Sempre postamos uma coisa ou outra sobre a cultura automotiva japonesa no FlatOut — os nipônicos têm diversas vertentes entusiastas, que vão da prepração extrema ao puro exibicionismo, com uma infinidade de outras subculturas no meio. E todas elas têm seu valor, mesmo que nem todas sejam o que se considera “de bom gosto” ou “bonito”. De qualquer forma, os caras que fazem parte da subcultura dos Dekotora não estão nem aí para isto.
Dekotora é o modo como os japoneses abreviaram a expressão decorated trucks, que você não precisa de inglês avançado para deduzir que significa “caminhões decorados”. A moda toda começou na década de 1970, quando a economia do Japão começou a crescer de forma vertiginosa. As pessoas tinham mais dinheiro, o comércio se aqueceu e a indústria acompanhou.
Logo viam-se mais carros nas ruas, e os entusiastas começaram a procurar formas de se destacar, o que aumentou a tendência de se juntarem em tribos. Os motoristas de caminhão — que, afinal, são entusiastas dos brutos — fizeram o mesmo com os Dekotora.
Usando peças compradas em ferros-velhos, muito cromo, luzes e pintando verdadeiros murais nas caçambas, os motoristas de caminhão da década de 1970 talvez ainda não soubessem, mas estavam criando uma vertente que, 40 anos depois, ainda têm seus adeptos — que não são tantos, mas ainda são fiéis.
Mas eles não fizeram tudo sozinhos: em 1975, a Toei, estúdio japonês que produziu boa parte dos filmes, séries e animes de maior sucesso do país, lançou o filme Torakku Yarō, ou Truck Rascals: No One Can Stop Me, em inglês. Trata-se de uma comédia de ação que em muito lembra os atuais “Velozes e Furiosos” e “Fúria em Duas Rodas”, mas em vez de carros ou motos, tinha gangues de caminhoneiros como protagonistas. Inspirados pelos Dekotora, os produtores do filme usaram caminhões decorados — e, nas sequências, chegaram a convidar os donos de caminhões que viam nas ruas para aparecer na telona. O trailer do filme está abaixo e, bem, pode não ser uma boa ideia assistir com crianças no ambiente…
O filme fez tanto sucesso que, em apenas quatro anos (1975-1979) a Toei produziu nove sequências. Não demorou para que muitos jovens japoneses começassem a sonhar em abandonar as escolas ou seus “empregos medíocres” e virar caminhoneiros, prontos para levar uma vida cheia de aventuras. Como nem tudo era possível, muitos se contentavam em virar caminhoneiros e levar uma vida normal — só que os caminhões decorados, ao menos, eles tinham.
Como toda moda, logo os Dekotora — que haviam saído da região norte do Japão e se espalhado por toda a ilha, incluindo os grandes centros urbanos — começaram a sair de cena. Contudo, eles nunca desapareceram. Assim como os carros tunados do início dos anos 2000 ou os hot rods dos anos 1930, os Dekotora podem não ser mais um estilo de vida desejado por todos, mas estão sempre por aí, se reunindo em postos de gasolina ou encontros regionais. Existe até mesmo uma variante dos Dekotora chamada Dekochari — a decoração é a mesma mas, em vez de caminhão, eles usam bicicletas!
Com o passar dos anos, os elementos estéticos foram ficando cada vez mais ousados: o que havia começado com alguns apliques cromados, luzes e adesivos, passou a incorporar também elementos que inspirados nos mechas, robôs gigantes que fazem parte da cultura pop japonesa, surgindo na década de 50 nas páginas dos mangás e migrando para animes extremamente populares, como a série Gundam.
Olhe bem para as “caras” dos caminhões: não parecem mesmo robôs gigantes?
Hoje, a customização vai bem além dos cromados que refletem durante o dia e das luzes de neon que brilham à noite: o lado de dentro de um caminhão Dekotora pode muito bem servir como uma residência mais que temporária: televisão, geladeiras, mesas para jogar baralho e até candelabros no teto — e, para muitos dos que andam por aí ao volante destas bizarras criações, transportar coisas fica em segundo plano (isto se eles transportam algo).
É o tipo de coisa espalhafatosa que só tem perdão (ao menos para os mais implicantes) no Japão, mesmo. Nós? Achamos o máximo, se querem saber. Só não faríamos igual… ou faríamos?