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Car Culture

De volta a 1986: como era o universo automotivo na última vez em que o Gol não foi líder de vendas?

O fim de 2014 marcou uma importante virada no mercado automotivo brasileiro: pela primeira vez em 28 anos o Volkswagen Gol não foi líder de vendas, feito que conseguiu pela primeira vez em 1987, sete anos depois do seu lançamento.

Três gerações e cinco reestilizações depois, finalmente o concorrente criado especialmente para combatê-lo conseguiu cumprir seu objetivo. O Fiat Palio, lançado em 1996 (dez anos depois) foi o carro mais vendido no Brasil em 2014 segundo o relatório a anual da Fenabrave, com 183.714 unidades emplacadas, contra 183.356 do Gol.

A margem foi pequena, de apenas 358 unidades, e o Palio ainda conta com as vendas da geração antiga, mas uma vitória é uma vitória, e a Fiat se sentiu à vontade até para fazer piada com a situação, chamando a liderança nas vendas de “golaço”.

Analistas de mercado afirmam que a baixa no volume das vendas do Gol se deu para o fim do modelo antigo, conhecido como G4 (que, na verdade, era uma reestilização da segunda geração). Contudo, a VW diz que a derrota não significa muita coisa, visto que somadas as vendas apenas das versões novas de cada modelo, o Gol continua líder. Além disso, a fabricante afirma que, se contabilizadas as vendas do up!, que substituiu efetivamente o Gol G4 no ano passado, o número é maior que o total de venda das duas versões do Palio.

De qualquer forma, foram quase três décadas ininterruptas de liderança, começando em 1987. Mas nesse caso, olhar somente os números não é suficiente para termos a noção exata de quanto tempo o Gol passou como o carro mais vendido do Brasil. Para deixar tudo mais explícito e impactante, vamos relembrar como era o universo automotivo em 1986, o último ano em que o Gol não foi o líder de vendas antes de 2014.

Em 2015 a situação se repetiu, com o Gol caindo ainda mais — de segundo para um modesto sexto lugar.

 

O carro mais vendido do Brasil era um sedã médio

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Antes do Gol, o carro mais vendido era o Fusca, certo? Errado. Como seria impossível hoje, o carro mais vendido no Brasil em 1986 foi um sedã médio: o Chevrolet Monza. Lançado em 1982 como hatch médio, o carro passou por alguns ajustes antes de cair nas graças do público — ganhou carroceria de três volumes de duas ou quatro portas, motor 1.8 mais potente (o anterior, de 1,6 litro, era considerado fraco demais) e câmbio de cinco marchas com relações mais curtas no lugar da antiquada caixa de quatro marchas.

Com as mudanças o Monza ficou mais bonito e moderno e seu desempenho melhorou — exatamente o que foi preciso para abocanhar a liderança do mercado por três anos consecutivos, de 1984 a 1986, feito jamais repetido por outro sedã médio brasileiro. Foram emplacados 73.192 unidades do Monza em 1986.

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Curiosidade: o Ford Escort MK3, que foi o terceiro mais vendido do Brasil com 61.186 unidades (um notável crescimento de mais de 27% em relação ao ano anterior), foi o carro mais vendido do Reino Unido naquele ano, com mais de 160 mil unidades emplacadas.

 

Os rivais do Gol eram Ford Escort, Chevrolet Chevette e Fiat Uno

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Em 1986, tempos de importações fechadas e somente quatro fabricantes nacionais, os rivais do Gol eram todos modelos europeus adaptados para o nosso mercado — o que talvez explique sua vantagem em relação a eles: Fiat Uno, lançado em 1984 e, acredite, era um dos carros mais modernos do mercado, com motor dianteiro transversal e suspensão independente nas quatro rodas; Ford Escort, outro modelo moderno e em sintonia com o mercado europeu, motor transversal e suspensão independente nas quatro rodas; e Chevrolet Chevette, de concepção antiga porém espaçoso e confiável, visto que em 1986 ele já tinha uma década de mercado. A concorrência se estendia para as outras versões de carroceria: o sedã VW Voyage concorria com o Fiat Premio, e a perua Parati, com a recém-lançada Fiat Elba e a Chevrolet Marajó.

 

O carro mais rápido do planeta não chegava aos 330 km/h

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O Porsche 959 era um dos carros mais avançados do mundo. Baseado no 911 (do qual aproveitava, em essência, apenas a estrutura básica e arco do teto), o superesportivo era movido por um flat-6 de 2,9 litros que entregava 450 cv e tinha um sistema de arrefecimento duplo: a ar para o bloco e líquido para os cabeçotes.

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O 959 (sobre o qual você pode ler tudo aqui) chegou aos 314 km/h — 11 km/h a mais do que o antigo recordista, a Ferrari 288 GTO (vamos falar dela daqui a pouco). Como curiosidade, no ano seguinte a revista alemã Auto Motor und Sport testou um dos 29 959 Sport fabricados — modelo sem bancos de couro, sem suspensão ajustável e com gaiola de proteção — e chegou aos 317 km/h.

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Contudo, àquela altura o 959 já havia sido superado pela Ferrari F40. A deusa italiana chegou aos 326,193 km/h em um teste realizado pela revista Quattoruote, superando até mesmo a máxima de 323 km/h divulgada pela fábrica.

 

A Ferrari F40 ainda não existia

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Correto. A Ferrari topo de linha naquele ano era a 288 GTO — de Gran Turismo Omologato —, que tinha um V8 de 2,8 litros sobrealimentado por dois turbocompressores IHI. Acoplado a uma caixa manual de cinco marchas, o motor entregava 400 cv a 7.000 rpm e 50,6 mkgf de torque, e era capaz de levar o carro de 1.160 kg aos 100 km/h em 4,8 segundos, com máxima de 305 km/h (aferida pela Auto Motor und Sport).

A 288 GTO teve cinco unidades especiais fabricadas pela Ferrari — as 288 GTO Evoluzione. Com motor preparado para render até 650 cv, a GTO Evoluzione inspirou o desenho da F40.

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O Lamborghini Countach ainda era “o supercarro”

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A grande outra fabricante italiana de supercarros da época era a Lamborghini, e eles até que iam bem: a marca estava nas mãos de uma família de investidores suíços do ramo alimentício, Jean-Claude e Patrick Mimran, desde 1978. Eles eram apaixonados por supercarros e injetaram uma boa grana nos cofres da Lamborghini, colhendo os frutos do investimento logo nos primeiros anos da década de 80.

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A caminho de uma bela recuperação financeira, a Lamborghini vendia o Countach, que estava em seu auge: o motor V12 de 5,2 litros acabava de receber um belo upgrade, com seis carburadores Weber, e passou a entregar 455 cv e 47,1 mkgf de torque ante os 375 cv da versão anterior. Era o bastante para chegar aos 100 km/h em 4,9 segundos com máxima de 295 km/h.

Vale lembrar que o modelo americano tinha aqueles para-choques retráteis horrívels (que precisavam evitar qualquer dano ao carro em impactos até 8 km/h) e um motor menos potente, com injeção eletrônica Bosch e 420 cv.

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O ano de 1986 também foi o ano de estreia do LM002, SUV cujo projeto havia sido abortado, porém foi ressuscitado pelos irmãos Mimran — acertadamente. O “Lambo do Rambo”, que usava o motor do Countach, caiu no gosto dos déspotas do Oriente Médio e seu bom desempenho nas vendas acabou ajudando a melhorar ainda mais a situação da Lamborghini.

 

Nenhum carro brasileiro usava injeção eletrônica!

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A injeção eletrônica de combustível não era novidade em 1986, mas graças a uma lei retrógrada de reserva de mercado, os carros não podiam ter injeção eletrônica. Somente em 1989 essa história mudou com a chegada do Gol GTi, o primeiro carro com a tecnologia no Brasil. Depois dele tivemos Monza e Santana com um computador com sensores e válvulas eletromecânicas pulsantes no lugar dos benditos carburadores. Mesmo sendo líder de vendas a partir de 1987, o Gol só teve injeção eletrônica em todas as suas versões em 1996, quando o Gol 1000 “quadrado” deixou de ser produzido.

 

O BMW M3 havia acabado de nascer — e era um legítimo carro de corrida para as ruas

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Criado para combater o icônico Mercedes-Benz 190E 2.3-16 Cosworth no Grupo A de turismo da FIA, o BMW M3 de primeira foi apresentado em 1985, mas foi em 1986 que a versão de rua para homologação começou a ser produzida. E que carro o M3 E30 era!

Com um quatro-cilindros de 2,3 litros com comando duplo no cabeçote (que, por sua vez, era derivado do cabeçote do motor do BMW M1 com dois cilindros a menos) chamado S14. Com 200 cv (194 cv com catalisador) a 6.750 rpm e 24,5 mkgf de torque a 4.750 rpm na versão de rua, o S14 era compacto, girador e se tornou um ícone por seu alto rendimento (isto porque, na versão de corrida, a potência chegava aos 330 cv). Era o bastante para chegar aos 100 km/h em 6,9 segundos, com máxima de 235 km/h.

No mais, as versões de corrida e de rua eram bastante parecidas. O M3 de pista venceu a temporada de 1987 da DTM, o Campeonato Alemão de Turismo, e o carro de rua, cinco gerações depois, é referência em alto desempenho até hoje, ainda que agora se chame M4 na versão cupê.

 

O game de corrida mais popular de todos era Out Run, da Sega

Esqueça Gran Turismo. Esqueça Forza Motorsport. RFactor, iRacing, Assetto Corsa, nada existia ou mesmo imaginava-se que um dia fosse existir. O game de carros mais popular de todos era o arcade Out Run, desenvolvido pela Sega.

No game, lançado em 20 de setembro de 1986, a premissa era simples: cruzar a tempo todos os checkpoints ao volante de uma Ferrari Testarossa conversível — que jamais fora produzida, apenas convertida pela Pininfarina de forma não oficial, sem autorização da Ferrari, sob encomenda. O game se passava em vias públicas, mas não tinha aquele clima de rachas ilegais à noite. Pelo contrário: a música era animada, o cenário era composto de belas paisagens e uma loira ia no banco do carona. Mais oitentista que isto, impossível!

 

O Grupo B ainda não havia sido banido

O ano de 1986 marcou o fim de uma era curta, porém intensa: a era do Grupo B, introduzido em 1982 pela FIA para dar uma injeção de ânimo ao Campeonato Mundial de Rali. Com poucas restrições de potência e design dos carros, o Grupo B viu verdadeiros monstros correndo alucinadamente pelos estágios, em um espetáculo sensorial de protótipos ousados, rápidos e barulhentos.

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Os carros podiam ter motor central, turbo ou compressor mecânico (ou os dois, no caso do Lancia Delta S4) e, para homologá-los, era preciso fabricar apenas 200 unidades para comercialização. Sendo assim, havia máquinas de mais de 500 cv (há quem fale em números superiores a 800 cv) que passavam beijando os espectadores na beira da pista — e, inevitavelmente, acabavam se envolvendo em acidentes.

Foi depois destes acidentes que, em 1986, o Grupo B foi cancelado: O Delta S4 do finlandês Henri Toivonen — que era um dos favoritos ao título — saiu da pista em alta velocidade durante o 18º estágio do rali Tour de Corse, na Itália. Durante uma curva de alta à esquerda, o carro voou para fora da pista e caiu com o teto para baixo. Os tanques de combustível se romperam e, com o calor do motor e do turbocompressor, a carroceria de Kevlar pegou fogo.

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Não se sabe a causa do acidente — só se sabe que Toivonen e seu navegador, Sergio Cresto, foram encontrados mortos do lado de fora do carro, esmagados por ele.

Para piorar, meses antes, no Rali de Portugal, o piloto Joaquim Santos perdeu o controle de seu Ford RS200 em uma curva e o carro voou em direção à multidão, matando três espectadores e ferindo mais 31. Com os acidentes, a FIA cancelou o Grupo B. O campeão daquela triste temporada foi Juha Kankkunen, ao volante de um Peugeot 205 T16.

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Piquet e Prost eram bicampeões, Senna e Mansell ainda não tinham títulos

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Piquet “zuêro”

1986 foi um ano épico, e a foto acima diz tudo. É um dos registros visuais mais conhecidos da Fórmula 1 — Senna, Prost, Mansell e Piquet, os quatro primeiros na temporada, não exatamente nesta ordem. Senna ainda estava provando que poderia ser campeão um dia, assim como Mansell, que teve uma grande chance em 1986. Prost estava conquistando seu segundo título naquele ano e Piquet era o maior vencedor do quarteto fantástico, com dois mundiais no bolso.

Tirada durante o GP do Estoril, a foto foi idealizada por Bernie Ecclestone, que era chefe de equipe da Brabham e também diretor da associação de construtores (a FOCA) e muito próximo da FISA, que organizava a Fórmula 1 na época. Eram eles os pilotos mais bem colocados no campeonato, e foram eles os quatro primeiros a cruzar a linha de chegada no fim da corrida, em 21 de setembro de 1986  — a história toda você pode ler aqui!

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Senna, que pilotava o Lotus 97T, largou na pole, mas terminou em quarto — sem combustível. Ele e Nelson Piquet eram os dois únicos brasileiros no grid e estavam entre os melhores pilotos. Piquet, que corria pela Williams, foi o terceiro, atrás de Alain Prost, da McLaren; e do vencedor Nigel Mansell, também da Williams.

Vencendo três das 16 corridas, Alain Prost foi o campeão — o vice, Nigel Mansell, venceu quatro vezes, mas ficou dois pontos atrás de Prost, que totalizou 72. Senna conseguiu dar alguns momentos de alegria à Lotus, que em 1986 estava em decadência, vencendo duas corridas com o 97T: os GPs da Espanha e dos EUA. Ainda que tenha ficado em quarto na classificação geral, atrás de Piquet, Senna mostrou que tinha muito mais do que talento e, depois do terceiro lugar pela Lotus no ano seguinte, foi contratado pela McLaren para a temporada de 1988.

O resto, como dizem, é história.