Depois de duas horas em um voo que quase perdi, uma curta caminhada pelas ruas de Porto Alegre e uma corrida de Uber com o motorista mais desastrado que o aplicativo poderia ter me enviado, lá estava eu, sentado à mesa do restaurante, discutindo as diferenças entre o churrasco dos gaúchos, dos catarinenses e dos paulistas, quando uma sequência matadora de esportivos e supercarros começou a ocupar o estacionamento.
Primeiro um Rolls-Royce Phantom Drophead Coupé branco. Em seguida uma Ferrari 458 Italia amarela. Depois um SLS AMG cinza, seguido por um Porsche 911 Turbo S azul, um McLaren MP4-12C prata, uma Ferrari 360 Modena vermelha, um Maserati GranTurismo branco, um Audi RS5 azul e uma Ferrari California vermelha. Um BMW X6 M azul, um Mustang GT preto e um Subaru WRX azul completaram as vagas restantes. A frota faria qualquer fã de carros ir à loucura, mas comigo foi diferente. Não estou sendo blasé, não. É que eu já estava esperando todos aqueles carros. Eles eram exatamente o motivo pelo qual eu me encontrava naquele domingo nublado na pequena Nova Santa Rita.
Eles estavam todos reunidos para a Dream Route, um “rali” anual que reune esportivos, modelos exóticos e supercarros em viagens pelo sul do Brasil, passando por rodovias panorâmicas, estradinhas sinuosas, praias badaladas e restaurantes de primeira, mais ou menos como o Gumball 3000, guardadas as devidas proporções. O restaurante à margem da BR-386 era o ponto em que eu os encontraria para irmos até o Velopark, a uns poucos quilômetros dali. Isso significa que eu precisaria de uma carona até lá. Ela veio na forma de um McLaren MP4-12C prata. Ok, vamos lá.
Ao fechar a porta do supercarro britânico, comecei a pensar em Gordon Murray. Ele criou o F1 para corrigir os defeitos dos supercarros da época, que eram desconfortáveis, pouco espaçosos e tinham ergonomia terrível. Em sua concepção, seu supercarro poderia levá-lo até o supermercado e depois poderia ser capaz de pegar a estrada “até o sul da França” com o máximo de conforto possível. Algo compreensível vindo de um cara de 1,93 m de altura. E foi justamente isso o que me fez pensar nele a bordo do MP4-12C: como o carro estava carregado de malas e bolsas, faltava espaço para minhas pernas enquanto meu cabelo varria o teto do carro. Deve ser por isso que eles estão fazendo um novo “sucessor” para o F1.
Mas não estou reclamando. Não é todo dia que se tem a chance de fazer uma viagem curta em um supercarro. A aceleração, as retomadas e a rodagem surpreendentemente confortável me fizeram prestar atenção nas qualidades do carro e esquecer seus defeitos. Especialmente porque aquele não era um MP4-12C comum.
Conversando com o proprietário descobri que aquele foi um dos quatro carros modificados a pedido de Ron Dennis. O motor é o mesmo V8 3.8 biturbo dos demais MP4-12C, porém os carros foram modificados com novos turbos e ECUs próprias para produzir 720 cv. Dois deles foram trazidos ao Brasil por Nelson Piquet, que ficou com um exemplar, pintado de branco. O outro era este que me levou ao Velopark.
Chegando ao autódromo, as grandes estrelas do dia: um Lamborghini Aventador estacionado ao lado de uma Ferrari F50 nos boxes. Os modelos mais raros e as grandes estrelas do Dream Route foram levados ao Velopark na traseira de um caminhão, depois de percorrerem algumas centenas de quilômetros entre Florianópolis/SC e Caxias do Sul/RS. Era por eles que eu fora enviado até lá. Duas pautas: uma volta e uma apresentação detalhada da Ferrari F50, e uma volta e um papo com Valentino Balboni, o icônico piloto de testes da Lamborghini.
Sim: Valentino Balboni também estava participando do evento, pilotando os Lamborghini — e também supercarros que jamais imaginaríamos vê-lo pilotando. Afinal, ele ainda é funcionário da Lamborghini e grandes corporações não gostam muito de ver seus funcionários associados a outras marcas — especialmente se forem rivais.
Enquanto me apresentava à Ferrari e ao proprietário para fotografar as entranhas do carro, Balboni apareceu com o restante do grupo, olhando a F50 à distância e em silêncio. Ele parecia sinceramente curioso, perguntei de qual Ferrari ele gostava, mas a resposta foi evasiva: disse que tem muito respeito por todas as marcas, mas que gosta mesmo é dos Lamborghini.
O vídeo tem legendas em português. Verifique se o recurso está ativado
Mais tarde ele acabou dirigindo a F50 e perguntei se era uma concorrente à altura do Diablo. A resposta foi lacônica: “Muito parecida com o Murciélago”. Depois da F50, Balboni ainda pilotou o McLaren MP4-12C de 720 cv — e não gostou do câmbio do carro, nem do freio aerodinâmico. Talvez seja eletrônico demais para um cara old school apaixonado pelo Miura SV.
No final do dia, já com o sol se aproximando do horizonte, finalmente entramos no Aventador para algumas voltas no circuito. Balboni não desenvolveu o LP700-4. Quando os testes com o protótipo começaram ele já estava praticamente aposentado e por isso seu envolvimento com o modelo foi praticamente zero. Mas quando digo “praticamente zero” me refiro apenas à relação profissional de Balboni com o carro. Balboni conhece o Aventador e suas minúcias e seu comportamento como se tivesse sido ele próprio o test driver do carro. Como vocês verão no vídeo, ele pilotava o carro como se fosse mais um dia normal no escritório — e de certa forma aquele era mesmo.
O V12 enchendo nossos ouvidos no reta do Velopark com suas 8.000 revoluções por minuto, as alicatadas no final da reta, o esterçamento do carro com a traseira. Guardadas as devidas proporções, me senti como Jack White e The Edge em ” It Might Get Loud”, quando Jimmy Page começa a tocar o riff de Whole Lotta Love diante da dupla incrédula com o momento. Como Page compôs o solo, foi Balboni quem ditou como o Aventador deveria rodar ao desenvolver o “handling” dos Lamborghini criados nos quarenta anos em que ele esteve na ativa, após a aposentadoria de seu guru Bob Wallace.
Foram apenas três voltas e depois encostamos o carro. Agradeci, disse que os flatouters iriam adorar o vídeo e a conversa, e fui buscar minhas coisas para ir embora. Balboni ainda deu uma volta com a bicicleta elétrica de um dos patrocinadores — aliás, pedalar é um de seus hobbies e a bicicleta é seu meio de transporte até o trabalho, no Polo Storico da Lamborghini, onde ele auxilia na restauração dos carros que ajudou a desenvolver —, e depois assumiu a direção do Subaru WRX azul que ele usaria para voltar ao hotel. Saiu fazendo um burnout de quatro rodas.
De volta a São Paulo, no banco de trás do Uber que me levava para casa, saquei o celular do bolso e comecei a rever algumas fotos e vídeos, mas acabei interrompido pelo salto do carro ao passar uma lombada invisível sem frear. Achei melhor guardar o telefone e ir avisando o motorista sobre as armadilhas do caminho. As caronas em supercarros te deixam mal acostumado.