Quando a Ferrari 365 GTB/4 chegou ao mercado em 1968, ela trouxe uma nova direção de design que influenciaria os esportivos da marca pelos 25 anos seguintes. Pela primeira vez uma Ferrari tinha faróis ocultos — fossem eles fixos ou escamoteáveis — o que resultaria na frente em forma de cunha que foi usada até o final dos anos 1990.
Não foi por acaso, portanto, que ela inspirou o lançamento mais recente da marca, a 12cilindri (se você quiser falar com a pronúncia italiana, é “dôditchi-tchilindri”). Foi ela também uma das primeiras Ferrari a ultrapassar a marca das 1.000 unidades — foram quase 1.400 unidades no total, um recorde de produção, na época. Por isso também, ela é relativamente fácil de se ver nos encontros de carros antigos, e ainda não chegou ao milhão de dólares em valor de mercado.
Isso, claro, se aplica aos modelos regulares, conhecidos como GTB/4 e GTS/4 (esta a conversível). Houve ainda 15 unidades de competição, todas feitas com carroceria de alumínio — a mais famosa delas correu pela NART, que também teve uma raríssima unidade conversível feita para Lugi Chinetti, o proprietário da NART e representante da Ferrari nos EUA.
Houve, contudo, um modelo ainda mais raro. Tão raro que muita gente duvidava de sua existência até alguns anos atrás, quando ela foi encontrada depois de 40 anos guardada em um depósito no Japão. Trata-se da única 365 GTB/4 de rua com carroceria de alumínio.
Aqui é importante mencionar o fato de ela ser um modelo de rua, pois todas as 15 unidades de competição eram de alumínio, incluindo o protótipo da 365 GTB/4 Competizione. Daí o mistério: muitos acreditavam que o protótipo havia sido confundido com o modelo de rua com carroceria de alumínio, mas o chassi deles não era o mesmo. O protótipo usa o chassi 12547, mas a Ferrari encontrada no Japão tinha um número diferente: 12653 — o que significa que foi feita depois do protótipo.
Em 1969 a Ferrari produziu os cinco primeiros carros com carroceria de alumínio feita pela Scaglietti para seu programa de competição. Eram as 365 GTB/4 Competizione, que além da carroceria mais leve, também tinham faróis fixos, com cobertura de plexiglass, e, claro, interior espartano como todo carro de competição.
Uma das carrocerias, contudo, foi parar em um modelo de rua, e recebeu interior completo e até vidros elétricos. Era o chassi 12653, uma das 30 primeiras Daytona construídas, e foi entregue ao seu comprador, Luciano Conti, amigo de Enzo Ferrari, fundador e publisher da revista Autosprint (bons tempos em que publishers compravam Ferraris…), que recebeu o carro em junho de 1969.
Curiosamente, Luciano usou o carro somente por 15 meses, até setembro de 1970, quando o vendeu a um cara chamado Guido Maran. Mais curioso ainda é que Guido ficou com o carro somente um mísero mês antes de vendê-lo ao terceiro proprietário do carro, um italiano chamado Carlo Ferruzzi.
O signore Ferruzzi ficou com o carro até julho de 1971 e o vendeu para uma concessionária japonesa. Naquele mesmo ano, a sétima das 15 Ferrari Daytona de liga leve saiu da fábrica da Ferrari: também era um modelo com interior completo, porém o carro foi usado pela NART nas 24 Horas de Le Mans daquele ano.
Enquanto isso, no Japão, a Daytona de alumínio estampava as páginas da revista local Car Graphic, uma publicação voltada ao público entusiasta. No extremo Oriente o carro teve outros dois proprietários entre 1972 e 1979, antes de chegar a Makoto Takai, que guardou o carro até alguns meses atrás.
Durante estes últimos 37 anos, muitos duvidavam da existência do carro — até mesmo especialistas nos clássicos da marca. Desaparecido muito antes de sonharmos com a internet e a interação social que temos hoje em dia, o carro era tido mais como uma lenda do que um modelo real, muitas vezes confundido com os outros seis modelos que competiram ao longo dos anos 1970.
O carro só voltou a ver a luz do dia novamente em julho de 2017, quando foi apresentado a Marcel Massimi, um dos especialistas em Ferrari clássicas, que foi até o Japão avaliar o carro. Ele confirmou que o exemplar tinha motor, câmbio e chassi com a mesma numeração (matching numbers, no jargão dos colecionadores) de acordo com os registros da fábrica.
A Ferrari Daytona que não existia estava ali, diante de seus olhos.
Os proprietários japoneses fizeram algumas pequenas mudanças estéticas no carro, como o suporte de placas japonesas na traseira e os retrovisores nos dois lados, mas todo o restante está original — incluindo o interior, que apesar da sujeira está em ótimo estado, e até mesmo um estepe nunca usado.
O carro rodou 36.390 km antes de ser guardado, e foi leiloado em 2018 por € 1.807.000. O comprador não foi divulgado, mas em 2022 o carro ressurgiu exposto no museu da Ferrari. Teria sido a própria fabricante a compradora do carro? Ou o carro apenas foi exibido enquanto aguardava por sua restauração na Ferrari Classiche?