O primeiro carro a vencer múltiplas vezes o Campeonato Mundial de Rali foi o mítico Lancia Stratos. O esportivo em forma de cunha foi criado pelos italianos especificamente para o WRC, na condição de especial de homologação – o que significa que a competência nos estágios veio em primeiro lugar. Como resultado, o mundo ganhou um belo esportivo em forma de cunha, com design de Marcello Gandini e um motor V6 central-traseiro de origem Ferrari. Espaço interno e conforto ao rodar ficaram em segundo, talvez até terceiro plano. E, por tudo isto, o Lancia Stratos é uma lenda.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como , , e muito mais!
E foi com inspiração no Lancia Stratos que uma oficina americana chamada DriverSource decidiu imaginar o que aconteceria caso a Ferrari tivesse seguido o mesmo caminho. A resposta: uma Ferrari Dino 308 GT4 com suspensão elevada e preparação para encarar terrenos hostis, e até participar de ralis de longa distância.
A conexão parece frágil, mas não é exatamente este o caso. Assim como o Lancia Stratos, a Dino 308 GT4 teve sua carroceria desenhada por Marcello Gandini – que fez um belo trabalho adaptando sua silhueta característica a um cupê 2+2, com quatro lugares e entre-eixos mais longo. Além disso, a antecessora da 308 GT4, a Dino 246, foi quem emprestou seu motor V6 de 2,4 litros para o Stratos – a Lancia aproveitou que o negócio, no fim das contas, era da famiglia Fiat.
O carro foi comprado pela DriverSource no final de 2018, exatamente para a conversão, com o propósito de exibir as capacidades de sua equipe de engenharia – e para tentar atrair a atenção de algum cliente com preferências exóticas.
Obviamente, o primeiro passo foi desmontar o carro e garantir que quaisquer danos relacionados à idade do carro – que foi fabricado em 1975 – fossem sanados. Depois, foram feitas as adaptações. A suspensão por braços triangulares sobrepostos nas quatro rodas recebeu amortecedores ajustáveis do tipo coilover feitos sob medida. As rodas são de aço estampado, com 15×7 polegadas e pneus Michelin de medidas 205/70 nos quatro cantos, e o sistema de direção foi todo redimensionado para a nova configuração. A carroceria recebeu mudflaps de fibra de vidro, e a pintura em vermelho “Rosso Chiaro” agora é complementada pela parte inferior em preto.
Dianteira e traseira ganharam novos para-choques de aço, sendo que a peça frontal abriga faróis auxiliares da Hella e um tow hook. Além disso, uma antena flexível de rádio PX foi instalada para garantir comunicação de emergência quando necessário – o que acabou dando à Ferrari ares de carro de controle remoto. Não que isto seja algo ruim, até porque o propósito deste projeto é mesmo ser um brinquedo de gente grande.
O lado de dentro recebeu poucas modificações: os bancos dianteiros originais foram restaurados, usando couro e veludo cotelê nos padrões de fábrica, e ganharam cintos de quatro pontos; e os pedais agora são de alumínio. Além disso, o compartimento de carga na traseira recebeu cintas de couro – este carro é um dos raros exemplares que foram vendidos sem o banco traseiro (no chamado rear seat delete, que era opcional).
Uma barra de amarração foi instalada no lugar do banco traseiro – aumentando a rigidez da carroceria e proporcionando um ponto de ancoragem para os cintos.
Não há menção a modificações mecânicas – o que nos leva a crer que o motor V8 de três litros com quatro carburadores Weber 40 continua entregando 240 cv e 26,5 kgfm de torque da versão americana (o modelo europeu era mais potente, com 255 cv). Sinceramente, não é preciso mais do que isto para garantir diversão em um esportivo italiano com tração traseira, câmbio manual com grelha e menos de 1.200 kg na balança. Ainda mais com a possibilidade de escorregar a traseira no chão batido.
O que a DriverSource diz, porém, é que o conjunto mecânico foi todo revisado, bem como freios, suspensão e parte elétrica. Eles também afirmam que o carro é totalmente matching numbers, ou seja: o chassi saiu exatamente com este motor, câmbio e painéis de carroceria. Por conta disto, mesmo com as modificações, a Dino 308 GT4 possui certificado de originalidade e reconhecimento no Dino GT4 Registry, clube de proprietários das 208 e 308 GT4 nos EUA. E estes caras costumam se bem rígidos na hora de aceitar carros.
A Ferrari 308 GT4 é um carro de importância histórica, pois ela foi a primeira Ferrari com motor V8 central-traseiro (embora inicialmente fosse vendida com a marca Dino), configuração que se tornaria a base dos modelos com maior volume de vendas da marca – que, na prática, são os que mais contribuem para manter a lucratividade da Ferrari.
Se tivesse visto este carro há alguns anos, talvez eu criticasse, com o previsível argumento de que os americanos arruinaram uma Ferrari antiga que estava em perfeitas condições. Hoje em dia, minha cabeça mudou – e a execução aparentemente impecável da ideia torna difícil encontrar motivos para não curtir o carro. Claro, se fosse algum modelo mais cultuado, a história poderia ser outra.
Na verdade, é bem provável que eu fizesse algo parecido se tivesse uma Dino GT4. Quer dizer, este projeto está à venda, – e se eu tivesse bala na agulha, certamente tentaria alguns lances.