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Car Culture

De Porsche 914 a Mercedes-AMG: a trajetória do safety car na Fórmula 1

Safety car, pace car, carro de segurança, carro-madrinha. Não importa como você o chame: ninguém espera ansiosamente para vê-lo na pista: o safety car – ou pace car. Sua função é simples: colocar ordem na casa quando há baixa visibilidade ou um acidente – o que, na melhor das hipóteses, significa alguns minutos de lentidão e, na pior delas, que alguém sofreu um acidente e alguém pode ter se machucado, ou pior.

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Apesar disso, a posição de pace car é assumida com honra pelas fabricantes. Por mais que todos torçam para não precisar dele, a exposição e maciça ao público tem seu valor. Tanto que, nas provas da Indycar nos EUA, o pace car é quase uma atração à parte, rendendo séries especiais cobiçadas e memoráveis – especialmente entre os carros da GM. Na Fórmula 1 sua presença é mais discreta, porém ainda imponente. Afinal, um automóvel precisa ter credenciais para dividir o asfalto com os monopostos da mais alta categoria do automobilismo.

 

Pré-história

Desde 1996 este papel é da Mercedes-Benz, e disso todo mundo lembra. O que nem todos lembram é que, antes disso, o pace car sequer marcava presença em todas as corridas, fazendo aparições esporádicas.

No GP de Mônaco de 1967, o conceito Lamborghini Marzal, acompanhado de um Miura, entrou na pista antes da corrida – com ninguém menos que o príncipe Rainier e Grace Kelly desfilando para o público e mostrando os carros. Não foi um pace car per se, mas sim uma exibição antes da primeira volta. É possível vê-los na marca dos 7:05 do vídeo acima (que, por acaso, é a íntegra da corrida).

O safety car de fato foi introduzido nos anos 1970, e só foi usado duas vezes naquela década – em ambas, no Grande Prêmio do Canadá.

A primeira foi na edição de 1973 da corrida canadense – também a primeira vez na história em que o safety car foi usado na Fórmula 1. A corrida começou sob chuva no circuito de Mosport Park, em Ontario, e isso afetou a prova toda. Na 32ª volta, François Cevert e Jody Scheckter (que usava o primeiro carro de número 0 na F1) colidiram e o 914 amarelo, conduzido pelo ex-piloto Eppie Wietzes, foi acionado.

A estreia do safety car também foi marcante por causa de uma trapalhada: Wietzes ficou na frente do carro errado por engano e, com isso, vários pilotos percorreram uma volta completa sem a restrição do safety car, o que em última instância permitiu que Peter Revson, da McLaren, fosse o vencedor da corrida. Também foi uma confusão danada na reta dos boxes, que ficou superlotada e atrasou a vida de muita gente. Na época, a logística de segurança na Fórmula 1 ainda engatinhava e não havia procedimentos padronizados para situações de emergência – mesmo coisas básicas, como limites de velocidade nos boxes, não existiam. O próprio safety car era mais para exibição, entretenimento e divulgação do que, de fato, para segurança.

Três anos depois, em 1976, no mesmo circuito, o Porsche 911 Turbo 930 foi usado como safety car – ele ainda era novidade e viajar o mundo com o circo da Fórmula 1 era boa publicidade. Tanto que o carro fez voltas de exibição em outros GPs, como ilustrado por este belo registro do GP de Mônaco, parte do acervo Motorsport Images.

Não era exatamente a volta da Porsche à Fórmula 1 que os fãs queriam, porém – ela só veio nos anos 80, com quando correram (e venceram) os McLaren com motor TAG-Porsche.

Também foi em Mônaco que o Lamborghini Countach vestia um giroflex no teto e era usado como pace car na década de 1980, em diferentes anos. Mas era um arranjo local entre a organização da corrida em Monte Carlo e a Lamborghini, sem caráter oficial. Mas que o Countach ficava bem de pace car… ah, se ficava.

Também nos anos 80, o GP do Brasil teve um carro-madrinha exclusivo – o Ford Escort XR3, que participou de uma corrida de abertura com outras 20 unidades do carro, todas pintadas de preto, na temporada de 1984. Novamente, uma bela publicidade: o XR3 branco com detalhes azuis e luzes no teto chamava bastante a atenção e até inspirou uma série especial com a mesma decoração.

Apenas 350 unidades foram feitas, e 30 delas foram entregues a pilotos e outros membros importantes da organização da Fórmula 1 para seus deslocamentos pelos arredores do Autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Tecnicamente o Escort XR3 não era um pace car oficial da Fórmula 1 – seu uso na corrida foi um esforço local e independente – tanto que, durante a corrida, , e não à frente como é o procedimento padrão.

Mas, fora estas expedições esporádicas, foi só em 1993 que a FIA tornou oficial e obrigatória a presença do safety car na pista, sempre a postos.

 

É do Brasil

O primeiro safety car usado pela Fórmula 1 após a oficialização é bem conhecido dos brasileiros: foi o Fiat Tempra 16V, em uma parceria entre Fiat e Fórmula 1, para a temporada de 1993. Por coincidência, ele foi usado pela primeira vez no Grande Prêmio do Brasil daquele ano, em Interlagos – que entrou para a história como cenário da última vitória de Ayrton Senna no Brasil. Foi na volta 27, sob chuva forte, quando o carro de Aguri Suzuki, da equipe Footwork, rodou, bloqueou a pista e exigiu a intervenção safety car. Ao fim da corrida, Senna foi carregado pelo público e, depois, desfilou no sedã vinho da Fiat para saudá-lo.

Foto: Globo

Em 2018, o Tempra foi encontrado pelo colecionador baiano Ivan Gusmão, que conseguiu rastreá-lo ao longo de três anos. Depois do GP, o carro foi exposto em algumas concessionárias Fiat em São Paulo, foi vendido como seminovo e, depois de passar por alguns donos, foi parar em São Roque, no interior do Estado. Gusmão comprou o carro, colocou para rodar, transferiu para seu nome e o restaurou totalmente. Agora, o Tempra está exatamente como era no dia da corrida.

 

Vectra, Prelude, Clio e a volta da Porsche

A partir de 1994, começou um revezamento entre fabricantes no fornecimento dos pace cars. Naquele ano, por exemplo, outro conhecido nosso foi o pace car: o Opel Vectra A. Um carro idêntico a qualquer Vectra preto de primeira geração que circulava pelo Brasil na época, porém com emblemas da Opel em seus tempos de GM.

Debaixo do capô havia o motor 2.0 16v da GM, parecidíssimo com o C20XE porém calibrado para render mais de 200 cv, e a tração era nas quatro rodas – uma versão que os entusiastas certamente gostariam de ter visto no Brasil, apesar da qualidade do “nosso” GSi.

Contudo, a lembrança que os brasileiros têm do Vectra na Fórmula 1 é triste. O carro foi chamado à pista no GP de San Marino de 1994, quando Senna sofreu o acidente que lhe tirou a vida, logo após a largada, e liderou o pelotão por cinco voltas antes de ser recolhido. Duas voltas depois, Senna bateu na Tamburello.

O Vectra, porém, não foi o único safety car usado pela Fórmula 1 em 1994. No Grande Prêmio do Japão a Honda fez um “retorno” à Fórmula 1 com o Prelude de quarta geração – provavelmente a favorita dos fãs, mas que já estava de saída – no papel de safety car. A fabricante japonesa, que havia conquistado 71 vitórias na Fórmula 1 fornecendo motores para diferentes equipes entre 1983 e 1992, estava afastada e só retornaria em 2000.

Quem também “retornou” brevemente à Fórmula 1 nos anos 1990 foi a Porsche, que em 1995 emprestou o 911 GT2 da geração 993 – o primeiro da linhagem, ainda com um flat-six a ar de 3,6 litros e 450 cv – para a Fórmula 1. Foi a última vez, de fato, que um Porsche participou da Fórmula 1. Ensaios acontecem de tempos em tempos mas, até agora, nada foi concretizado.

De todo modo, em 1996 foi a primeira (e última) vez que um hot hatch esteve na Fórmula 1. Isso, por que o pace car usado no GP da Argentina daquele ano foi o Renault Clio Williams – sim, mais um carro bacana que os hermanos tiveram e a gente não. Ele tinha um motor 2.0 16v de 150 cv – exatamente como o Sandero RS, aliás – e foi usado após um contato entre os carros do brasileiro Pedro Diniz, da Ligier, e Luca Badoer, italiano que defendia a nanica Forti. Logo atrás, na primeira fila, estavam Damon Hill, da Williams e Michael Schumacher, já com a Ferrari.

Em 2017, como conta o Argentina Autoblog, o carro em questão foi anunciado na Internet por US$ 50.000 (o equivalente a quase R$ 180.000 em valores atualizados), exatamente com o mesmo visual de quando foi para a pista e com 46.000 km marcados no hodômetro.

 

A evolução na era Mercedes – e o possível fim?

Durante a temporada de 1996 foi assinado um contrato que mudaria para sempre a trajetória dos safety cars na Fórmula 1. Em vez de um revezamento entre fabricantes, como se fazia antes, apenas a Mercedes-Benz forneceria os carros-madrinha – invariavelmente, modelos AMG, do C36 em 1996 e 1997 ao Mercedes-AMG GT R que estreou em 2018 e permanece na posição – agora, na companhia da Aston Martin, que estreia em 2021.

O acordo era de interesse mútuo. De um lado, a Mercedes-Benz ganharia constante exposição dos Mercedes-AMG durante as corridas e, ao mesmo tempo, a Fórmula 1 poderia dispor de uma logística mais robusta para o uso dos safety cars e ambulâncias (que também são fornecidas pela Mercedes-Benz), pois apenas uma fabricante ficaria responsável por todo o processo, aperfeiçoando-o com o passar dos anos.

E isso fica evidente na quantidade de vezes em que cada safety car da Mercedes-Benz foi colocado na pista, maior a cada novo modelo. O clássico C36 AMG foi usado apenas duas vezes em dois anos, percorrendo 11 voltas. Em 2003, único ano em que o CLK 55 AMG foi utilizado, o safety car foi para a pista 12 vezes e percorreu 29 voltas. Já o SLS AMG, atuante como carro-madrinha por cinco anos entre 2010 e 2014, liderou o pelotão em 68 ocasiões diferentes, rodando um total de 253 voltas.

Isso quer dizer que ocorrem mais colisões? Não – ao contrário: mostra que os padrões de segurança da Fórmula 1 aumentaram radicalmente nos últimos 25 anos – ficaram mais rígidos, com o safety car julgado necessário em mais ocasiões, e com melhores condições de servir a seu propósito. Com isso, claro que se perde um pouco da graça – saber que tudo ficou mais automático e rígido (ainda que, claro, mais eficaz).

Recentemente, na temporada de 2014, começou a ser testado na Fórmula 1 o “safety car virtual” (virtual safety car, ou VSC), que na prática é sinalizado por um aviso no painel dos pilotos e um fiscal eletrônico na beira da pista. Introduzido oficialmente em 2015, o VSC também aciona um mapeamento mais suave (e cerca de 30% mais lento) na ECU dos carros e faz piscar um lembrete à frente do piloto a cada vez em que ele está mais lento ou mais rápido que a velocidade recomendada.

O sistema causou algumas controvérsias por permitir, em tese, a manipulação da ECU dos carros remotamente, e também por causar distração nos pilotos. O uso do VSC ainda divide opiniões mas, ao que tudo indica, ainda vai demorar para que ele possa substituir um safety car físico, dentro da pista.