Você já parou para pensar que 2007 foi há dez anos? É fácil esquecer que os anos 2000 já acabaram faz quase duas décadas e, quando a gente lembra, parece que estes dezessete anos passaram voando. E muita coisa mudou no mundo – e com o mundo automotivo, não foi diferente.
Como já virou tradição aqui no FlatOut, decidimos elencar algumas coisas que mudaram muito neste período. Depois de mostrar como era o mundo quando o Renault Clio foi lançado no Brasil (1999), quando o Corsa Sedan foi lançado (1995) e na última vez em que o VW Gol não havia sido líder de vendas (1986), vamos falar sobre como eram as coisas há dez anos. Para começar…
Volkswagen Kombi, Fiat Uno e Lada Laika ainda eram produzidos
Nos últimos dez anos, vimos projetos verdadeiramente anciãos saírem de linha. A Volkswagen Kombi, cuja primeira geração, lançada na Europa em 1950, começou a ser fabricada no Brasil em 1957, completando 50 anos em 2007. E foi só aqui que ela ficou estagnada na segunda geração, embora tenha adotado um motor refrigerado a água no fim da vida.
Em 2007, o Fiat Mille, que não se chamava mais Uno, mas ainda era o mesmo carro de 1984, ganhou o pacote Celebration, que oferecia um sistema de direção assistida (inédito no modelo), ar-condicionado, vidros e travas elétricos, encostos de cabeça no banco traseiro e dois pares de alto-falantes.
Já o Lada Laika, ou 2105, continuava sendo, bem, o Lada Laika. A gente achava que ele iria durar para sempre.
O Fiat Uno Mille era o carro mais barato do Brasil
Aliás, o conceito de carro popular era bem diferente. Hoje não temos mais carros básicos ao extremo, com projetos antigos, ausência de revestimentos em diversas partes do interior e pobres em equipamentos. O Uno Mille, contudo, era exatamente assim. Totalmente depenado, ele custava R$ 22.170 e era o carro mais barato do Brasil.
É um preço que chama a atenção, especialmente hoje, quando os “populares” estão chegando perto dos R$ 40.000 em suas versões de entrada. Mas antes que você pense “pqp, como os carros ficaram caros!” saiba que esse Mille era mais caro que o que temos hoje por aí.
Acredite: se corrigirmos este valor de acordo com a inflação acumulada nestes dez anos, para manter o poder de compra dos R$ 22.170 de 2007 você precisa de (está sentado?) R$ 40.140 em dinheiro de 2017.
Nesse sentido o Fiat Mobi, sucessor do Mille na posição de carro de entrada da Fiat, é mais barato: sua versão mais em conta sai por R$ 33.030, com acabamento indiscutivelmente superior ao do Mille, airbag duplo frontal, freios ABS e outros recursos que o Uno simplesmente não suportava. Infelizmente não foram os carros que ficaram muito mais caros, e sim nossa economia que se deteriorou: a inflação acumulada desde 2007, segundo o IPCA, é superior a 81%.
O Ecosport reinava sozinho entre os SUVs compactos
Lançado em 2003, o Ford EcoSport era tudo o que um carro não deve ser do ponto de vista entusiasta: um utilitário esportivo pequeno, com tração dianteira, plataforma de hatchback, pretensões “aventureiras” e acabamento pobre para seu preço. No entanto, em termos de mercado, o EcoSport foi uma sacada genial: com visual robusto e suspensão elevada, ele finalmente tornou os SUVs acessíveis. E, para justificar o estepe pendurado na traseira, ele até ganhou uma versão com tração nas quatro rodas logo em 2004.
Em 2007, o EcoSport ganhou sua primeira reestilização e ficou com ainda mais “cara de jipe”, mas seguia reinando sozinho em um segmento que demorou a ser “descoberto” por outras fabricantes: o Renault Duster, baseado no Sandero (e principal rival do EcoSport) só veio em 2011. O atual Chevrolet Tracker só veio em 2013 (antes disto, era um Suzuki Vitara rebatizado que não concorria diretamente com o EcoSport), enquanto Fiat e VW, até agora, só contra-atacaram com seus Adventure e Cross.
As fabricantes coreanas ainda não eram gigantes
Em 2007 um consumidor médio jamais consideraria um Kia ou Hyundai como alternativa séria a um VW, Fiat, Ford ou Chevrolet. A transformação começou em 2005, quando o Hyundai Tucson de primeira geração (que, pasme, é vendido até hoje!) começou a ser importado. Dito isto, o mesmo só emplacou de verdade quando passou a ser fabricado no Brasil, em 2010. A Kia tinha sua própria versão do Tucson, o Sportage, que fez mais sucesso na região Sul do Brasil e, mais tarde em 2010 com sua segunda geração.
A partir daí, ambas as fabricantes investiram bastante em imagem, design, tecnologia e controle de qualidade. A Hyundai, em especial, apostou forte nos SUVs e sedãs premium, mas também foi a responsável por uma reviravolta no segmento dos compactos com o lançamento do HB20, em 2012, forçando as rivais a atualizar e equipar seus modelos.
A Chevrolet brasileira vendia modelos da Opel
Uma das grandes mágoas dos fãs da Chevrolet no Brasil foi a reviravolta em sua linha nos últimos anos. Em 2007, o portifólio da marca incluía diversos projetos oriundos da divisão alemã da General Motors, a Opel: Astra, Vectra (que na verdade era baseado no Astra vendido na Europa), Zafira e Corsa de segunda geração. A Meriva foi desenvolvida no Brasil e levada para a Europa, para te dar ideia de como eram as coisas. Mesmo o criticado Celta (e sua versão sedã, o Prisma) ainda tinham raízes no Opel Corsa B, da década de 1990.
A partir da década seguinte, os Opel começaram a dar lugar a modelos globais desenvolvidos em diversos países: o Cruze, substituto do Vectra lançado em 2012, é um projeto da coreana Daewoo. A minivan Spin, que substituiu Meriva e Cruze de uma só vez, foi projetado por equipes no Brasil e na Indonésia. A S10 e sua irmã Trailblazer também foram desenvolvidas no Brasil, e substituíram a S10 e Blazer de origem americana. Ainda que sejam carros mais modernos e vendam mais (com exceção do Chevrolet Sonic, substituto do Astra que foi um fracasso retumbante), os novos Chevrolet jamais conquistaram o mesmo carisma de seus antecessores de linhagem alemã.
O Mustang ainda era o único muscle car americano moderno…
Em 2007, o Ford Mustang de quinta geração fez dois anos, e ainda não tinha concorrentes diretos: o Dodge Challenger havia acabado de ser apresentado como carro conceito e começou a ser vendido apenas no final daquele ano — e continua até hoje na mesma geração!
O Chevrolet Camaro de quinta geração estava ainda mais distante: seu conceito foi apresentado em 2006 e até fez uma ponta como o Autobot Bumblebee no primeiro filme da série Transformers, de Michael Bay, mas só começou a ser vendido no início de 2009.
… mas os muscle cars australianos ainda iam muito bem, obrigado!
Em 2007, se alguém te dissesse que a indústria automotiva australiana acabaria em dez anos, você provavelmente olharia feio e se afastaria lentamente. Isto porque em 2007, o Holden Commodore havia acabado de chegar à sua quarta geração (que tivemos aqui no Brasil como Chevrolet Omega) e o Ford Falcon estava prestes a chegar à oitava. Ambos serviram de base para diversas versões apimentadas desde então – incluindo as famosas Utes esportivas, como a HSV Maloo, baseada no Commodore, e a FPV F6, feita com base no Ford Falcon.
A Maloo, em sua versão final, usava o mesmo V8 supercharged do Camaro ZL1, com nada menos que 588 cv. Já a F6, tinha um seis-em-linha de quatro litros turbinado de 420 cv. Ambas as marcas encerraram suas atividades fabris em 2016, o que causou muita comoção entre os fãs dos muscle cars australianos. Foi o fim de uma era.
No replacement for displacement
“Nada substitui as polegadas cúbicas”, ou, para manter a rima, “não há melhoramento como mais deslocamento”: a famosa frase do sr. W.O. Bentley ainda era levada a sério pelas fabricantes de automóveis. Ninguém pensava em comprar um carro com motor 1.0 de três cilindros e turbo como alternativa a um 1.6 naturalmente aspirado, como acontece hoje. Ninguém imaginava que os quatro-cilindros turbo seriam mais potentes que os V6 naturalmente aspirados.
Um comparativo entre o Focus RS e o Mustang Ecoboost: os dois têm o mesmo motor
Mas foi exatamente isto o que aconteceu: hoje, você pode entrar em uma concessionária Volks e sair de lá com um Golf 1.0 turbo de 125 cv, que é mais potente e mais econômico que a versão 1.6 16v. O mesmo aconteceu com o Ford Mustang: nesta quinta geração o muscle car ganhou um motor 2.3 turbo de 315 cv que rebaixou a versão V6 de 304 cv a modelo de entrada. Menos potente e mais beberrão, o V6 deixou de fazer sentido a ponto de a Ford finalmente matá-lo nesta última reestilização do Stang.
Os supercarros ainda não tinham motores elétricos
Em 2007, a Ferrari mais radical que você poderia comprar era a Enzo, que foi produzida só até 2004, com seu glorioso V12 de seis litros e 660 cv a 7.800 rpm, que ainda era capaz de girar a até 8.200 rpm. Com câmbio semi-automático de seis marchas (acionado por borboletas atrás do volante, algo que também era relativamente novo e será comentado a seguir), era capaz de chegar aos 100 km/h em π, ou melhor, 3,14 segundos.
Já a Porsche tinha o Carrera GT, superesportivo equipado com um sonoro V10 de 5,7 litros que entregava 612 cv e era derivado do projeto de um motor de corrida. A McLaren sequer havia voltado a fazer carros de rua e a Lamborghini estava lançando seu primeiro supercarro especial, o Reventón.
O recorde de velocidade entre os carros produzidos em série era de 408 km/h
E Top Gear ainda era Jeremy Clarkson, Richard Hammond e James May
Em 2007 o Bugatti Veyron ainda era, indiscutivelmente, o superesportivo mais impressionante do planeta – e o termo hipercarro, aliás, ainda nem era utilizado pela mídia automotiva. Fazia apenas dois anos que o Veyron havia começado a ser entregue a seus abastados proprietários, e também que a Volkswagen havia registrado a velocidade máxima de 408,47 km/h no complexo de testes de Erha-Lessien. Ao longo de dez anos, 450 exemplares do Veyron foram fabricados, o que torna sua saída de linha até recente.
O recorde de velocidade atual também é, oficialmente, do Veyron, mas desta vez em sua versão Super Sport, que em vez de 1.014 cv, tem 1.200 cv em seu motor W16 quadriturbo de oito litros com dez radiadores. Lançado em 2010, o Super Sport corresponde a 30 unidades do total de 450, e chegou a 431,07 km/h de velocidade média nos dois sentidos da pista — tudo supervisionado por fiscais do Guinness, o Livro dos Recordes, requisito essencial para a validação do recorde mundial.
O recordista em Nürburgring Nordschleife era o Pagani Zonda, e isto não significava muita coisa
Em setembro de 2007, a Pagani levou um Zonda Clubsport F para Nürburgring Nordschleife e, com a pista molhada em alguns pontos, percorreu os mais de 20 km do circuito em 7m27s82s. Foi o carro de rua produzido em série mais veloz a percorrer o circuito naquele ano, mas não se fez muito alarde.
Isto porque, por mais que o incrível supercarro com motor V12 AMG de 7,3 litros e 650 cv tenha sido extremamente rápido ao redor do Inferno Verde, tal feito não era considerado essencial para assegurar sua reputação. Os testes em Nürburgring já eram uma maneira popular de acertar a dinâmica dos esportivos havia tempos, mas ainda não havia se tornado parâmetro de comparação. Muito menos motivo de press releases e de disputas acaloradas por frações de segundo.
Hoje em dia, a treta come solta
Isto começou em 2008, coincidindo com a popularização da internet e das redes sociais ao redor do planeta. Agora, entusiastas do mundo todo tinham mais um argumento na manga, guardado para quando fossem defender seu esportivo favorito em uma discussão com alguém a milhares de quilômetros de distância, ambos digitando furiosamente na frente do computador…
Aliás, foi mais ou menos nesse ponto que os pilotos de teclado começaram a se proliferar. Às vezes as coisas mudam, e nem sempre para melhor.
Mas, por outro lado…
O câmbio manual ainda era comum…
Em 2007, você podia comprar um Lamborghini Gallardo com o visual original, antes de seu primeiro facelift. E este Gallardo podia vir com uma transmissão manual com grelha acoplada a seu motor V10 de cinco litros com 40 válvulas, 520 cv a 8.000 rpm e capacidade para acelerar o supercarro até os 100 km/h em quatro segundos cravados. O mesmo vale para sua rival na Ferrari, a F430, que tinha um V8 de 4,3 litros e 490 cv. Ambos ofereciam a opção de câmbio automatizado – a Lamborghini com seu E-Gear e a Ferrari com o câmbio eletro-hidráulico F1.
Hoje, o Lamborghini Huracán, sucessor do Gallardo, tem 610 cv em seu V10 (naturalmente aspirado, o que já é um feito por si só) e uma caixa de dupla embreagem e sete marchas. A Ferrari 488 GTB abraçou os turbos para entregar 670 cv e também tem duas embreagens atuadas automaticamente.
… mas a tecnologia estava ganhando força
O ano de 2007 marcou o lançamento do Nissan GT-R, vulgo Godzilla, o carro que subverteu o padrão de desempenho da época. Era praticamente um computador sobre rodas, com controles de estabilidade, tração, diferenciais eletrônicos e diversos algorítimos para fazer uma máquina de mais de 1,7 tonelada e um V6 biturbo de 3,8 litros ser capaz de superar supercarros de motor central-traseiro 500 kg mais leves e com aerodinâmica muito superior na arrancada.
Ou ao menos dar uma bela canseira
A primeira versão, com 480 cv, já era um verdadeiro soco na cara, pois era bem mais em conta que um Porsche 911 Turbo, por exemplo, e não fazia feio perto dele: chegava aos 100 km/h em 3,5 segundos e cumpria o quarto-de-milha em 11,7 segundos. Hoje em, O Godzilla já não é uma pechincha, e a potência do VR38DETT chegou aos 600 cv na versão comum – a concorrência correu atrás, e a Nissan precisou se mexer.
Gran Turismo 4, Need For Speed Pro Street e Forza 2 eram os games do momento
Hoje estamos ansiosíssimos por Gran Turismo Sport, primeiro título do “Real Driving Simulator” para o PS4. Em 2007, porém, o PS3 havia acabado de ser lançado, e a franquia ainda estava em Gran Turismo 4, que reinava sozinho. Já a Electronic Arts tentava acertar a mão com Need for Speed: Pro Street, que misturava arcade e simulação leve em uma receita que acabou não agradando em nenhuma das frentes. O verdadeiro rival de GT4 era Forza Motorsport 2, e ele tinha a vantagem de já fazer parte da nova geração de consoles, com gráficos e física muito mais realista e uma experiência muito mais completa. Além dos roncos melhores.
“Velozes e Furiosos” ainda era uma trilogia sobre carros (bons tempos…)
Em 2007, o último “Velozes e Furiosos” lançado ainda era o terceiro filme, “Velozes e Furiosos: Desafio em Tóquio” (The Fast and the Furious: Tokyo Drift). A gente já estava acostumado à ideia de que seria uma trilogia, e começado a aceitar que aquele final ambíguo com Dom Toretto e seu Plymouth Roadrunner no Japão (ora essa, não vá reclamar de spoilers!) era apenas aquilo mesmo: um final ambíguo. “Continua…?” era a mensagem.
Quando o quarto filme foi anunciado, muita gente comemorou. Mas a alegria se transformou em desapontamento quando “Velozes e Furiosos 4” (Fast and Furious) estreou, em 2009. Aquilo não era mais um filme sobre carros e corridas, e sim um filme de ação com carros em cena. E o distanciamento dos carros prosseguiu à medida que a franquia ganhava novos títulos. “Velozes e Furiosos 8”, que estreia no próximo dia 13, sequer usa “Fast” em seu título original — o nome é “The Fate of The Furious — e não irá mudar nada disso. O que é uma pena.
Sugestão de Eduardo Rodrigues