Noite de sexta-feira, véspera de carnaval. Mas é hard rock – mais precisamente, Steve Stevens – que ecoa no corredor do quinto andar do Istituto Europeo di Design (IED), no bairro de Higienópolis (SP). Passo por um enorme sketch feito com fita de um Jaguar XE, dobro a esquina e vejo uma série de quadros mostrando diversos conceitos, entre esportivos, sedãs, utilitários e veículos que buscam um novo approach de mobilidade: Mercedes-Benz, Jaguar, Fiat, Nissan. O som da guitarra vai ficando mais alto, surge o aroma de café e ouço vozes vindo da sala iluminada, ao fim do corredor.
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Chego à porta do lab de design automotivo. A sensação é de estar numa oficina de preparação depois do expediente. Mas em vez de torquímetros e chaves do tipo catraca, canetas e mesas digitalizadoras. No lugar de óleo e pasta desengraxante, tinta e clay. As paredes são todas emolduradas com textura de lousa, mas em vez de part numbers de componentes e pedidos de clientes, dezenas de sketches e fotografias.
Em comum: o vício e o entusiasmo por carros de todas as culturas. As fotos não só provam, mas inspiram o ambiente a isso. Olho para a direita e vejo imagens de Akira Nakai, Magnus Walker, Lamborghini Countach, Bizzarrini Strada e diversas fotografias remetendo à Alfa Romeo. Ao centro da sala, um modelo em escala do sedã da marca do cuore sportivo inspira familiaridade em sua assinatura de estilo, mas, ao mesmo tempo, expira exclusividade.
“Esse é um conceito que a gente criou. O Fuorilegge foi idealizado como um carro feito para o Godfather (O Poderoso Chefão)”, afirma Fernando Morita (coordenador dos cursos de Automotive Design), enquanto instrui um aluno a alongar o entre-eixos de um sketch. Uma parede quase inteira está dedicada a este conceito – mas o giz, a lousa e as fotos e ilustrações fixadas com pequenas tiras de fita isolante deixam clara a efemeridade. Num laboratório movido por processos criativos, nada é permanente.
Estou aqui para conhecer a história de Morita, Raysner Figueira e Luiz Antonelli, três designers em três diferentes momentos profissionais, mas que em comum, além do IED como parte integrante de suas carreiras, vivem o sonho de trabalhar com a indústria. Enquanto Luiz não chega – preso numa reunião na Renault –, Raysner se entretém fazendo alguns sketches de clássicos do design automotivo na lousa. Um aluno comenta sobre a dificuldade de perspectiva trazida pela escala da lousa: só dá pra saber exatamente o que você está fazendo quando se afasta. Observo, fotografo e circulo, cuidando para atrapalhar o mínimo cada um dos presentes na sala. Apesar do rock, do clima amistoso e de ocasionais brincadeiras, a concentração individual chama a atenção.
Atrás de Raysner, Morita divide seu tempo entre dar instruções e rabiscar seu sketchbook – que já é uma aula em si. Neste caderno, além de sketches feitos em questão de minutos, há estudos, estatísticas, dados – tudo diagramado à mão. São coisas quase corriqueiras que ele apresenta em reuniões e que saem de suas mãos com a naturalidade com a qual escrevemos um bilhete. Todas as páginas são decoradas, o uso do espaço é inteligente e a diagramação de textos é bela e funcional. Design não é apenas o seu trabalho e hobby, é a sua forma de expressão.
Próximo a Morita, vejo um modelo em clay de um Porsche 911. “Este foi um dos modelos em que mais senti prazer de construir. O 911 é a forma essencial e funcional. Cada elemento de design dele está ligado a uma função e ele tem essa silhueta fantástica, minimalista e que você reconhece de longe”, afirma.
Outra coisa que chamou a minha atenção é o fato de todos trabalharem sketches tanto no papel quanto na mesa digitalizadora, algo que o trio – cuja história você vai conhecer na sequência, bem como detalhes dos cursos automotivos de design que o IED oferece – explicou alguns minutos depois. Além de ser um suporte imediato e totalmente sem filtros para as ideias do designer, o papel exige um planejamento e visão mais estruturada para a execução do sketch, visto que não há retoques de proporções nem “ctrl+Z” (desfazer ação).
O sonho de ser designer automotivo e atuar na indústria
Da esquerda para a direita: Morita, Raysner e Antonelli
Alguns minutos depois, Luiz Antonelli chega para fazer companhia a Raysner Figueira e Fernando Morita. Em comum a eles, além dos cursos de design automotivo no IED, são vencedores do concurso Talento Design da Volkswagen – Morita em 2001, Antonelli em 2012 e Figueira em 2016 – e vivem o sonho de trabalhar com fabricantes de automóveis.
Se no meio dos designers e dos fãs de supercarros, Morita é conhecido como o projetista da Amoritz que criou o DoniRosset e que está à frente dos cursos automotivos no IED, entre os fãs de Volkswagen ele é lembrado como o pai do Gol Badass, o widebody com motor e tração traseira vencedor do prêmio de melhor rat do BGT 2015. Hoje, o VW mudou de mãos, está sendo preparado e deve voltar à ativa em breve – e, claro, faremos o possível para mostrar seus detalhes aqui no FlatOut!
Formado em design de produto em 2001, Morita trabalhou por quatro anos na Volkswagen alemã, com passagem inclusive no estúdio de design avançado (DCE), na Espanha. Conhece de dentro para fora o modus operandi de uma marca automotiva tanto no processo criativo e de elaboração de produtos quanto nas demandas profissionais que uma fábrica necessita – experiência fundamental para o cargo que atualmente exerce.
Apesar de ter vivido este sonho na VW, Morita chegou à conclusão que a parte empreendedora e educacional era a sua grande motivação. Após a experiência no DCE, ele voltou para o Brasil, fundou o escritório de design Amoritz e criou dois projetos que lhe deram projeção mundial: os esportivos LSPS e principalmente o DoniRosset, GT triposto com motor V10 de Viper que foi desenvolvido ao longo de quatro anos. Após isso, decidiu se direcionar para a base de tudo: a educação. Começou lecionando na própria Amoritz, antes de começar seus trabalhos no IED, primeiro como palestrante, depois como professor (2011) e coordenador (desde 2013).
Fã de carros brasileiros dos anos 80, seu primeiro carro foi um Chevette 1989 – e hoje em dia, usa um Ford Del Rey como meio de transporte. Em sua visão, o designer automotivo brasileiro está cada vez mais relevante no mercado internacional: “as empresas veem um perfil diferente no brasileiro e temos muitos profissionais de alto calibre e em cargos de alta importância lá fora”, afirma. Além dele mesmo, Marco Pavone (VW), Cesar Pieri (Jaguar – leia nossa matéria com ele aqui), Arnaldo Cruzeiro (VW), Raul Pires (Italdesign), Pedro Guarinon (Ford Austrália), Diogo Jo e Rogério Okabe (PSA), Rodrigo Galdino (Karma, veículos elétricos) e Arthur Martins (Faraday Future, conceitos elétricos) são apenas alguns dos brasileiros que são referência e inspiração para estudantes e profissionais da área.
Outro fator muito importante é que boa parte dos estúdios de design das fabricantes brasileiras acaba sendo uma grande ponte para as matrizes. O estúdio de design da VW alemã, por exemplo, apresenta o setor Brazilian Corner, que funciona quase como um job rotation, envolvendo estagiários e funcionários. “Muitas vezes um projeto começa aqui no Brasil e termina lá. Na verdade, é assim na maioria dos programas”, complementa Luiz Antonelli.
Antonelli fala com conhecimento de causa. Ex-aluno de Morita, seguiu os passos do professor de perto: com ele aprimorou seus sketches, aprendeu a fazer maquetes em clay, participou do projeto do Gol BadAss, venceu o concurso Talento Design da VW, ficou um ano estagiando na Alemanha no mesmo departamento que Morita começou (veículos comerciais) e se tornou professor do IED.
“Era estagiário na unidade brasileira e, junto com outros colegas, entreguei um portfólio na mão do Veiga (Luiz Alberto, um dos maiores designers e executivos da área, criador do VW Fox e dos Gol de segunda a sétima geração), que levou os sketches para a matriz”, explica Antonelli, que teve a grande satisfação pessoal e profissional de ver sketches seus usados no material oficial de divulgação da Volkswagen para a imprensa (acima) dos modelos T6 e Caddy. Desde março de 2016 ele trabalha na Renault do Brasil. Um de seus carros favoritos é o VW SP2, criação do designer Marcio Lima Piancastelli (veja aqui a história) e que é considerado case de design inclusive pela matriz.
De nome alemão, sobrenome português e nascido no Espírito Santo, Raysner é o mais recente “filho” do IED a seguir o sonho. Apaixonado por desenhar desde os quatro anos de idade, preferia rabiscar a brincar na rua. Um de seus momentos favoritos era ver os lançamentos automotivos expostos no shopping. Fã de mangás a la Dragon Ball Z, chegou a cursar três anos de mecatrônica antes de fazer uma mudança radical. “Estava indo atrás de carreira, mas me sentia apagado, não estava feliz”, afirma.
Foi quando Raysner transferiu o curso para design industrial, ainda no Espírito Santo e, em 2015, veio para o IED, na área de design de produto – mas naquele momento, ainda não tinha intenções de atuar na área automotiva.
Contudo, em seu 2º semestre decidiu participou do concurso de design da Renault e ficou em segundo lugar. Foi a fagulha, que ainda foi canalizada por aquilo que considera como um grande ensinamento de Morita. “Lembro quando ele me disse algo que me marcou: você pode ser bom, mas se não tiver um foco direcionado, não vai fazer nada tão bem feito”. Desde então, decidiu voltar à paixão de criança e se dedicou ao automotivo. O primeiro fruto ele já colheu: Raysner é o vencedor de 2016 do Talento Design VW – abaixo, sketches de seu conceito – e está estagiando na fábrica, em São Bernardo do Campo.
Durante o bate papo, notei que a cada momento um deles rabiscava o sketchbook de Morita. Ao fim da conversa, nada menos que sete sketches saem do forno. Para quem vive e respira design, é assim mesmo. Basta lembrar que Alec Issigonis, designer do Mini, rabiscou o conceito original de um dos carros mais emblemáticos da história em um guardanapo enquanto almoçava, em 1956.
Serviço: quais são os cursos de design automotivo do IED?
Além dos cursos em si, baseados no modelo do IED de Turim, um ponto forte do Istituto são as parcerias e o networking com as fabricantes de automóveis. Quase todos os anos há projetos especiais: Nissan, Citroën, Italdesign Giugiaro, Mercedes-Benz, Jaguar e FCA são algumas das marcas que já trabalharam com o Istituto, resultando até mesmo em programas de estágio (internships), gerando oportunidades para os alunos trabalharem diretamente com os profissionais atuantes na área, mostrar serviço e talvez conseguir a sonhada vaga na indústria. De acordo com Morita, ao todo são 54 faculdades no mundo que formam designers automotivos, mas no Brasil e na América Latina, apenas o IED o faz.
Contato: o IED SP fica localizado na Rua Maranhão, 617, Higienópolis/SP. Telefone (11) 3660 8000. O Istituto está aberto para visitações, mas é necessário agendar antes.
One Year Automotive Design: programa de um ano para formação de designers automotivos (ver carga horária abaixo), com módulo nacional na sede da faculdade e módulo internacional de uma semana em Turim (Itália). Podem participar estudantes de forma geral e alunos graduando ou graduados em design de produto.
No plano de estudo, técnicas de sketch, ilustração digital, a arquitetura do automóvel, palestra ou workshop com convidado da área, inovação e produto, Family Face e Branding, percepção do consumidor, ergonomia e packaging, análise de forma, planejamento de portfólio, dentre outros. O projeto final consiste de um show car criado pelo aluno e supervisionado pelo corpo docente.
Informações: início previsto em abril de 2017. Carga horária de 184 horas (144h com certificado nacional e 40h com certificado internacional). Dias: sábados e domingos alternados (um ou dois finais de semana por mês, das 9:00 às 12:00 e 14:00 às 17:00). Valor: 12 parcelas de R$ 1.975,00 (à vista, 10% de desconto).
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Sketch Automotivo: curso de extensão focado em sketches automotivos seguindo as técnicas e padrão utilizados nas fábricas de automóveis. Perspectiva, linhas e gráficos, representação da superfície automotiva e técnicas de ilustração são algumas das técnicas abordadas no curso, voltado para aspirantes e estudantes de design e profissionais da área.
Informações: início a definir (em breve). Carga horária de 36h, em quatro encontros aos sábados (8:00 às 13:00 e 14:00 às 17:00). Valor: R$ 1.780,00 (10% de desconto à vista).
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Outros cursos de interesse: o IED oferece também o curso de graduação de Design de Produtos e Serviços () e a pós-graduação em Design de Interação (), voltado para a experiência do usuário com produtos, marcas, serviços e tecnologias computacionais.
O Istituto Europeo di Design
Especializado em quatro áreas (Design, Moda, Comunicação Visual e Gestão), o IED foi fundado por Francesco Morelli em 1966, em Milão, com a missão de unir o conhecimento acadêmico com o know-how (“saber e saber fazer”), em sintonia com as demandas e constantes mudanças do mercado e indústria.
Atualmente, o Istituto Europeo di Design possui diversas sedes na Itália, na Espanha e no Brasil, incluindo Milão, Roma, Turim, Florença, Rio de Janeiro, Barcelona e Madri. Fundado em 2005, a faculdade em São Paulo (fotos acima) é a primeira unidade do Grupo IED fora da Europa. .
Um convite aos leitores (13 de março)
Na próxima segunda-feira (13/3), às 20:00, Fernando Morita irá pessoalmente apresentar aos convidados – no caso, vocês! – este exato lab que vocês viram nesta matéria, explicando o dia a dia do espaço e detalhando como acontecem e se desenvolvem os projetos feitos para as fábricas de automóveis. É a oportunidade perfeita para você, futuro designer (ou formado e que procura especialização em automotivo), para trocar ideias, tirar dúvidas sobre a carreira e pegar orientações e conhecer mais detalhes dos cursos.
A apresentação é gratuita, mas o número de inscritos é limitado! Para participar, basta .
A apresentação de Morita faz parte do IED Talks Week, uma série de encontros virtuais, workshops e palestras presenciais de design e moda que acontecerão entre os dias 13 e 16 de março. Confira a programação completa .