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Car Culture Viagens e Aventuras

De Floripa a Brasilia para comprar um Mercedes C230K

1994. Apenas quatro anos após a abertura do mercado às importações de veículos. Collor protocolou a MP 158 em março de 1990, que foi ratificada pelo Congresso Nacional e convertida na Lei 8.032 em abril do mesmo ano. Com isso, toda uma miríade de marcas e modelos começou a brotar nas ruas. Uma das mais prestigiosas, a Mercedes-Benz também aproveitou dessa onda e abriu sua representação oficial de automóveis, já que, no segmento de caminhões e ônibus ela já dominava o mercado. Porém, em Brasília, elas não eram exatamente novidade, por conta das embaixadas. Eles podiam importar os próprios carros, e, por isso, as Mercedes eram frequentemente vistas nas ruas da capital.

Era comum que, em Brasília, um homem explicasse a seu filho que aquela “Mercedinha” era um carro alemão muito bom, coisa de gente grã-fina, ao ver uma na rua. Normalmente, essas rápidas explicações eram temperadas com um ar contemplativo, como quem diz, mesmo sem dizer: “um dia vou ter uma dessa, meu filho”.

Sendo assim, um adolescente imberbe, de certa forma acostumado a ver os imponentes sedãs flutuando silenciosamente, guiados por um chauffeur a conduzir embaixadores, oficiais de chancelaria e adidos militares, jamais imaginaria que aqueles carros poderiam ser utilizados para corridas.

Até que esse mesmo jovem resolve ligar a TV em um domingo qualquer e, por algum motivo que foge à razão, sintonizar na hoje extinta TV Manchete. Aquele mesmo jovem que fez isso em meados dos anos 90 deu de cara com a transmissão de alguma etapa do DTM – Deutschland Tourenwagen Meisterschaft sendo narrada pelo Edgard Mello Filho (um alfista incorrigível, o que deixava a narração ainda mais divertida), e, qual foi a surpresa dele ao ver toda uma divisão panzer de “Mercedinhas”, inclusive com direito a “mira” no capô, lutando bravamente contra as Alfa Romeo 155!

Enquanto os amigos desse menino, assim que tomaram conhecimento desse campeonato, torceram pelas Alfa, ele ficou com os teutônicos. Bern Schneider a Nicola Larini! Pronto: a paixão pela estrela de três pontas estava plantada e criando raízes profundas.

Aquele adolescente era eu. E o pai era o meu velho.

O tempo passa e aquela mistura de paixão e assombro naturalmente arrefecem. O adolescente cresce, se torna um homem, e o seu pai para de comentar sobre as Mercedinhas, por elas terem se tornado uma visão ainda mais corriqueira na cidade. Nada fora do normal, apenas a vida seguindo seu curso.

Assim como a vida segue, inexoravelmente, seu curso, eu segui o meu, mas meu gosto por carros mais antigos, em especial das décadas de 90 e 2000 só aumentou desde então. Talvez pelas memórias afetivas por esse período de adolescência misturado à miscelânea de marcas e modelos que inundaram o mercado nessa época. Tal paixão chegou a ponto que o carro mais novo que possuo tem 21 anos de idade, porém, com projeto lançado em 1996. Quer dizer, possuía, já que ele (um Vectra CD Plus 2003 completão) foi vendido recentemente. Confesso que estava tranquilo com os carros que sobraram (um Astra GLS 16v 98 e um BMW 325 E36 manual que em breve será vendido), e não havia pensado em nada para substituir o Vectra.

Até que um amigo me manda um anúncio. Um Mercedes C230 Kompressor, geração W202, 1996 (pré-facelift), à venda por um preço dentro do que se pede por um carro desse no mercado atual. Dois detalhes me chamam atenção: versão Sport, com os opcionais Equipment Package Sport (956) e Sport Chassis com rodas AMG (654), visíveis nas fotos de interior e altura do carro (mesma altura da C36 AMG, mais baixo e firme que as Elegance e Avantgarde); e o principal: câmbio manual. As rodas já não eram mais as originais, mas tudo bem. Além disso, o carro parecia em um estado bem acima da média de conservação dada a idade.

De repente, aquele rapazote despertou do coma. Caramba! É o carro que ele via nas corridas, com um Edgard Mello Filho berrando em tom quase histriônico, mas absolutamente hilário, “VAI LARINI! SEGURA A DIVISÃO PANZER!”. E agora, o que fazer? Como bem disse meu amigo Felipe Bitu (falarei dele mais abaixo), carro velho é igual vira-latas: ele olha para você, e quando você percebe, ele está deitado no seu sofá (garagem, no caso). É ele que escolhe o dono, e não o contrário. Tudo conspira a favor quando é para ser. Parece que aquele caramelo preto com interior preto Anthracite havia encontrado seu novo dono.

Começo a trocar mensagens com o vendedor. Acabo descobrindo que ele morava em Brasília (cidade onde resido), que comprara o carro aqui e se mudou para Florianópolis após isso. Pedi para ele me mostrar alguns detalhes do carro por foto e vídeo, no que fui prontamente atendido. Também descobri quem fora o dono anterior a ele e, coincidentemente, era um conhecido. Levantei as informações do carro e tudo que o conhecido falou que precisava ser feito de manutenção, o Mailton, dono do carro até então, fez.

Quando eu menos percebi, o vira-latas já estava deitado no meu sofá. Fechamos negócio.

Negociação concluída, tratei de marcar férias e comprar passagem só de ida. Como o Mailton me assegurou que o carro estava em ordem, acabei, pela oitava vez na minha vida, comprando um carro em outro estado sem vê-lo ao vivo, fui buscá-lo e voltei dirigindo (please send help). Mailton, em todo esse processo, foi um cara muito legal e foi além do que eu esperava. Portanto, fique registrado aqui meu agradecimento! Neste ínterim, entre o acordo fechado e eu desembarcar em Florianópolis, Mailton fez duas gentilezas para mim: instalou mais um abafador para eliminar de vez as ressonâncias que o escape esportivo emitia e que me causariam dor de cabeça (literalmente), também fez uma troca de óleo com respectivo filtro.

Só restava, agora, esperar o dia da viagem chegar, pegar o avião, resolver os trâmites de pagamento e cartório, e pegar estrada! E, como estava de férias, voltaria sem pressa, e aproveitaria todos os 1700 km de volta, fazendo desvios e visitando outros amigos tão loucos por carros quanto eu em Curitiba e São Paulo.

Dia 2 de maio, embarco na aurora para Florianópolis. Chego lá 11h em ponto. Alguns minutos após sair do aeroporto, o Mailton chegou já com o carro e o porta-malas cheio de peças sobressalentes, como um bom dono de carro antigo que se preze. Embarco, seguimos para o cartório, faço o pix, almoço com ele, dou uma carona a ele até em casa (no continente, já no caminho de volta), calibro os pneus e sigo meu rumo. Antes, porém, uma última gentileza do Mailton: ele me entregou o carro com o tanque cheio de gasolina podium. Não custa nada agradecê-lo novamente: muito obrigado, Mailton!

Caiu uma chuva torrencial logo após deixarmos o aeroporto, e a chuva foi minha companheira nesse dia. Confesso que, por várias vezes, me distraí vendo o limpador de para-brisa de varredura excêntrica (eccentric sweep, na terminologia oficial) funcionando (o braço estende e retrai à medida que ele percorre o vidro – talvez o sistema mais caro, desnecessariamente complexo e, por essas razões, incrivelmente legal já feito para esse propósito – veja nos vídeos abaixo). Entendi o porquê do Edgard Mello Filho comentar tanto do limpador das Mercedes quando havia alguma etapa na chuva. “OLHA O QUE LIMPA ESSE RODO”, ele costumava dizer, eu acho.

A meta do dia era vencer os 315 km entre Florianópolis e Curitiba. Mas eu acabei rodando mais que isso.

Aproveitei que o Léo Contesini está morando Blumenau/SC e combinei de encontrá-lo para tomar um café. Como eu disse, não estava com pressa, e esse tipo de desvio não só era aceitável como muito bem-vindo. Estava de férias e, mais uma vez, curtindo a estrada. Acabamos nos encontrando ali perto, em Pomerode, e qual foi a surpresa do Léo ao me ver aboletado em uma Mercedes!

Mostrei o carro a ele, que, obviamente, adorou! Erika Wolverina Verdamp Lang Her da Silva Sauro (foi batizada com o spray d’água que um caminhão jogou nela no trajeto) é uma moça muito carismática.

A inspiração para o sobrenome teutônico. Há muito tempo atrás…

Em Curitiba, já havia uma turma de loucos me esperando: dentre eles, os irmãos Gus e Max Loeffler, figurinhas carimbadas por aqui. Nos encontramos em uma cervejaria que estava por fechar quando cheguei.Por consequência, seguimos para um posto de gasolina ali perto, onde a gente sempre costuma se encontrar quando vou à Curitiba. Mais uma vez, Erika mostrou todo seu carisma e simpatia, recebendo elogios e “quebradas de pescoço” com frequência.

Um dos amigos presentes no posto, Cauê, é um “mercedeiro” mais fanático do que eu. Ver a alegria dele guiando a Erika à moda da casa, nas ruas desertas naquela madrugada curitibana, já havia compensado todo o passeio. Ele parecia mais feliz até mesmo do que eu, o que me deixou genuinamente feliz pela irresponsabilidade financeira, mais até do que quando a vi pela primeira vez!

E como vocês devem imaginar, se tem rolê com algum dos irmãos Loeffler, tem encrenca na certa! As rodas que estavam na Erika eram réplicas de AMG Monoblock aro 17, mas, esteticamente, eram muito feias e fora de proporção. Pense em um chinês descrevendo por telefone e com a ligação cheia de ruído como era a roda original, para que o china que estivesse do outro lado da linha desenhasse e fabricasse uma cópia dela. Era feia nesse nível. Os pneus estavam bons, até, mas as rodas me incomodavam tanto que acabei dando um jeito nisso.

Em dúvida de qual roda colocar, o Gus “Augusto” Loeffler, conversando comigo me manda a seguinte mensagem: “Galã, achei as rodas para seu carro!”. Como elas eram aro 18, eu precisaria comprar um jogo de pneus novos. “Galã, tudo resolvido. O cara vai deixar as rodas na Tireshop na quinta-feira e eu já negociei para você um jogo pneus excelentes e no precinho. Sexta-feira no primeiro horário esteja sem falta na loja!”. Tá bem, eu acho.

Montadas as novas rodas e pneus, o carro ganhou vida nova! As rodas possuem um estilo simples, clássico, mas com a pitada de modernidade na medida certa para se destacar da multidão. Ficaram realmente sensacionais! Porém, um problema. Ao subir na mesa de alinhamento, o carro precisava de um alinhamento técnico, que não poderia ser feito em Curitiba por conta do meu período de estadia lá. Como não era algo grave, o “galã” já fez contato com a sede da Tireshop em São Paulo para me receberem na segunda-feira subsequente (dia 6 de maio) e a gente faria isso lá.

Amigo é tudo nessa vida!

No sábado, dia 4, peguei estrada rumo à São Paulo. Antes, porém, fomos, em comboio liderado pelo Max, à Campo Largo visitar a Engemotors. Lá pudemos ver in loco o famoso Bianco Fúria com motor central Audi V8 e outras peripécias que eles andam aprontando, como uma réplica em fibra de vidro de uma Mercedes 300SL feita em cima de uma SLK 230 Kompressor, e alguns chassis do zero para receberem carrocerias diversas (Corvette C1, outros Bianco, etc.).

Após o almoço, me despedi da turma e programei o GPS para me navegar até a porta do hotel em São Paulo. No caminho, parei rapidamente para tirar umas fotos no Portal da Estrada da Graciosa, na beira da BR-101, e no posto da mesma rede daquele do encontro de quinta-feira, já quase na divisa com SP, para me despedir do Paraná com o famoso bolinho de carne (ou bolinho de azia, para os íntimos). Uma das melhores sensações ao dirigir é exatamente a de guiar um carro com pneus novinhos, recém trocados.

Trafeguei dentro do limite de velocidade (para uma autobahn) e não precisava nem levantar o pé para tomar as curvas: bastava apontar o carro que ele vinha neutro, sem nenhum sobressalto, e fazia a curva como em trilhos! Coisa que só um bom jogo de pneus novos, para alta performance, proporcionam. Ajudou também o fato da suspensão da Erika ter um acerto primoroso, sendo confortável, mas firme ao mesmo tempo. Parece paradoxal, mas não é, e quem andou no carro consegue confirmar essa percepção.

Já em São Paulo, duas missões importantes: visitar alguns amigos, tanto na capital como no interior, e alinhar o carro. Terça-feira encontrei com amigos dos tempos de fórum “Preparados”, coisa do início dos anos 2000. O que eu mais ganhei desse fórum não foi o vasto conhecimento técnico que circulava por lá; indubitavelmente foram os amigos que eu fiz – boa parte deles em Curitiba e em São Paulo – irmãos Loeffler inclusos. Revê-los é sempre garantia de resenha cheia de risadas. O grupo é infestado de gente tão dodói da cabeça quanto eu, ou até piores.

Na quarta-feira foi a vez de visitar um amigo de infância com quem mantenho contato até hoje, e sua esposa. Com esse amigo fiz uma roadtrip épica, passando pela Estrada da Serra da Graciosa, a travessia de balsa de Guarajuba, Florianópolis, a subida da Serra do Rio do Rastro e Foz do Iguaçu. Foram aproximadamente 5.000 km, ele de moto e eu de carro. Minha moto, na época, deu problema na saída do DF; fiz meia volta, consegui chegar em casa, joguei a bagagem no carro e fui. Não ia ser uma moto com problema que iria me dissuadir de pegar estrada. É um cara que sempre faço questão de encontrar, e a conversa é sempre animada, como se fosse semana passada a última vez que nos encontramos, e não há anos. Mais uma etapa da “missão visita” cumprida com sucesso.

Na quinta-feira, a já tradicional pizza com graxa na Stoich Automotive. Visitar o Rafael Dellilo na quinta-feira e comer a pizza no restaurante na esquina da rua onde a Stoich está instalada é um programa praticamente obrigatório. Mais do que trocar ideia, o importante é pedir ketchup para pôr na pizza pelo puro e simples prazer de irritar o italiano! A gente nunca efetivamente usa o ketchup, mas as reações do Dellilo são hilárias e nunca nos decepcionam! Eu sempre fico com aquela sensação de quase-morte por esfaqueamento com uma faquinha de talher, mas tudo pela zoeira!

Brincadeiras à parte, é sempre um grande aprendizado conversar com essa galera e ver o que o Dell anda aprontando. Dessa vez até uma prima mais velha da Erika Wolverina Verdamp Lang Her da Silva Sauro estava lá refazendo a eletrônica. Uma prima mais velha e mais forte, E420 W124, com um belíssimo V8 4.2, com duplo comando nos cabeçotes e kit esportivo da 500E de mesma geração.

A sexta-feira marcou o início da volta para casa. Antes, mais duas visitas a fazer, que se tornaram três. Eu passei uma temporada fora do Brasil, e, durante esse tempo, fiz amizade com uma família de paulistas radicados onde morei. Neste caso “amizade” é um eufemismo, já que, em plena pandemia, eu me vi só, trancado em casa enquanto meus familiares e amigos estavam a 10 mil quilômetros de distância. Eles me salvaram de ficar louco, me convidando para conviver com eles nesse período. São três gerações dessa família no exterior, sendo a última delas nascida lá.

A primeira geração (avós) voltou ao Brasil para resolver questões pessoais e, por conta disso, acabaram escolhendo Araçoiaba da Serra, ao lado de Sorocaba, como local de morada. Também, seguindo o desvio, passei por Piracicaba para encontrar o Felipe Bitu, colunista de clássicos da revista Quatro Rodas e diretor da FBVA – outro que eu conheci naquele fórum que mencionei anteriormente. Essas eram as duas visitas programadas para o dia.

Porém, ao examinar o roteiro que faria para alcançar eles, percebi que a famosa Estrada dos Romeiros era uma rota possível, praticamente paralela à BR-374. Impossível deixar de perder essa oportunidade de percorrer uma estrada linda e bem divertida de dirigir à moda da casa. Assim, as três visitas foram programadas: Estrada dos Romeiros, almoço em Araçoiaba da Serra, café em Piracicaba e daí, dependendo do horário, eu escolheria o local de pouso, em algum local entre Ribeirão Preto e Uberlândia.

Às sete em ponto deixei o hotel e segui oeste na BR-374. Um pouco antes de chegar em Araçariguama, divergindo à direita, tomamos a estrada para Pirapora do Bom Jesus. Ali, ainda não é a famosa “Romeiros”, mas é uma ótima amostra. Bom asfalto, curvas bem gostosas de se tomar numa condução mais espirituosa, paisagem belíssima. Algumas paradas para fotos – uma delas em uma curva tornada famosa por outro blog e chegamos em Pirapora. Como era um dia útil, a estrada estava praticamente vazia, o que deixou a experiência ainda melhor! Mais fotos em Pirapora e entramos na Romeiros.

Eu já percorri várias estradas marcantes, com paisagens deslumbrantes e condições impecáveis. Então, posso dizer de cátedra que a Romeiros entra no rol dessas estradas. Dirigir acompanhando o curso do rio Tietê e apreciando a paisagem acidentada da região é sensacional! O único pênalti fica por conta do rio poluído e o cheiro característico e desagradável. Essa é uma estrada que dá vontade de dirigir devagar, com os vidros abertos e admirando o caminho, porém, ao fazer isso, você acaba se arrependendo, subindo os vidros e ligando a recirculação interna do ar-condicionado.

Fora isso, quando eu me pegava focado e explorando os limites do carro, eu olhava para o horizonte e imediatamente reduzia o ritmo. A estrada é realmente muito bonita e vale a pena tirar o pé. Um pouco como aquela cena de Carros, onde o Relâmpago Marquinhos McQueen sai para passear com a Sally Carrera, começa a correr pela estrada, mas, quando olha para os lados, imediatamente desacelera e passa a apreciar o passeio.

Após breve parada em Itu, cheguei pontualmente ao meio-dia para o almoço com o casal de amigos em Araçoiaba. Após comer e matar a saudade deles, já que havia quatro anos que não nos víamos, segui para Piracicaba. Infelizmente o tempo do Bitu era curto, mas foi o suficiente. Ele guiou o carro e me levou por um tour relâmpago pela orla do rio Piracicaba.

Mais uma vez, uma constante: ele adorou o carro, achou bem divertido de guiar. Ponderou que essa já era uma geração de carros que a Mercedes projetou o rodar ao estilo “Classe S”. Mesmo com o pacote opcional de suspensão esportiva, e o carro possuindo altura similar à C36 AMG, ele constatou que o rodar é macio no geral e, quando provocado, o carro entrega uma estabilidade ímpar, sendo neutro e mantendo a compostura com tendência leve e controlada ao sobresterço no limite da aderência. A carroceria rola nas curvas, mas nada demais para um carro de quase 30 anos de idade, pelo contrário: há uma inclinação, mas ela é menor do que se supõe de um automóvel que roda tão macio.

Também surpreendeu a ele um carro com apresentação tão sólida. A embreagem é macia, o freio possui potência e modulação excelentes e o acelerador é pesado na medida certa. A direção é macia e passa bom feedback ao motorista. O câmbio, sem nenhum tipo de folga na alavanca, possui engates surpreendentemente curtos e precisos: apenas pelo tato, você consegue saber em qual canal a alavanca está e, por consequência, o comando da próxima marcha fica fácil de ser executado.

Além disso, os botões de comando do acionamento dos bancos, vidros elétricos, teto solar, ar-condicionado e som estão em posição de fácil alcance, onde se espera que eles estejam, e possuem tanto feedback tátil quanto sonoro impecáveis: você ouve e sente um CLICK claros como água, não restando dúvidas que o carro entendeu a ordem – que é executada imediatamente, sem hesitação.

Um AUTOMÓVEL (assim, em caixa alta), não um eletrodoméstico, como ele bem disse.

Após me despedir do amigo, segui em direção à Ribeirão Preto, onde pernoitei. Dessa vez, preferi não continuar noite adentro. Como iniciei o dia mais cedo do que o habitual e ele fora cheio, preferi encerrar mais cedo, também. Dirigir à noite por uma estrada reta e monótona somente para adiantar algumas centenas de quilômetros é uma conta que não fecha para alguém de férias e aproveitando o passeio.

Saí cedo de Ribeirão Preto no sábado, e cheguei a tempo de comer a sobremesa com minha mãe. Ela costuma comemorar o Dia das Mães no sábado, porque no domingo os restaurantes ficam lotados e a fila de espera é enorme.

Mas, melhor do que pegar o fim da comemoração antecipada com minha mãe, foi ver a reação do meu pai. Quando abri a “Mercedinha”, ele já foi logo se sentando na posição do motorista, para ver melhor o carro por dentro. Eu fiquei realmente emocionado pela alegria dele. Afinal de contas, havia realizado um sonho dele, mesmo que com 30 anos de atraso.

Me perguntou sobre o motor (achou que era um seis em linha, dadas as dimensões externas incomuns para um quatro cilindros do M111), perguntou onde ficava o tal do “compressor com k”, ajustou o banco elétrico para a posição de pilotagem dele e, a cada descoberta nova, ele abria um sorriso genuíno. Aqui, assim como quando o Cauê e o Bitu dirigiram o carro e se entusiasmaram, ou quando meus amigos viram o carro e me parabenizaram pela compra, eu ficava mais feliz por vê-los felizes do que pelo bem material.

Não se enganem, no entanto, em acharem que eu não estava feliz pela compra. Estava MUITO feliz, e a viagem de volta, constatando na prática que o carro é fantástico apesar da idade, misturado ao sonho de adolescência, me deixou genuinamente satisfeito, realizado.

No fim, aquele amontoado de metais, plásticos, couro e outros materiais inflamáveis cuidadosamente arranjados para se moverem aos nossos comandos trouxe para casa uma bagagem muito maior que seu novo dono, sua mala de mão e algumas peças sobressalentes. A satisfação do vendedor em ver que o carro que ele tanto cuidou bem terá outro dono zeloso. A alegria em rever amigos em outros estados. A alegria dos amigos em ver a lasanha nova, poder dirigi-la e se divertirem tanto quanto eu. A saudade aplacada ao rever pessoas tão importantes na minha vida.

No fim das contas, essa bagagem etérea, mas com todo o peso do mundo, é o que importa de verdade. Isso faz esse tipo de loucura valer a pena de verdade. O carro é apenas o catalisador de momentos e lembranças muito maiores do que ele.

E quem ousar discordar está errado.

Antes de me despedir, fiquem com o VT da etapa de Interlagos da ITC. Reparem que não tem nenhum bobinho no grid, só gente da pesada andando ali!!! E o rodo das Mercedes!!