Doom é um dos games mais famosos da história. Pioneiro do gênero de tiro em primeira pessoa (first-person shooter, ou simplesmente FPS), o game lançado pela iD Software em 1993 costuma ser citado como um dos mais influentes da história, inaugurando elementos como gráficos tridimensionais imersivos, modo multiplayer em rede e suporte a mods criados pelos próprios jogadores. Distribuído como download gratuito ou por encomenda pelo correio, Doom tornou-se rapidamente um dos jogos eletrônicos mais populares de sua época, e deu origem a uma subcultura muito forte na década de 90.
O código de Doom já foi explorado de cabo a rabo por desenvolvedores independentes e entusiastas da programação e hoje, vinte anos depois, já foi manipulado para que o game rode em praticamente qualquer coisa que tenha uma tela. Quer ver só? Que tal matar zumbis e demônios em um caixa eletrônico?
A brincadeira começa por volta dos 6:30 do vídeo
Neste outro vídeo, vemos Doom rodando em uma impressora Canon. O responsável pelo hack contou à BBC que acessou sua impressora remotamente através do site do fabricante, por onde enviou o arquivo do jogo e modificou o código para que funcionasse.
Este outro cara colocou Doom para rodar em um teclado Optimus Maximus, que tem teclas programáveis com telas de LCD colorido de 48×48 pixels para que você personalize suas funções. É quase impossível de jogar, mas funciona:
Tudo isto só é possível porque Doom, sendo um game lançado há quase 25 anos, é tem requisitos de sistema bastante leves para os padrões atuais. No Windows, por exemplo, você só precisa de 8 mb de RAM, 140 mb de espaço no disco e qualquer processador Pentium ou Athlon.
E por que estamos falando tudo isto? Bem, você deve ter visto por aí um vídeo no qual um rapaz coloca Doom para rodar no sistema multimídia do Porsche 911 991– mais precisamente, em um Carrera S Cabriolet atual. Ele diz que só precisa de um CD-ROM original de Doom e de um pen drive com um arquivo de texto com o número de chassi (VIN) do carro, e logo em seguida demonstra o hack.
Publicado pelo usuário “vexal” O vídeo mostra que Doom roda perfeitamente na tela de LCD de sete polegadas do sistema multimídia do carro, sem trancos ou glitches, e é controlado pelos comandos do carro: você troca as armas movendo a alavanca do câmbio para frente e para trás, direciona o personagem (ele não tem nome, mas é conhecido como Doomguy) com virando o volante e, para andar, pisa no acelerador.
Vexal, então, parte para dar uma voltinha com o Porsche 911 enquanto joga Doom – os comandos do carro parecem perfeitamente sincronizados com o game, e ele até consegue se sair bem no game sem bater o carro em lugar algum.
Seria impressionante, se não fosse por um detalhe: o vídeo é completamente fake.
Os mais atentos devem ter percebido achado estranha a sincronia entre o game e trajeto do carro. Se você observar bem, vai chegar à conclusão de que o vídeo foi editado – dá até para ver que a perspectiva da tela do game não está completamente alinhada com o display no console central do 911. Além disso, quando o cara começa a dirigir e jogar ao mesmo tempo, dá para ver que a imagem foi acelerada para tornar a sincronia mais convincente.
No vídeo, Vexal diz que basta espetar o pen drive com o VIN do carro na entrada USB e ligar o carro. Desse modo, o sistema multimídia iniciará no “modo debug”, e você deverá conseguir usá-lo como um computador doméstico comum. O passo seguinte é inserir o disco de Doom na entrada de CD, navegar pela interface (que se parece muito com alguns sistemas baseados em Linux) através dos botões do rádio até encontrar o game e abri-lo. Quem suspeitava que seria tão fácil?
Vexal explica que isto é possível porque as fabricantes de automóveis recentemente adotaram um novo padrão eletrônico para facilitar a vida dos mecânicos, permitindo que se acesse os sistemas eletrônicos do carro apenas com um pen drive. Segundo ele, os controles funcionam porque os comandos do carro são todos eletronicamente integrados.
Eles são, mas as coisas não são simples assim. As fabricantes sabem que é possível hackear os sistemas eletrônicos de um carro – como foi demonstrado há algum tempo por uma dupla de hackers que, remotamente, conseguiram ligar o ar-condicionado de um Jeep Cherokee, mudar as estações de rádio e até cortar a resposta dos pedais de acelerador e freio. Tudo isto a 16 km de distância do carro, usando apenas um laptop.
Por isto, as fabricantes de automóveis têm se esforçado bastante para dificultar o acesso aos sistemas do carro, e não facilitá-lo – criptografia aperfeiçoada e a necessidade de equipamentos especiais são alguns exemplos disto. E se tudo falhar e um hacker conseguir invadir o computador de um carro, ele terá feito isto usando códigos específicos e softwares desenvolvidos para este tipo de coisa, e não um pen drive com um arquivo de texto.
Além disso, qualquer um que já tenha tentado rodar um game mais antigo em um computador novo sabe que isto pode dar trabalho. Sistemas modernos nem sempre são compatíveis com softwares antigos, e muitas é preciso baixar patches, modificar arquivos e instalar programas como máquinas virtuais para que o jogo funcione. Parece improvável que o sistema multimídia de um carro consiga ler um CD-ROM fabricado nos anos 1990 e, automaticamente, configure os sensores do carro para controlar um jogo de tiro em primeira pessoa.
Por fim, há a torradeira no banco do carona. Ela está lá porque, em um vídeo anterior, Vexal mostra que é possível hackear uma torradeira e transformá-la em um joystick. É obviamente uma paródia, assim como o vídeo do Porsche.
Dito isto, não é impossível transformar um carro em um controle de videogame. No vídeo abaixo os caras reprogramaram os sensores de um Volkswagen Scirocco para jogar um game de corrida.
Neste caso, porém, o jogo não está rodando no carro, e sim em um PC que se comunica com o carro através do leitor OBD-II. Os sinais dos sensores do acelerador, do freio e do volante são traduzidos para o jogo e interpretados como sinais de um joystick comum. O carro não foi modificado de nenhuma forma, e o motor fica desligado.
Considerando tudo isto, então, é claro que não podemos descartar a possibilidade de que alguém, um dia, consiga hackear o computador de um Porsche 911 para rodar Doom. Mas não vai ser assim.