Se todo Porsche já pode ser considerado um carro especial e até exclusivo por natureza, os supercarros fabricados em Stuttgart o são ainda mais. A Porsche sempre planeja muito bem seus superesportivos, e cada um deles nasceu sob um contexto específico e tinha um propósito.
O primeiro deles, o Porsche 959, nasceu como protótipo do Grupo B e, apesar de baseado no 911, era uma vitrine de novas tecnologias – motor biturbo de arrefecimento misto, sistema de tração integral e carroceria de Kevlar, só para citar algumas. O 911 GT1 Strassenversion era o especial de homologação para o WEC, incluindo as 24 Horas de Le Mans, e era praticamente uma mistura de 911 com 962. O Porsche 918 Spyder, com seu motor V8 aspirado e dois motores elétricos, foi um dos pioneiros da tecnologia híbrida moderna – ao lado de Ferrari LaFerrari e McLaren P1.
Não, nós não esquecemos o Porsche Carrera GT. Mas o único Porsche de rua com motor V10 central-traseiro é o nosso assunto de hoje, e por isso ficou por último.
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Apresentado como conceito no Salão de Paris em 2000, o Porsche Carrera GT era o fruto de dois programas abortados – o protótipo LMP2000, que foi criado para as 24 Horas de Le Mans, e o motor V10 de Fórmula 1 que a Porsche desenvolveu para a equipe Footwork, mas também acabou na geladeira. Na real, o Carrera GT era apenas uma forma de aproveitar o que havia restado dos dois projetos. Mas a recepção do público foi tão positiva que a Porsche pensou “bem, por que não dar ao povo o que o povo quer?”
Assim, em 2003, o Carrera GT de rua foi apresentado. Praticamente igual ao conceito – e, honestamente, dono de um visual limpo e bem resolvido que envelheceu muito bem. Dá para dizer que esse carro tem quase 20 anos?
Foram feitos 1.270 exemplares do Carrera GT entre 2003 e 2005 – o plano era produzir 1.500 exemplares até 2006, mas as normas de segurança nos Estados Unidos (que compraram sozinhos mais da metade dos exemplares) mudaram – tornando o Carrera GT inadequado. Em vez de modificar o projeto, a Porsche decidiu simplesmente encerrar o ciclo de vida do carro por ali. De todo modo, foi o suficiente para que, na época, ele fosse o supercarro mais vendido do planeta – em 2005, só o número de exemplares do Carrera GT nos EUA já superava as vendas globais de McLaren F1, Ferrari Enzo e Pagani Zonda combinados. Claro que muita coisa mudou de lá para cá, mas não deixa de ser um fato marcante.
Por outro lado, dizem também que nada é tão bom que não possa melhorar. E foi por isso que, em 2013, o dono de um dos Porsche Carrera GT decidiu que seu superesportivo precisava de alguns ajustes. E foi assim que nasceu o Porsche Carrera GTZ – ou GT Zagato.
A história é simples, segundo a própria Zagato: um belo dia, o estúdio italiano recebeu a encomenda de “um apaixonado colecionador de Porsche e ex-piloto suíço”. Seu nome nunca foi revelado explicitamente pela Zagato, mas há quem diga que o cliente em questão foi o ex-piloto Ernst Berg, que na verdade é alemão.
Qualquer que seja sua identidade, o fato é que o tal cliente queria um carro que preservasse as linhas gerais do Carrera GT, porém com mais harmonia na silhueta. Desconfia-se que ele escolheu a Zagato antes de qualquer outra casa de design simplesmente por sua independência: enquanto outras carrozzieres icônicas foram sendo, uma a uma, adquiridas por fabricantes (como a Italdesign, que foi comprada pela Volkswagen em 2010), a Zagato permaneceu dona de si mesma, sem amarras com ninguém.
Fundada em 1919 por Ugo Zagato, a empresa ficou conhecida com o passar dos anos por seus desenhos ousados, com uma forte identidade visual – incluindo uma bolha dupla no teto, herança dos carros de competição que tinham o teto baixo demais para acomodar os capacetes dos pilotos. Então, quando o Carrera GTZ ficou pronto, foi uma surpresa: pouco mudou – a dianteira ficou levemente mais arredondada e ganhou um spoiler frontal maior, o para-choque traseiro também foi redesenhado, com um difusor mais discreto e saídas de escape sem as molduras na cor prata.
A maior mudança ficou na parte posterior. No Carrera GT normal, o santo-antônio integrado tinha dois arcos que se sobrepunham às tomadas de admissão do motor. O projeto da Zagato deu à região formas mais fluidas, com uma linha contínua do teto à traseira, dando ao superesportivo ares de cupê. Quem não conhece o Carrera GT original em detalhes pode até confundir os dois.
Quando o carro ficou pronto, seu dono fez questão de utilizá-lo como se deve, participando de track days e provas de regularidade. A Zagato não mexeu no conjunto mecânico – primeiro porque não era sua especialidade, e segundo porque simplesmente não era necessário.
O motor V10 de 5,7 litros e 612 cv e 60,1 kgfm de torque, ligado a um câmbio manual de seis marchas, era suficiente para garantir desempenho que não faria feio mesmo hoje: o zero a 100 km/h era cumprido em 3,5 segundos, de zero a 200 km/h em 10 segundos, e a velocidade máxima era de 330 km/h. Além disso, os 1.380 kg do Carrera GT o tornavam leve para os padrões dos supercarros modernos.
A princípio, a ideia era que o carro fosse um one-off. Mas a Zagato, sem suporte de uma fabricante, não se opôs quando o colecionador americano Kris Singh, quis seu próprio Carrera GT Zagato.
O carro foi feito ao longo do ano de 2019, de forma artesanal, e foi entregue a tempo do natal. Originalmente com pintura em dois tons – preto no teto e um chamativo verde metálico na parte inferior, em meados de 2020 o Carrera GT recebeu uma nova pintura mais discreta, em um tom de verde mais escuro que lembra bastante o famoso “British Racing Green”. O resultado é um carro elegante, quase atemporal – que ajuda a evidenciar como o Porsche Carrera GT envelheceu bem.