Já faz algum tempo que não se consegue mais comprar um carro novo no Brasil por menos de R$ 30.000 — a não ser que você consiga alguma promoção interessante. É claro que isto tem a ver com a movimentação da economia, a inflação, o valor da moeda, o Custo Brasil, o Lucro Brasil e todos os fatores que estamos cansados de citar e ouvir quando se fala no mercado e na indústria de automóveis nacional.
Dito isto, há outra razão para que os nossos carros mais baratos estejam sensivelmente mais caros: os populares de baixo custo praticamente desapareceram (ainda que mesmo eles não fossem tão baratos assim): o Fiat Mille Economy, projeto da década de 1980, deixou de ser fabricado em 2013, enquanto Chevrolet Classic e Renault Clio, ambos lançados em meados dos anos 1990, saíram de linha neste ano. O Fiat Palio, de 1996, está prestes a seguir o mesmo caminho.
A indústria começou a priorizar projetos mais modernos, criados para países em desenvolvimento e concebidos logo de cara para receber componentes e recursos que hoje são exigência até mesmo em carros mais baratos, como freios ABS e airbags (obrigatórios no Brasil por desde 2014). E como aprendemos, projetos novos ainda precisam recuperar os investimentos em seu desenvolvimento.
Contudo, ainda que tenham evoluído e ficado mais caros e refinados, os carros de entrada mantiveram certas “características” que fazem questão de te lembrar que você está em um carro barato. Vamos reunir algumas delas agora!
Plataforma antiga, carroceria nova
Dissemos que as plataformas da década de 1990 e anteriores foram praticamente abandonadas pela indústria automotiva brasileira, mas isto não significa que nossos carros populares são a última palavra neste aspecto. O Volkswagen Gol é um exemplo: lançada em 2008, a terceira geração finalmente abandonou de vez a plataforma da primeira geração, de 1980. Como base, foi adotada a plataforma PQ24, que estreou em 1999 com o Audi A2 e com o Skoda Fabia, e também foi utilizada no VW Polo de quarta geração em 2001 e no VW Fox em 2004. E tem mais: na verdade, a VW só utilizou a metade anterior da plataforma de motor transversal – o eixo traseiro é o mesmo do Gol G4.
Obrigado aos leitores pelas informações!
Botões dos vidros elétricos no painel
Falando no Gol, acredite: até sua reestilização mais recente, promovida em 2016, o Volkswagen Gol ainda trazia botões de acionamento dos vidros elétricos no painel, a fim de economizar na fiação. Eram os vidros traseiros, é verdade, mas se não fosse um pequeno incômodo, a Volks não teria resolvido a questão e colocado os botões todos nas portas.
No caso do Renault Sandero e do Logan, que receberam uma repaginada completa em 2014, a prática continuou, mesmo que a qualidade de construção e acabamento tenha melhorado bastante.
Lataria aparente no interior
Não é nova a prática de deixar pedaços da lataria expostos no interior do carro em carros baratos – basta reparar no Fusca, no Gol BX, no Fiat 147 e, mais recentemente, no Fiat Uno, que perdeu até mesmo os revestimentos internos das colunas em seus últimos anos.
Além de economizar material plástico, ter o metal da carroceria exposto do lado de dentro do carro pode conferir certo charme retrô ao habitáculo – por esta razão, carros como o VW New Beetle e o Fiat Coupé, por exemplo, traziam apliques na cor da carroceria nas portas e no painel.
Em carros mais baratos, porém, a intenção é mesmo gastar menos, mas o charme retrô é usado como justificativa – caso do Ford Ka de primeira geração, lançado no Brasil em 1997, e do VW Up, de 2014.
Botões “cegos”
Esta aqui é bastante comum e empregada até mesmo em versões de entrada de modelos não tão baratos assim: quando há funções ausentes, como ar-condicionado ou faróis de neblina, os botões dedicados a elas são simplesmente subsituídos por botões cegos, sem símbolos, que não foram feitos para apertar. É como se, além de preencher o espaço, eles também servissem para deixar claro que você podia ter investido um pouco mais e comprado um carro mais equipado. Cruel, hein?
Volante simplificado
Uma variação do item acima, o volante simplificado é como se fosse a versão grátis de um aplicativo ou a demo de um game novo: tem o mesmo visual bacanudo, mas não traz todas as funcionalidades. Um exemplo? É só reparar, novamente, nas versões mais baratas do Gol: o volante é idêntico ao do Golf, mas não traz nenhum comando e os materiais são definitivamente mais simples e de pior qualidade.
Bancos com encosto de cabeça integrado
Bancos com encosto de cabeça integrados são bacanas quando falamos de carros esportivos – eles são uma versão comportada dos bancos concha de competição, e muitas vezes até já vem com as passagens para a instalação de cintos de quatro ou mais pontos.
No entanto, quando falamos de carros baratos, seu emprego tem a ver com economia mesmo: encostos de cabeça integrados economizam materiais como metal e plástico. No VW up! e no Fiat Mobi eles até têm um visual bacaninha, mas o mesmo não podia ser dito dos encostos de cabeça do Celta de primeira geração, que eram simplesmente costurados aos bancos.
Ausência de instrumentos e sistema multimídia
Há pouco tempo, falando sobre soluções alternativas inusitadas que as fabricantes colocam nos carros, citamos os “recadinhos úteis” que algumas fabricantes colocavam no painel de instrumentos dos carros há alguns anos, no lugar de mostradores como o conta-giros ou até mesmo o termômetro. No VW Gol Special, por exemplo, estava um diagrama da pressão correta para os pneus, enquanto no Fiat Uno havia um lembrete para apertar o cinto de segurança.
Esta prática vem desaparecendo, mas a omissão de instrumentos importantes em versões mais baratas dos carros continua. O painel do Take Up (a versão mais barata do compacto), por exemplo, só tem um enorme velocímetro e uma telinha digital com as outras informações. É até bonito e bem projetado, mas é espartano demais – quem faz questão de saber a quantas rpm o motor está girando certamente pensa em migrar para o Move Up só por causa do conta-giros.
Nos últimos tempos, com a popularização dos sistemas multimídia mesmo nos carros compactos, a ausência deles tornou-se mais um sinal de que você está em um carro barato. Em carros como o Fiat Uno a tela multimídia é substituída por um sistema de som 2-din com uma pequena tela monocromática. No Ford Ka e no Fiat Mobi o negócio é ainda mais humilde: no lugar da tela há um porta-smartphone.
Cortes de custos levados ao extremo
Às vezes você não encontra apenas um ou dois sinais de que está em um carro de entrada – encontra o carro todo. Foi o caso do Toyota Etios, lançado em 2012. Em sua estreia no segmento de compactos no Brasil, a Toyota subestimou o mercado e trouxe um carro desenvolvido para mercados emergentes, como a Índia e o México. Com isto, recebemos um carro com bons motores, porém visual datado e mal resolvido, além de diversas soluções claramente pensadas para reduzir custos. Era completamente diferente do que o brasileiro esperava de um carro da Toyota. E as coisas ficaram ainda piores porque, praticamente ao mesmo tempo, a Hyundai lançou por aqui o HB20, que era bonito, bem equipado, moderno e dotado de bons motores e só acentuou os erros da Toyota no Etios.
A começar pelo painel com os instrumentos na posição central, muito comuns na Ásia, pois permitem que se modifique facilmente o layout do interior para a mão inglesa ou para o arranjo convencional. Por esta razão, os mostradores eram grandes e contribuíam para o aspecto “barato” do interior. O tampão do porta-malas era preso por uma cordinha, uma só — não muito diferente dos carros mais baratos da década de 1990, e o cofre do motor não era pintado, recebendo apenas uma demão de primer. Nem mesmo a embreagem escapou dos cortes de custos, sendo atuada por cabos, solução abandonada em peso pela indústria há tempos.
Pneus baratos de fábrica
Este caso aconteceu há alguns anos, mas vale a menção: entre 2009 e 2012, a Chevrolet foi alvo de uma onda de reclamações de consumidores na internet por vender o Celta, o Prisma e o Classic com pneus chineses, da marca GT Radial – os mesmos utilizados por marchas chinesas, como a Jac Motors; e também pneus Maxxis no Corsa e no Celta. A estratégia não foi bem recebida e, depois disso, os Chevrolet voltaram a vir equipados de fábrica com pneus de marcas tradicionais.
Suspensão simplificada
Subchassi e barra estabilizadora são dois componentes presentes na maioria dos carros mais modernos, mas costumam ser deixados de fora em carros de entrada. Normalmente na dianteira, a barra estabilizadora une os conjuntos de suspensão dos dois lados do carro e limita o movimento do carro em torno do próprio eixo longitudinal, melhorando a aderência e reduzindo a rolagem da carroceria. Já o subchassi, também chamado quadro ou agregado, é a estrutura metálica na qual os componentes da suspensão e, em muitas vezes, o próprio motor são instalados (este, por meio de coxins). Duas vantagens são a melhor reparabilidade e o melhor isolamento de ruídos e vibrações. Contudo, os carros de entrada que vêm equipados com eles são exceções, como o novo Fiat Uno e o Chevrolet Onix.
Muitos plásticos, poucas texturas
Chamar os carros modernos de “plastimóveis” é forçado e inadequado, levando em consideração todo a evolução em materiais, monoblocos e zonas de absorção de energia que aconteceu nas últimas décadas. Por outro lado, é fato que as fabricantes de automóveis abusam do plástico no interior dos carros. Isto também não é exatamente o problema, e sim a falta de variedade.
Já faz alguns anos que as versões de entrada dos modelos mais baratos não trazem tecidos nas portas ou sequer uma variedade nas texturas: é tudo da mesma cor, transmitindo a mesma sensação ao toque, e o resultado é um aspecto pobre, mesmo que o design do habitáculo seja até interessante.