 cv embora o dauphine com seus 26 5 cv tenha sido produzido tambem em terras brasilis neste nivel de potencia nao posso deixar de mencionar os meio cavalos o interlagos foi o segundo filho da uniao entre a fabricante brasileira americana e a francesa atraves da sua filial alpine que produzia na frança carros esportivos com carroceria em fibra desde 1955 da fabrica de sao bernardo do campo sairiam 822 unidades do a108 entre 1962 e 1967 em tres carrocerias berlineta conversivel e o cupe mais raro um total que pode parecer modesto mas que faz do brasil — de longe — o maior produtor do modelo a fasa espanhola foi a segunda com 338 exemplares enquanto a propria fabrica da alpine ficava por ultimo com um total provavelmente inferior a 200 unidades e desconhecido a prova que em certos casos a estatistica brasileira pode ser melhor que a francesa apesar do que tenho na minha biblioteca um livro de referencia sobre a marca mencionando 1 500 unidades ouvi dizer que o erro pode ser justificado por uma certa carta enviada pela willys a pedido da alpine atestando deste numero de produçao para permitir a homologaçao do a108 numa determinada categoria do automobilismo a qual requeria justamente 1 500 exemplares a prova que o jeitinho nao e apanagio dos sul americanos lusofonos alem dos numeros de fabricaçao ainda descobri que o interlagos tinha sido essencial na promoçao do automobilismo nacional iniciando a carreira de pilotos nada menos importantes que os irmaos fittipaldi bird clemente ou jose carlos pace isso tudo com diferentes versoes do motor ventoux de 845 a 998 cm³ desenvolvendo de 53 a 80 fogosos cavalos e tem gente reclamando de motor mil nao esqueci da berlineta ao voltar para sao paulo desta vez como morador foi o tempo de arrumar minha coleçao de miniaturas nas prateleiras e ja estava a procura de um interlagos a primeira tentativa com uma berlineta azul sendo restaurada nao deu certo quando seu dono neozelandes radicado no interior de sao paulo deu um passo atras ao encontrar um emprego no meio da negociaçao nao precisando mais do dinheiro resolveu ficar com seu xodo motorizado o que entendi perfeitamente e la se foram as prateleiras e seu conteudo para curitiba antes que conseguisse localizar outro mas desta vez acertei na mosca ou digamos nas moscas ja que encontrei uma berlineta e um conversivel ao mesmo tempo o proprietario paulistano que tambem abrigava um dauphine e um gordini na sua garagem recebeu minha primeira ligaçao com certa frieza e somente depois de um interrogatorio nada amavel me convidou para conhecer seus tesouros entendi o por que ao visita lo tinha uma relaçao emocional com seus carros principalmente o conversivel que pertencia a sua esposa recem falecida inconsolavel tinha resolvida se separar daquilo que carregava tantas lembranças nao queria exatamente vender seus interlagos porem sim encontrar um destino seguro para eles e ja tinha dispensado varios pretendentes que queriam colocar rodas largas trocar o motor original por outro mais potente da vw ou efetuar nao sei mais qual horror nos seus automoveis queridos aceitou ate uma soma inferior da que pedia para a berlineta sabendo que eu ia manter religiosamente todas suas caracteristicas originais ao voltar para curitiba nao consegui esquecer do conversivel que tinha ficado em sao paulo por algum motivo me senti investido da missao de ajudar seu dono a encontrar o melhor lugar possivel para o vermelhinho e fiquei com um projeto na cabeça a oportunidade de concretiza lo apareceu algum tempo depois durante um desses seminarios que grandes empresas gostam tanto de organizar no horario do almoço sentei do lado do luc alexandre menard entao presidente da renault do brasil e durante a conversa que seguiu aludi fortuitamente aos interlagos que tinha encontrado e sugeri que a empresa adquirisse o conversivel reliquia preciosa da historia da marca no brasil no fim da refeiçao entre o queijo e a pera como falamos em terra gaulesa o menard me perguntou quanto seu dono pedia para o carro conhecia meu gado o homem vinha de anos de pratica na funçao comercial e gostava de uma negociaçao por isso acrescentei r$ 5 000 ao preço solicitado ao terminar o cafe o menard me mandou cuidar da transaçao e abaixar o preço em r$ 5 000 a iniciativa me rendeu varios olhares tortos do lado da direçao financeira ja que ninguem la sabia em qual conta imputar a compra de um carro classico e havia coisas mais importantes para cuidar contudo o carrinho foi para a fabrica em curitiba onde ainda esta alguns anos depois de volta a frança li uma reportagem da revista sport auto sobre o grande premio do brasil nesta oportunidade o reporter tinha sido convidado a visitar o complexo industrial de renault e mencionou na sua materia um certo alpine a108 vermelho fabricado localmente espero que este episodio seja considerado pelo juri como a primeira circunstancia atenuante enquanto isso o motor da minha berlineta — ano 64 chassi n°72 — precisava de cuidados depois de ter ficado exposta na recepçao da fabrica junto com o conversivel foi escondida em uma oficina dentro da fabrica um dos funcionarios se ofereceu para efetuar o conserto depois das horas de trabalho o que nunca aconteceu uns dias depois me ligou em panico pedindo para que retirasse meu carro na hora ja que o dia seguinte ia ter a visita de varios executivos da empresa entrei imediatamente em contato com meu amigo marcelo dono de dois interlagos em curitiba e que tinha um trailer especificamente construido para transportar os carros dele porem naquele momento o marcelo nao tinha nenhum carro equipado para rebocar foi entao que pude contar com a grande solidariedade dos donos de interlagos o marcelo entrou em contato com um conhecido ele mesmo colecionador tinha tres o qual nao hesitou em postergar uma viagem prevista no mesmo dia para vir resgatar meu carro com sua picape de certa forma foi recompensado pela sua generosidade exultou ao ver o vermelho goiaba original da minha berlineta a cor e famosa por ter sido bastante usada nas propagandas do modelo na epoca mas e na verdade relativamente rara e nao era que o homem estava restaurando um cupe a versao mais rara com 62 exemplares se nao estiver enganado o qual queria justamente pintar desta cor mas na ausencia da referencia as tentativas ate entao efetuadas para recria la tinham resultado em um marrom metalico diferente do belo vermelho alaranjado original o encontro com meu carro permitiu que mandasse fazer uma analise espectrofotometrica para obter a nuance exata no caminho de volta me contou que tinha resgatado o veiculo por pouco interrompendo um pessoal que estava prestes a cortar a carroceria de fibra com uma serra eletrica para joga la em pedaços no lixo um tanto ironico considerando que em frances cupe coupe significa cortado fico com a boca seca so de pensar no massacre que poderia ter acontecido verdadeira sessao de vivissecçao automobilistica que este heroi desconhecido da historia automobilistica nacional conseguiu evitar voltei para frança em 2002 e tive que embarcar meu interlagos do jeito que estava com o motor parado foi junto com minha mudança em cima de uma estrutura de madeira construida dentro do conteiner de tal forma que se desabasse perderia tudo de uma vez carro e pertences o mar deve ter sido clemente ja que chegou tudo direitinho ainda dei sorte ao encontrar por acaso durante um rali do campeonato frances o funcionario da alfandega que cuidava da importaçao do meu tupiniquim motorizado expliquei para ele que meu willys nao era nenhum jipe com o qual muitos franceses associam a marca como era fa da alpine liberou meu carro rapidamente aplicando com certa mansuetude a regra relativa a taxa de importaçao depois disso o carrinho ficou parado meses no galpao da empresa de logistica que o tinha trazido acabaram me ligando um ano depois avisando que estava na hora de recuperar meu bem a menos que quisesse arcar com os custos de armazenamento foi justamente naquele momento que a global revista interna da renault pediu para fazer uma reportagem sobre o interlagos aproveitei o gancho e propus que simulassemos a saida do carrinho de um conteiner do qual na verdade ja tinha escapado fazia tempo mas pouco importa a autenticidade com o concurso do talentoso fotografo xavier de nombel acostumado a imortalizar os mais belos puro sangue mecanicos as fotos ficaram lindas estao comigo ate hoje [gallery columns= 4 link= file ids= 177608 177607 177606 177609 ] quem acompanhou esta historia ate agora provavelmente vai querer saber quais sao as sensaçoes ao dirigir o interlagos bom somente soube depois de te lo vendido para um amigo meu o qual foi simpatico o suficiente para me deixar testa lo brevemente uma vez o motor consertado sem nunca ultrapassar os limites permitidos tive a impressao de correr em altas velocidades reforçada pelas vibraçoes e pelo ruido do motor me pareceu que eu era a peça mais pesada do carro de tao leve que o mesmo parecia no ponto de proporcionar uma sensaçao de vulnerabilidade a porta por exemplo tem a espessura de um papel de cigarro com uma vedaçao quase inexistente alias e ao contrario das pesadas maquinas atuais o interlagos e dessa geraçao de carros que nao isolavam em nada do asfalto aonde andam muito pelo contrario e fico admirativo pensando na minha amiga giselda que me contou recentemente como viajou de londrina ate o rio no banco do passageiro do interlagos dirigido pelo seu marido chegou a hora de apresentar o ultimo argumento da minha defesa soube que aquele que ja foi meu interlagos foi parar no estoque da renault classic departamento que mantem em algum lugar da fabrica de flins uma linda coleçao de 500 modelos esta junto entre outros com os carros de luxo de pre guerra o dauphine que ganhou o rali de monte carlo em 1958 e varios monopostos de formula um com motor turbo nao tenho duvida que naquele lugar o pequeno alpine exotico tenha muito para contar para seus companheiros e para ouvir tambem em conclusao a renault tem hoje dois exemplares do alpine a108 fabricado no brasil tanto no pais onde foi produzido como onde foi concebido e contribui nisso nem que seja de forma indireta no caso do segundo admito que pretendia ficar com ele quando o levei para frança porem nao deu me sobraram muitas lembranças assim como duas miniaturas para montar do interlagos n°22 que chegou no segundo lugar das 12 horas de brasilia 1964 pilotado pelo emerson fittipaldi as quais nao pretendo entregar para renault entao prezado leitor estou perdoado
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