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Crônicas de 8 bits – meus primeiros jogos de corrida e meu clone do NES

O game de corrida mais recente que eu joguei até hoje foi DiRT Rally 2.0, no PS4. Embora seja a versão para consoles, fiquei impressionado com a qualidade da simulação – a quantidade de aspectos que você pode modificar no carro, a precisão necessária nas curvas, as seis diferentes câmeras (com uma visão detalhadíssima do cockpit) e o modelo de danos do carro são absurdos. Nem parece que, menos de 20 anos atrás, o melhor que eu tinha para disputar corridas virtuais era uma tríade de jogos dos anos 80: Mach Rider F-1 Race.

Estes três jogos foram lançados originalmente para o Nintendo Entertainment System, o NES – ou “Nintendinho”. Eu nunca tive um NES original, com seus controles retangulares (que deviam ser extremamente desconfortáveis), mas tive acesso a estas pérolas graças ao maravilhoso mundo dos clones.

Você provavelmente conhece o PolyStation – ele deve ser o mais famoso dos clones piratas do NES. Até o começo dos anos 2000, quando o PlayStation 2 já existia mas muitas crianças brasileiras ainda sonhavam com um PSOne, o PolyStation foi relativamente popular. Muito se fala, na comunidade dos games retrô, sobre pais que chegavam em casa com “o videogame que o filho tanto queria”, comprado por mais ou menos R$ 70, achando que haviam feito um belo negócio. Mas a criança queria o PlayStation – que, na época, encostava nos R$ 600.

IT’S JIST NOT A GAME ANYMORE ! !

A criança, evidentemente, já tinha percebido que o nome era diferente – e percebeu antes de abrir a caixa (que era inspirada no Nintendo 64…) que aquele videogame rodava cartuchos. Aqueles amarelos que você encontrava em bancas de jornal e locadoras de games, com “99999 jogos em um”.

Ou então algum Mortal Kombat que certamente não era oficial

Meu primeiro videogame não foi um PlayStation. Mas também não foi um PolyStation – que eu nunca tive. Mas ele também era um clone do NES – fabricado no Brasil pela Dynacom: o Magic Computer PC-95. A empresa fundada em 1981 foi pioneira no Brasil ao lançar, em 1983, um clone não-licenciado do Atari 2600 – que tinha um controle superior ao do oficial, que chegou no mesmo ano. O Dynavision, lançado em 1989, era um clone não-licenciado do NES – que chegou dois anos antes da versão oficial da Nintendo e tornou-se um sucesso, tendo versões produzidas até 2008. A última delas foi o Wi Vision, que imitava o Nintendo Wii mas ainda usava uma cópia do hardware da Nintendo.

O Magic Computer PC-95 era uma versão com pegada educacional do Dynavision. Ele tinha o formato de um teclado de computador e rodava um “sistema operacional” que era, na verdade, uma ROM de 8 bits criada por um time de programadores asiáticos que trazia vários programas simples, como um editor de texto, uma calculadora, exercícios de digitação, testes de matemática e até mesmo sistemas de programação G-Basic e F-Basic (usadas para criar jogos e programas em 8 bits).

O Magic Computer PC-95, porém, também tinha entradas para controles e um leitor de cartuchos. E, por mais que eu tenha me divertido com os joguinhos educacionais, me interessei muito mais pelos cartuchos…

O videogame vinha com um cartucho chamado “7×1 RADICAL!” e, como o nome dizia, tinha sete jogos – incluindo Pac Man, o clássico Duck Hunt, Tênis e, claro, meus primeiros games de corrida: Mach RiderF1 Race. Curiosamente, nenhum deles era, de fato, um jogo de corrida.

F-1 Race foi lançado em 1984 pela Hal Laboratory, desenvolvedora de Satoru Iwata que foi contratada pela Nintendo pra criar alguns títulos originais para o NES. Iwata foi quem quis criar um game de corrida, sendo fã da Fórmula 1 – e, ao mesmo tempo, dar um desafio a sua equipe de programadores: o uso da técnica  raster scrolling para dividir a tela em duas camadas e dar ilusão de profundidade e movimento do cenário.

O jogo era bastante simples: você tinha de dar duas voltas em cinco circuitos diferentes antes de o tempo acabar. Havia outros carros de Fórmula 1 na pista – o seu era vermelho e branco, o deles era azul e amarelo – mas eles só estavam lá para te atrapalhar. Não era uma disputa por posições.

Não havia música durante as corridas, apenas o ronco dos carros, mas os efeitos até que eram convincentes para 1984. E os controles eram surpreendentemente importantes: embora fosse um arcade, F-1 Race te obrigava a dosar na aceleração e nos freios ao contornar curvas, ou você acabava subesterçando e acertando os postes na beira do asfalto.

E não havia final: as últimas fases de cada nível de dificuldade – que eram três no total – continuavam a corrida indefinidamente, com o contador diminuindo a cada volta dada até que não dava mais tempo.

O outro game era Mach Rider, lançado pela Nintendo em 1985, era um jogo de combate veicular. Nele, você era… Mach Rider, um justiceiro que viaja pelo mundo combatendo uma gangue alienígena chamada Quadrunners no ano de 2112. (Is that a Rush reference?)

Os modos de jogo eram dois: você tinha de percorrer determinado trecho dentro do limite de tempo enquanto batalha com os Quadrunners atirando ou jogando-os para fora da pista; ou simplesmente percorrer a distância necessária no menor tempo possível.

O jogo era bem feito para a época. Tinha bons gráficos; jogabilidade relativamente complexa; uma trilha sonora simples, mas memorável; e vários efeitos sonoros simultâneos – o que exigia bastante processamento e manejo de recursos. Mach Rider também foi desenvolvido pela HAL, e utilizava as lições aprendidas pela equipe de programadores com F1-Race.

E, embora não tenha ganho uma sequência per se, o game acabou inspirando um clássico do Super Nintendo na década de 1990: F-Zero, jogo de corrida espacial futurista que emprestava certos elementos estéticos e conceitos de Mach Rider, incluindo o protagonista Captain Falcon, que era muito parecido com o motociclista em forma e função.

Mas… como foi que estes games vieram parar no Brasil sem licença pela Nintendo, produzido e distribuído legalmente por uma empresa brasileira? Tem a ver com a Lei de Reserva do Mercado de Informática, que entrou em vigor em 1984 e previa incentivos para empresas que quisessem desenvolver tecnologia de eletro-eletrônicos no Brasil.

 

A lei fazia “vista grossa” para o uso de um software não licenciado – e a própria Nintendo não deu muita atenção ao uso de sua propriedade intelectual no Brasil – era só retirar qualquer menção à marca Nintendo –algo que, no fim das contas, acabou preparando o mercado e os consumidores para a chegada oficial do NES. Claro que a Nintendo de hoje em dia, uma companhia extremamente atenta ao uso não autorizado de seus recursos, jamais permitiria tal coisa. Se não tivesse fechado as portas em 2011 por dificuldade de competir em um mercado globalizado de games, a Dynacom certamente teria problemas para manter-se em pé de todo modo.

Para mim, foi ótimo – certamente Mach Rider F1-Race foram os jogos que eu mais joguei no cartucho “7×1 RADICAL!” antes de descobrir que havia uma locadora de games do outro lado da cidade que tinha Final Fantasy disponível para aluguel. Nunca pensei em comprar aquele cartucho e hoje vejo como fui ingênuo. Mas o caso é que só fui me interessar de novo por games de corrida depois que consegui um PlayStation e Gran Turismo, como já contei aqui várias outras vezes.