Quando a Chevrolet decidiu, enfim, colocar o motor do Corvette atrás dos bancos dianteiros, a principal justificativa era que o layout de motor dianteiro, ainda que tradicional, já estava em seu limite considerando o desempenho bruto do carro. Especialmente considerando as versões mais radicais, como o ZR-1 e seu V8 supercharged de 765 cv. Nem todas as melhorias aerodinâmicas existentes poderiam mascarar o fato de que, enquanto esportivo de pista, a receita do Corvette C7 não tinha mais para onde ir.
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A princípio, parece que deu certo. Em track days, o Corvette C8 de base, com motor V8 naturalmente aspirado de 500 cv (suficiente para ir de zero a 100 km/h em três segundos cravados), já mostra que pode dar trabalho a carros mais potentes, feitos para as pistas. Como o Dodge Viper ACR – aquele mesmo que quebrou vários recordes em circuitos norte-americanos e chegou muito perto de virar menos de sete minutos em Nürburgring.
O vídeo mais a caminho do lendário circuito de Laguna Seca, na Califórnia, para um track day – segundo ele, o primeiro track day com a presença de um Corvette C8 no circuito.
Everett parece saber se virar ao volante, apesar da aparente pouca idade – e, de fato, ele domina bem o Corvette em Laguna Seca. Ele chega a dar trabalho para um Dodge Viper ACR que está à sua frente, e também consegue segurar por um bom tempo um Porsche 911 (aparentemente um GT3) que vem atrás. O Viper aparece por volta do minuto 6:30 do vídeo, e Austin vai chegando cada vez mais perto até que, perto do fim, consegue ultrapassá-lo.
Podemos considerar este pega como uma demonstração do potencial do Corvette C8? É bem possível, sim.
O Dodge Viper ACR foi a despedida em grande estilo do Viper – um track monster de verdade, que ignora completamente o gargalo do motor dianteiro. O V10 de 8,4 litros entrega 645 cv a 6.400 rpm e 83 kgfm de torque a 5.000 rpm – o mesmo que os outros Viper da última geração, aliás. O câmbio manual de seis marchas – o mesmo Tremec TR6060 – leva a força para as rodas de trás através do mesmo diferencial com autoblocante que qualquer outra versão, exceto que sua carcaça tem aletas para ajudar no arrefecimento.
Mas – e este é um grande “mas” – o Viper ACR possui vários outros elementos que o destacam. A suspensão ganha amortecedores Bilstein ajustáveis em dez níveis, com regulagem de compressão e retorno e permitem rebaixar o carro em até 7,6 cm. As molas são duas vezes mais firmes que as encontradas no Viper comum. Os freios Brembo usam discos de carbono-cerâmica de 391 mm na dianteira e 360 mm na traseira, e são abrigados por rodas de 19 polegadas calçadas com pneus Kumho Ecsta V720. As medidas dos pneus: 295/25 na dianteira e absurdos 355/30 na traseira.
Seu maior trunfo, porém, é o chamado Extreme Aero Package – o tal “opcional obrigatório”, já que é no conjunto de artifícios aerodinâmicos especialmente desenvolvido para o Viper ACR é que está seu segredo. Com splitter frontal maior, asa traseira dupla ajustável, quatro aletas de escoamento, novo difusor traseiro e saídas de escoamento nos para-lamas e capô, o kit ajuda o Viper ACR a produzir até 227 kg a mais de downforce nas curvas. À velocidade máxima de 285 km/h, o carro produz até 799 kg de downforce.
Foi com estas armas que, em 2016, o Dodge Viper ACR partiu em uma turnê pelos EUA a fim de quebrar recordes de velocidade em 14 circuitos diferentes, todos certificados pelo SCCA (Sports Car Club of America), como Laguna Seca, Willow Springs, e Road Atlanta – mostrando que, de fato, o Viper ACR está em outro nível em tempos de volta. Em Laguna Seca, o Viper ACR virou 1min28s65, superando até mesmo o Porsche 918 Spyder, que virou 1min29s29. Detalhe: ambos os carros foram conduzidos pelo mestre Randy Pobst. O recordista anterior, o Corvette ZR-1 da geração C7 (e concorrente mais direto do Viper ACR), tinha marcado 1min33s7.
Ou seja – ver um Corvette C8 acompanhando de perto um Viper ACR em Laguna Seca diz muito sobre o que a nova geração do esportivo é capaz. Mesmo com quase 150 cv de desvantagem, o arranjo de motor central-traseiro, o câmbio de dupla embreagem e o acerto dinâmico por parte da Chevrolet quase compensam por isto.
Não podemos esquecer, claro, que o nível do piloto também faz diferença. Vê-se que Austin sabe o carro que tem nas mãos – seu empenho em não deixar o Porsche que vem atrás ultrapassá-lo ao mesmo tempo em que tenta alcançar o Viper deixa isto claro. Não sabemos se o piloto do Viper estava dando tudo de si ou se estava mais relaxado naquele fim de semana. Ou mesmo se ele é um piloto no nível de Austin ou melhor.
Mas sabemos o que pensar disto tudo: o Corvette C8 pode ter ficado radical demais para o gosto de alguns, ou “não ser um Corvette de verdade” para os mais radicais. Seu design pode ter adotado uma personalidade mais europeia, a fim de deixar o C8 mais global. Mas, como esportivo, tudo indica que a Chevrolet fez mesmo um bom trabalho. E que os futuros Z06 e ZR-1 terão uma grande plataforma como ponto de partida.
No fim das contas, há de se considerar um último ponto: em pleno 2020 estamos aqui, assistindo e analisando uma disputa entre dois esportivos americanos com motor V8 puro e tração traseira. É uma pequena vitória para o Viper, o Corvette e para todos os entusiastas.