Há pouco dias, aproveitamos a estreia do trailer de “Carros 3” para falar como sobre o primeiro filme, de 2006, era bem mais do que apenas um filme para crianças, e que você não precisa ter vergonha de estar empolgado. Na verdade, a gente também está.
Uma das razões para gostarmos tanto de “Carros” é a atenção aos detalhes e o realismo dos carros – ainda que eles tenham proporções cartunescas e olhos nos para-brisas, eles são fiéis às formas de seus equivalentes no mundo real, e até mesmo o ronco dos motores é reproduzido com precisão. E não são apenas os carros: diversos aspectos e referências culturais do filme foram feitos sob medida para entusiastas. E isto inclui, claro, os cenários do filme. Em especial, a cidadezinha de Radiator Springs, perdida no meio da Rota 66.
Um dos destinos de viagem mais populares entre os entusiastas, a Rota 66 é uma rodovia histórica que foi construída na década de 1920 e atravessava sete estados dos EUA (Illinois, Missouri, Kansas, Oklahoma, Texas, Novo México, Arizona e Califórnia) em um percurso de 3.940 km. Sua mística está justamente no fato de cruzar o país — os aventureiros sem rumo, os desbravadores em busca de uma nova vida ou simplesmente os viajantes profissionais precisavam passar por ela para chegar ao oeste americano. Com isso, ela se tornou famosa e as cidades construídas às suas margens viveram anos de glória.
Até que em 1985 ela foi substituída por uma rodovia maior, mais moderna, mais rápida e mais segura, a Interstate 40. Alguns trechos da Route 66 foram abandonados, e outros foram reaproveitados como rotas alternativas e acessos a outras rodovias.
Esta mudança é importante para o roteiro de “Carros”, pois foi por causa da construção da Interstate 40 que Radiator Springs deixou de ser passagem obrigatória para turistas que atravessavam a Rota 66 de carro. Foi isto o que levou a cidadezinha ao abandono e ao marasmo que tanto irritaram Relâmpago McQueen nos primeiros dias.
O site Route 66 News, inteiramente dedicado à Mother Road dos EUA, dedicou-se a mapear todos os lugares ao longo da estrada que serviram de inspiração para os criadores de “Carros” na hora de desenhar cenários, e até alguns personagens para o filme. A maioria deles fica no estado de Oklahoma, bem no coração da Rota 66 – o que nos dá uma boa pista de onde Radiator Springs ficaria situada caso existisse de verdade. Olha só:
Sally Carrera e seu hotel
O par romântico de Relâmpago McQueen e sua razão principal para permanecer em Radiator Springs, Sally Carrera é inspirada em Dawn Welch, dona do Rock Café um restaurante histórico que fica em Stroud, no Arizona.
Já seu motel, o Cozy Cone (algo como “Cone Aconchegante” em tradução livre), é inspirado em dois motéis que existem de verdade. A placa foi baseada no Blue Swallow Motel, que fica em Tucumcari, no Novo México – até mesmo no slogan, “100% Refrigerated Air”.
(Obs: vale notar que a palavra “motel” vem da junção de “motor” com “hotel”, e designa um hotel na beira da estrada destinado a acomodar os viajantes cansados que só precisam de uma cama por uma noite antes de seguir viagem. No Brasil eles também chegaram assim, mas acabaram ganhando uma outra conotação.)
Já as acomodações para os carros, em formato de cones, são uma versão automotiva dos hotéis da franquia Wigwam Motel, cujos quartos imitam as tendas dos nativos americanos, que também têm formato de cones. São sete “vilas” da franquia Wigwam Motel, em diferentes estados do sul dos EUA.
A oficina de Ramone
Ramone, o lowrider de Radiator Springs, não é baseado em um personagem real, mas sua oficina especializada em funilaria, pintura e customização, sim. Acontece que o prédio que existe de verdade não é uma oficina, e sim um complexo que reúne posto de gasolina, hotel e restaurante que fica em Shamrock, no Texas. Por causa do formato de sua torre, o local é conhecido também como Tower Station.
O Xerife
O Mercury Coupe da década de 1950 que é a voz da lei em Radiator Springs não foi apenas inspirado em um personagem real, mas também é dublado por ele. Michael Wallis é historiador e um grande conhecedor da história da Rota 66, e por isso serviu como consultor para os produtores do filme. Ele escreveu até mesmo um livro sobre a estrada, Route 66: The Mother Road; e outro sobre o próprio filme, chamado The Art of Cars, contando os bastidores da produção. Aliás, é ele quem está junto de Dawn na foto acima.
Fillmore, a Kombi Hippie
O “bicho-grilo” de “Carros”, Fillmore só podia ser uma Kombi toda trabalhada no flower power. O cara que inspirou os roteiristas do filme a criá-lo se chama Bob Waldmire, um artista que morava em uma Kombi motorhome (que tinha até mesmo painéis solares para garantir a energia elétrica), na qual dirigia por toda a Rota 66, a fim de retratar a estrada em quadros, ilustrações e mapas.
Waldmire, que morreu de câncer em 2009, era vegetariano e defensor dos direitos dos animais e de um estilo de vida natural. É por isso que seu nome não aparece nos créditos do filme – segundo consta, ele não gostava da ideia de ter seu nome em um personagem que, mais tarde, seria transformado em um brinquedo para o McLanche Feliz do McDonalds.
Mate
O personagem mais carismático de “Carros”, Tom Mate, é uma mistura de dois personagens da vida real. Um deles foi o ex-presidente da Associação Histórica da Rota 66 Dean “Crazy Legs” Walker, que conseguia virar seus pés em 180 graus e andar de costas – é por isso que Mate se orgulha de sua capacidade de andar de ré.
O outro é Harley Russell, morador de Erick, Oklahoma, que é conhecido na cidade pelas músicas country que fazia com sua esposa Annabelle. Russell foi a inspiração para o sotaque caipira do sul dos EUA de Mate.
As montanhas de Radiator Springs
A montanha em formato de pneu que fica em Radiator Springs também existe no mundo real. Se chama Mount Tucumcari, e fica na cidade de mesmo nome no estado do Novo México. Há uma letra “T” pintada à mão por moradores no início do século passado, que na montanha de Radiator Springs foi trocada, naturalmente, por um “RS”.
Outra marca da paisagem de Radiator Spring é a cadeia de montanhas cujo formato lembra uma fila de carros enterrados no chão. A inspiração é o Cadillac Ranch, obra de arte localizada em Amarillo, no Texas, quee foi feita em 1974 pelos artistas Chip Lord, Hudson Marquez e Doug Michels. Ao todo, são dez modelos da Cadillac, fabricados entre 1949 e 1963 (período em que os “rabos de peixe” surgiram e desapareceram), enterrados até o para-brisa no chão e pintados com grafites de cores vibrantes.
Trechos da rodovia
Em determinado momento do filme, McQueen e Sally saem para um passeio flat out pela Rota 66, passando por belas paisagens.
Várias delas fortemente inspiradas em trechos da Rota 66 de verdade, como a Floresta Nacional de Kaibab, que fica em Flagstaff, no Arizona…
… ou as quedas d’água de Havasu Falls, no Arizona. Embora não fique exatamente na Rota 66, a cachoeira é localizada perto do Grand Canyon, destino bastante popular entre os turistas que vão aos EUA para uma road trip na emblemática rodovia.