O grande barato da série Grand Theft Auto é poder dirigir como um louco, sair do carro, roubar outro carro e continuar dirigindo como um louco. É isso que torna o game divertido — cumprir as missões e “zerar” é totalmente opcional para a experiência de jogar GTA. Não por acaso a franquia ficou gigante, carregando a Rockstar Games nas costas e tornando-se parte da cultura popular mundial até para quem não joga. No entanto, como você deve lembrar (especialmente se tem entre 25 e 30 anos de idade), os dois primeiros games da franquia usavam vista aérea. Você acompanhava tudo de cima.
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A perspectiva limitada de GTA e GTA 2, lançados em 1997 e 1999 para PSOne, respectivamente, permitia gráficos menos detalhados e mais leves. Desse modo, era possível que os desenvolvedores se empenhassem melhor em outros aspectos do game. O mundo aberto tridimensional só veio em 2001, com GTA III — este, disponível para Playstation 2, XBox e Windows.
Foi uma revolução na franquia, sem dúvida, e abriu caminho para quase dez outros lançamentos. As cidades ficavam cada vez maiores e mais interativas, e a variedade de veículos e armas se tornou uma das principais características da série — sem mencionar as histórias cada vez mais complexas e bem contadas e da belíssima seleção de músicas.
No entanto, GTA III não foi o primeiro game de sucesso a trazer um ambiente tridimensional que podia ser explorado a pé ou de carro. Um ano antes, em 2000, o mundo conheceu Driver 2: The Wheelman is Back. Este é um verdadeiro clássico, sem dúvida, e foi um dos últimos grandes títulos lançados para o Playstation original, de 32 bits.
Como o nome denuncia, Driver 2 foi o segundo game da série Driver, desenvolvida pela Reflections Interactive (hoje, uma divisão da gigante Ubisoft). O título de estreia, Driver, foi lançado em 1999 e, apesar de não ter o mesmo reconhecimento (e não permitir que o jogador saísse do carro), também tornou-se um clássico. Driver era um grande jogo, e foi responsável por introduzir alguns conceitos básicos à série.
Driver te colocava no papel de John Tanner, um detetive do Departamento de Polícia de Nova York que é colocado em uma operação à paisana, infiltrando-se em uma rede de crime organizado que atuava em Miami, São Francisco e Los Angeles, além da própria Nova York. As missões envolviam perseguir e deter outros carros, fingir ser taxista, assaltar bancos, fugir da polícia e até arremessar o carro contra obstáculos e fazer manobras. Tanner, no entanto, era o cara perfeito para o trabalho: antes de ser policial, ele era piloto de corridas.
A primeira fase já era bem desafiadora: fazer diversas manobras e provar que estava apto para a missão – sem qualquer tipo de tutorial, como é tão comum nos jogos de hoje. Cabia a você decifrar o que era preciso fazer.
Além do próprio Grand Theft Auto, a inspiração de Driver vinha dos filmes de perseguição policial dos anos 60 e 70, como Vanishing Point, The Driver e Bullitt. Não apenas na jogabilidade, mas também no modo de contar a história. Não surpreende que o game tenha sido um grande sucesso de vendas e dado origem a uma sequência apenas um ano depois.
Driver 2 trazia tudo o que fez do primeiro game um sucesso — o pano de fundo de filme policial, o clima urbano, a história passada em quatro cidades e o protagonista John Tanner — e adicionava outros ingredientes. Além de novas cidades (que eram maiores) e belas cutscenes que, quinze anos atrás, te faziam se sentir assistindo a um filme, agora você podia sair do carro a qualquer momento. A maior variedade exigiu que o game fosse dividido em dois discos — e qualquer um que já teve um Playstation sabe que, quando um game tinha mais de um disco, o negócio era sério.
Diferentemente de GTA, que te deixa explorar a cidade livremente e te dá sinais para entrar nas missões, Driver 2 tinha dois modos separados: um para as missões e outro para explorar o mundo sem compromisso. No entanto, para ter acesso a todas as quatro cidades — Chicago, Havana, Las Vegas e Rio de Janeiro — era preciso jogar sério. E, cara, como o jogo era difícil!
Você não precisava mais provar que era bom, como na primeira missão de Driver. Só que você precisava ser bom — os carros nunca foram fáceis de controlar, eram pesadões e tinham freios ruins. De vez em quando, era preciso largar o volante e seguir a pé, e o timing precisava ser nada menos que perfeito. Por vezes, chegava a ser frustrante.
Por outro lado, com duas cidades abertas logo de início, dava para se divertir bastante mesmo sem avançar no game. É claro que, depois de quinze anos (uma verdadeira eternidade para os videogames, que já passaram por quatro gerações de consoles desde então), você precisa se situar no espaço-tempo para curtir a experiência. Uma vez com a mente aberta, e ciente de que os gráficos de última geração do ano 2000 são ridículos em 2020), dá para passar boas horas controlando John Tanner pelas ruas pixeladas das cidades de Driver 2.
A sensação que se tem é de jogar uma versão simplificada e mais cinzenta de GTA III. Pela menor capacidade de processamento do Playstation, tudo o que você podia fazer quando estava a pé era correr. Tanner era mudo e era impossível interagir com as pessoas — elas eram poucas, pareciam feitas de papel e saíam correndo assim que você se aproximava. E nada de trocar tiros ou espancar qualquer um que você via na sua frente.
Não havia músicas conhecidas durante o gameplay, muito menos estações de rádio — o que de certo modo é algo bacana dos games mais antigos, pois obrigava os compositores a criarem músicas memoráveis para os jogos. Por outro lado, durante as cutscenes, algumas canções licenciadas podiam ser ouvidas, aumentando a sensação de autenticidade. Eram elas:
- “Fever” – Dust Junkys
- “In the Basement” – Etta James
- “Help Me” – Sonny Boy Williamson
- “Sitting at Home Alone” – Hound Dog Taylor
- “Just Dropped In” – Kenny Rogers & The First Edition
- “Lacrimosa” – Mozart
A seleção de carros era pequena: cinco ou seis modelos diferentes por cidade, sem contar os caminhões, ônibus e vans. O cenário era indestrutível, com exceção das cadeiras dos restaurantes a céu aberto – e era legal demais passar por eles e ver tudo voar.
Os carros tinham um ronco monótono e não tinha nomes ou marcas (verdadeiros ou fictícios), mas casavam direitinho com as cidades de onde vinham. Havia carros quadrados e grandalhões nos EUA, banheiras da década de 1950 em Cuba e, bem… uns carros esquisitos no Brasil. Um deles até parecia o Dodge Polara. Todos eles eram uma porcaria de dirigir nos padrões atuais, mas na época não havia nada parecido.
Cada uma das cidades também tinha seu carro secreto. Em Chicago, era um muscle car amarelo com listras pretas, bem bandidão. Em Havana, um Mini Cooper clássico (branco, com teto rosa e uma grade diferente). Em Las Vegas, o carro secreto era uma picape azul e, no Rio um… caminhão americano. Vai entender…
Calotas voavam sempre que você mudava de direção de repente, e os carros ficavam totalmente destruídos se você fizesse o tipo barbeiro — algo que todo mundo fazia, mesmo que de propósito. O nível de dano ao carro era mostrado em uma barra no topo da tela. Outra barra, logo abaixo, media seu nível de procurado (Felony) como as estrelas em GTA.
Além da jogabilidade que estava à frente de seu tempo Driver 2 também tinha alguns detalhes que despertam altas doses de nostalgia em qualquer moleque da geração anos 90. O mais marcante deles era a dublagem em português quando você finalmente conseguia chegar ao Rio de Janeiro, última cidade do jogo. Em uma época onde games com dublagem definitivamente eram exceção, milhares de gamers brasileiros se deliciaram ao ouvir as seguintes palavras, completo com um sotaque carioca relativamente honesto:
“Tá tudo numa boa aqui… bom, vou fumar um cigarro”
“Eu não sei, hoje tá tudo na mesma.”
Diálogos! Em português! Em um game americano! O que mais você podia querer há 20 anos? As coisas eram mesmo diferentes – nos jogos de hoje, a dublagem em português brasileiro é comum, e os jogadores logo reclamam se os personagens não têm expressões faciais convincentes ou uma boa entonação.
Claro, Driver 2 não era um jogo perfeito. Se, por um lado, o tempo de loading (ou melhor, “Is Loading”) era incrivelmente curto, um glitch recorrente, normalmente ativado quando você batia muito forte em outro carro ou em uma ponte levadiça, fazia com que os carros simplesmente “entrassem” no chão e, depois, saíssem voando algumas dezenas de metros à frente. Para acabar com esta farra, só voltando ao menu principal.
Este mix de qualidades e defeitos, a jogabilidade surpreendentemente flexível e a história madura e bem elaborada faziam de Driver 2 não apenas um verdadeiro clássico dos games de carros, mas também um marco no gênero. Sem dúvida sua influência foi sentida vários anos depois. E não apenas em GTA, mas também nos títulos seguintes. Estes foram cinco: Driver 3 (estilizado como Driv3r), Driver: Parallel Lines, Driver 76, Driver: San Francisco e Driver Renegade: 3D.
Nenhum deles conseguiu o mesmo sucesso dos dois primeiros games. Primeiro porque a franquia rival, da Rockstar Games, ficou com toda a atenção. Mesmo com mais recursos e a adição de tiroteios, nenhum outro título da série Driver foi particularmente marcante.
Tanto é este o caso que muitos daqueles que jogaram Driver 2 sentiram-se órfãos do clássico, mesmo depois de tantas sequências. Por isso, um grupo de fãs tratou de desenvolver um port para PC usando o código original – o que significa que o game pode rodar nativamente em computadores (até mesmo os mais básicos), sem que se precise recorrer a emuladores ou procurar um PlayStation usado por aí.
O jogo roda muito bem, com apenas uma leve atualização nos gráficos, adição de câmera onboard, e dinâmica aprimorada, além de melhorias na AI dos policiais e polimentos como vegetação responsiva. Nada que altere a raiz do jogo, mas algo que certamente contribui para melhorar a experiência 20 anos depois.
Você pode baixar a versão neste link caso queira aproveitar a sexta à noite para reviver um dos melhores jogos de carro de todos os tempos.