É provável que você nunca tenha sonhado em ter uma van na garagem da sua casa — a não ser que trabalhe com uma, claro. E que tal uma van americana clássica com motor V8 preparado e tração traseira, feita especialmente para as pistas? Se ainda não se convenceu, espere até conhecer a D-Van Grand Prix, que começou como uma piada e se tornou uma das mais geniais categorias amadoras do Japão.
O criador da coisa toda se chama Takuro Abe, e ele dedica todo o seu tempo livre à categoria. Ele conta que tudo aconteceu há oito anos, em uma escola de pilotagem de motocicletas (provavelmente onde ele trabalhava como instrutor, mas isto não fica claro). Na beira da pista ficavam as vans usadas para transportar as motos.
O que isto significa para seres humanos normais? Nada. Para doentes por velocidade? Que qualquer coisa que tenha quatro rodas, motor e volante merece ir para a pista. Foi o que Takuro e alguns colegas fizeram na hora do almoço, só por diversão. “Nos boxes, disseram para a gente: ‘nada de vans na pista’. Mas nós fomos mesmo assim.”, conta ele neste ótimo minidocumentário feito pela revista japonesa (o link está em japonês).
Quando você e seus amigos fazem alguma loucura, vocês tiram fotos, não é? Pois é claro que os caras tiraram fotos e as jogaram na Internet. Não demorou para que um monte de outros entusiastas quisesse fazer o mesmo. Não é para menos: como já contamos aqui, as vans têm uma subcultura muito forte no Japão — kei vans, minivans, vans de luxo japonesas e, claro, vans americanas.
A coisa é tão séria que existe até uma subcultura dentro de outra: a subcultura das Dajjibans. O termo é uma corruptela de “Dodge Van”, e seu significado é literal: são entusiastas da Dodge Ram Van, van full-size americana equipada com motores V6 e V8 Magnum — uma das mais tradicionais famílias de motores da Chrysler que, com versões de diferentes deslocamentos, equipou dezenas de modelos da Dodge, da Plymouth e da própria Chrysler — do Challenger e do Barracuda à Ram e ao Grand Cherokee.
Existem entusiastas que modificam vans de outras fabricantes americanas, como a Ford Transit e a Chevrolet Econoline. Contudo, na hora de ir para a pista, o que se usa é a Dajjiban. É uma categoria monomarca, afinal!
A Ram Van destacada no vídeo é a do próprio Takuro, e serve como template para as outras vans. E nos eventos — como este, realizado mês passado no circuito japonês de Ebisu, em Fukishima, no Japão —, normalmente o grid conta com algo entre 20 e 40 vans alinhadas!
A van de Takuro é uma Ran Van 1994 equipada com o V8 Magnum de 5,2 litros com o qual veio ao mundo, mas isto não significa que ela seja toda original. Muitíssimo pelo contrário. Para começar, o capô e a grade são feitos de fibra de carbono, enquanto os para-choques são de fibra de vidro. O interior é todo aliviado — só há um banco concha, volante de competição (com cintos de três pontos convencionais) e muito espaço para as tralhas de pista: rodas e pneus extras, ferramentas, capacetes e macacões… esse tipo de coisa.
“Normalmente as pessoas usam vans para transportar pessoas e coisas, com espaço para a família e os amigos se divertirem”, comenta Takuro. “Mas nas nossas vans modificadas você sofre com a chuva e com o vento, e não há assentos extras. É quase auto-tortura.” Para ajudar, o motor costuma ser deslocado para trás do eixo dianteiro, com o intuito de melhorar a distribuição de peso e, consequentemente, o comportamento dinâmico. Os donos das vans dizem que dá certo, mas há um preço: o calor dentro da cabine beira o insuportável.
Agora, a parte que interessa: a mecânica. Como dissemos, o motor ainda é o Magnum de 5,2 litros “original”. As aspas estão ali por um motivo: V8 recebeu preparação de primeira, com cabeçotes de alumínio da Edelbrock, novos comandos e bielas, radiador de óleo, ECU reprogramada para remover o limite de rotações e coletores 4x2x1 dimensionados. Originalmente a potência do Magnum 5.2 fica na casa dos 230 cv e, infelizmente, Takuro não diz o quanto este número aumentou. Talvez porque isto não importe para ele, desde que a van seja rápida. E ela é.
Acoplada ao motor está uma transmissão automática de quatro marchas reforçada (de origem não especificada) acoplada a um diferencial de deslizamento limitado. As rodas são as clássicas Watanabe RS, de 16×8” na dianteira e 16×9” na traseira, calçadas com pneus Advan A048 de medidas 225/50 nos quatro cantos. Com a suspensão dianteira do tipo McPherson e traseira por eixo rígido do tipo four-link e amortecedores coilover ajustáveis nas quatro rodas, a van tem uma postura sinistra.
Os outros pilotos que correm no D-Van Grand Prix têm vans parecidas, com variações pessoais na receita da preparação e no visual. O resultado é uma cena bem interessante em dias de evento: boxes cheios de vans que não estão lá como apoio para equipes de corrida. Elas são os carros de corrida.
Foto: Loosen Up!/Takahiro/Divulgação
É até curioso pensar que tudo surgiu como uma brincadeira, porque os caras realmente gastam fortunas e centenas de horas de trabalho para deixar as vans sempre no jeito para correr. “Quando alguém chega para mim e diz que quer participar, eu sempre digo que não a pessoa não deveria fazer isso”. Talvez porque seja viciante demais. “E se me perguntam qual será meu próximo carro, eu respondo: ‘quando eu morrer, minha van será meu carro funerário’. É o quanto eu amo fazer isso”.
[Fotos: Loosen Up!/Takahiro/Divulgação]