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Car Culture

De onde veio a “mão inglesa”?

Já notou que os britânicos acham que dirigem do lado certo da rodovia e o resto do mundo no lado errado? Você certamente já ouviu essa piada no Top Gear, em EuroTrip ou outra comédia britânica — ela na verdade usa o duplo sentido de “right side”, que pode significar “lado direito” ou “lado certo”.

Na verdade eles não estão assim tão errados, pois mais de um terço dos carros do planeta tem o volante na direita. Mas você sabe por que eles decidiram colocar o volante no outro lado, em vez de fazer como o resto do mundo?

A 1:45 do vídeo, uma das melhores e mais sutis sacadas do filme: Mr. Bean compara o lado do volante do Mini

A origem mais aceita da mão inglesa é a mesma de praticamente toda a cultura social moderna: o Império Romano. Ali, os condutores de carruagens, bigas e afins, manejavam os veículos com a mão esquerda para poder usar as armas com a mão direita. Como a arma estava na mão direita, a circulação era feita pela esquerda. O hábito acabou avançando para a Idade Média e eras posteriores até que, em 1773, o governo britânico instituiu a primeira lei de tráfego local, estabelecendo que a circulação nas ruas deveria ser feita sempre pela esquerda.

Poucos anos depois, quando as ferrovias foram construídas para a nova invenção tecnológica local, a locomotiva a vapor, essa regra também foi seguida. É por isso também que o metrô de Londres trafega pelos trilhos da esquerda. Como o Império Britânico foi o maior império da história da humanidade, ele levou consigo seu padrão para todos os países onde exerceu alguma influência. Até mesmo o Brasil usou a mão inglesa no passado, acredite.

Londres em 1885 – a carruagem à esquerda vai, a carruagem à direita (da foto) vem

O Japão também teve influência dos ingleses, mas por um motivo bem mais banal: os primeiros trens importados pelos japoneses eram ingleses, então eles apenas seguiram o padrão britânico. Quando as estradas começaram a ser construídas para os carros, o sentido de circulação adotado foi o mesmo dos trens e, assim, o Japão acabou usando a mão inglesa.

A circulação pela direita também tem uma origem obscura, mas atribuída ao manejo de armas. Uma das hipóteses mais aceitas é que Napoleão Bonaparte, por ser canhoto, usava suas armas com a mão esquerda e, por isso circulava pela direita — algo que, supostamente, lhe dava vantagem em um combate. Dali se fez o padrão que hoje é conhecido como “mão francesa” ou “mão direita”.

Outra origem provável está nos EUA. Os colonos americanos tinham suas “wagons” puxadas por grupos de quatro ou seis cavalos e, por uma questão de aproveitamento de espaço, o condutor ia montado em um dos cavalos e não na carroça. Mais especificamente o último cavalo da esquerda, pois ele manejava o chicote com a mão direita e, assim, era mais fácil controlar os outros cavalos do grupo. Para evitar colisões e confronto de cavalos, a circulação passou a ser feita pela direita e, quando os carros surgiram, eles continuaram circulando pelo mesmo lado da estrada.

Trem japonês circulando pela… esquerda

Quando os automóveis começaram a aparecer, praticamente nenhum padrão estava estabelecido — nem mesmo o tipo de combustível — e por isso também não havia um consenso em relação à posição do condutor. Muitos ficavam no centro do veículo, outros nas laterais para uma melhor visibilidade em ultrapassagens, mas mão inglesa era padrão em grande parte da Europa ocidental, provavelmente devido à analogia com as ferrovias, surgidas na Inglaterra durante a primeira Revolução Industrial.

Durante os anos 1920 os países começaram a aderir ao tráfego no lado direito, restando apenas o Reino Unido e a Suécia com a mão inglesa na Europa. A Itália tinha um sistema misto, circulando pela direita nas estradas e pela direita nas cidades — um caos tipicamente italiano. Talvez por isso Lancia e Alfa Romeo produziram somente carros com volante no lado direito até os início dos anos 1950.

Alfa Romeo 6C 1951 – veja onde está o volante…

Em 1963 a Suécia finalmente decidiu abandonar a mão inglesa, pois todos os países vizinhos adotavam a mão francesa e muitos carros vendidos lá tinham o volante na esquerda, o que causava muitos acidentes. O dia 3 de novembro foi escolhido para a mudança, as ruas já haviam sido preparadas com sinalização e semáforos no lado oposto, cobertos com plástico preto.

Durante a madrugada o trânsito do país foi suspenso para a remoção da sinalização antiga e as 6h da manhã o tráfego foi liberado com o sentido alterado. Na segunda-feira após a mudança a quantidade de acidentes foi menor que a média.

No Brasil a circulação pela direita foi instituída em 24 de julho de 1928. Antes disso não havia um padrão e cada estado decidia como faria a circulação dos automóveis. O Brasil ainda tem uma rotatória inglesa, que é contornada pela esquerda e não pela direita — ela fica na cidade fluminense Volta Redonda…

… e se você um dia parar no restaurante Frango Assado da rodovia Carvalho Pinto (SP-070), em São José dos Campos/SP, irá notar que ali também há uma rotatória inglesa, onde se circula pela esquerda até o acesso à rodovia.

O Brasil também tem a única inversão de mão de circulação da América, situada na fronteira com a Guiana, que é uma antiga colônia inglesa (Guiana Inglesa) e, por isso, manteve o trânsito de mão direita. A inversão fica após a ponte sobre o rio Tacutu, onde termina a BR-401, que liga Bonfim/RO a Lethem/Guiana.

Um dos poucos países que fizeram o contrário — foram da mão francesa para a mão inglesa — foi a Samoa, que mudou para a mão inglesa em 2009. Os samoanos fizeram a mudança para se adequar aos países vizinhos, diminuir a importação de carros americanos e estimular a importação de carros usados da Austrália e Nova Zelândia.

O Reino Unido e outros países consideraram aderir a padronização da mão francesa, mas tradição, o volume da frota, e a infra-estrutura rodoviária estabelecida — algumas rodovias britânicas usam trechos das antigas vias romanas e outras são anteriores aos carros — tornam essa mudança inviável atualmente.

Atualmente a mão direita é adotada por 165 países e/ou territórios — em sua maioria na América, Europa Continental, Norte da África e Oriente Médio—, enquanto outros 75 países/territórios usam a mão esquerda para circulação. Isso significa que cerca de 30% dos países/territórios do planeta dirigem pelo lado esquerdo da via.