Os carros nunca foram tão potentes, velozes e tecnologicamente avançados como hoje em dia. Mas sempre existirá a noção de que no passado, quando eram mais leves e mais simples, eles eram ainda melhores – mais envolventes e ágeis, mesmo que não fossem tão potentes.
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Quando se fala na sensação crua de conduzir um carro rápido, com direção orgânica e comunicativa, o barulho do vento sendo cortado pela carroceria, o ronco do motor presente no habitáculo, câmbio manual e nenhum tipo de assistência eletrônica, parece óbvio que a velha máxima “tudo era melhor antigamente” se aplica aos carros. Mas esta é uma noção romantizada, que hoje beira o estereótipo, do que faz um bom driver’s car. Existe uma infinidade de nuances na percepção do que torna um carro melhor ou pior, e a época na qual ele foi fabricado é só uma delas – há também a configuração mecânica em si, o tipo de motor usado, o equilíbrio inerente ao projeto, as particularidades de cada versão. E tudo isto ainda passa pelo crivo das preferências de cada entusiasta.
O BMW M2 e seu contemporâneo BMW M3/M4 podem ser um bom exemplo do que dissemos no parágrafo anterior. Isto porque, quando o M2 foi lançado, em outubro de 2015, muito falou-se sobre como o Série 2 mais nervoso de todos representava uma volta às raízes para a BMW. E, de fato, ele era um carro potente, relativamente leve, compacto, de tração traseira e com a oferta de uma transmissão manual de seis marchas. Movido por um seis-em-linha biturbo de três litros de 370 cv, aceleramos o baby M em 2016, e o Juliano saiu da sessão com a impressão de que o M2 era mais próximo de um sucessor espiritual do icônico Porsche 911 Turbo 930, reconhecido por sua selvageria e imprevisibilidade em mãos inexperientes.
O BMW M2 foi imediatamente comparado pela imprensa automotiva mundial às gerações mais antigas do M3, em especial o adorado E46, por suas dimensões gerais e pela forma como ele foi acertado – era quase como se o M2 preenchesse a lacuna deixada pelo M3 quando ele se tornou um carro maior, mais pesado e mais sedado, um processo que, para boa parte dos fãs, começou em 2007, quando o M3 E92 trocou o seis-em-linha naturalmente aspirado por um V8, também naturalmente aspirado, e ficou mais e corpulento. Um processo que, na verdade, é comum a praticamente todo carro, esportivo ou não, conforme foi discutido no nosso post “lost feeling“.
O BMW M3 E46 é visto por sua legião de fãs como o carro que melhor representa a “verdadeira BMW”, e realmente o BMW M2 é mais parecido com ele do que o atual M3/M4 em diversos aspectos. Um deles é a relação peso-potência: com o seis-cilindros S52, de 3,2 litros e 343 cv, puxando um cupê de 1.550 kg, o BMW M3 E46 tem 4,51 kg/cv, enquanto o BMW M2 tem 4,31 kg/cv – 370 cv para 1.595 kg, considerando a versão com câmbio de dupla embreagem e sete marchas.
Ainda assim, o BMW M2 conta com certas facilidades que o impedem de ser considerado um carro totalmente old school, como a própria caixa DCT de sete marchas, as assistências eletrônicas, ou o diferencial eletrônico com autoblocante com amplitude total (pode ficar 100% aberto ou 100% fechado). Isto posto, como ele se comporta diante de um BMW M3 E46?
O pessoal da Best Motoring International decidiu responder a esta pergunta em 2017, quando o M2 foi lançado no Japão. Keiichi Tsuchiya, o Drift King, e Max Orido, seu colega de programa e profissão – e dono de um dos Toyota Supra mais bacanas já feitos, também – testaram os dois carros. Mas há uma “pegadinha”: o M3 E46 escolhido para o embate não era totalmente stock. O palco foi o circuito de Nikko, no Japão – um pequeno traçado de 1.035 metros onde frequentemente são realizados encontros e eventos de drift. E como foi o duelo? É o que veremos (e comentaremos) a seguir.
O exemplar do BMW M2 usado pela Best Motoring no comparativo veio com o câmbio de dupla embreagem. Já o BMW M3 E46 era um carro preparado pela Assist, oficina em Kyoto, no Japão, que teve seu peso aliviado em cerca de 200 kg com a remoção da maioria dos acabamentos internos, chegando a aproximadamente 1.370 kg. O motor teve a ECU original substituída por uma unidade programada pela Assist, que o tornou capaz de girar a até 8.000 rpm, e recebeu um novo sistema de escape, menos restritivo, além de rodas RAYS Volk TE37, uma barra de amarração no cofre, amortecedores ajustáveis e molas Eibach.
Na primeira parte do teste, tanto o Tsuchiya quanto Orido deram voltas cronometradas pelo circuito de Nikko, não apenas mara marcar os tempos, mas também para colher suas impressões. Em seu primeiro contato com o BMW M2, Keiichi elogia o grip do carro, que segundo ele transmite segurança, e menciona uma pequena dose de subesterço perceptível, porém “perdoável” levando em consideração o peso do carro – com o qual o pessoal da Best Motoring foi até generoso ao arredondar para 1.550 kg. Já Orido ficou claramente mais animado com o BMW M2, em boa parte pelo fato de ele utilizar um motor de seis cilindros em linha, cada vez mais raro na indústria. Ambos, porém admitiram que as assistências eletrônicas tornam a experiência um pouco sedada – elas entram em ação de forma sutil e dificultam a tarefa de escorregar a traseira. Max Orido também elogiou a velocidade do câmbio de dupla embreagem e sete marchas, que permite reduções rápidas e eficazes a qualquer momento.
Quando chegou a vez de testar o BMW M3 E46, Keiichi Tsuchiya mostrou-se claramente mais empolgado com o motor naturalmente aspirado, que sobe de giro com muito mais disposição, porém deixou claro que, para ele, o acerto do carro não era o ideal para o layout truncado do circuito de Nikko – o escalonamento do câmbio, por exemplo, não favorecia as retomadas nas retas, e a suspensão calibrada para grip causava um subesterço indesejado. Na hora de andar de lado, o E46 descolou a traseira mais facilmente, mas ainda assim pareceu desajeitado durante a derrapagem. Por alguma razão, porém, Max Orido não deu suas impressões sobre o E46.
E a diferença nos tempos de volta? Nas voltas solo, o BMW M2 virou 00:42,812, enquanto o M3 E46 fez 00:42,914 – pouco mais de 0,1 segundo de vantagem para o M2, mesmo com quase 200 kg a mais – e 20 cv de vantagem. Na corrida, a melhor volta do M3 E46 superou o M2 – 00:41,524 contra 00:41,923.
Os dois carros ainda foram para a pista ao mesmo tempo, mas o M2 estava com os pneus mais frios – o que deu vantagem ao E46 logo na largada, e impediu Keiichi Tsuchiya de alcançar Max Orido, embora ao final de três voltas o BMW M2 tenha conseguido reduzir parte da diferença.
Com isto, podemos dizer que os carros até são próximos mas, no cronômetro, a diferença entre os dois carros só ficou tão pequena depois que o M3 E46 perdeu peso, recebeu uma pequena dose de potência e teve a suspensão preparada para as pistas – o M2 apresentou desempenho semelhante direto da fábrica e, com algumas ressalvas (em especial pelas assistências eletrônicas e pelo peso), se mostrou extremamente envolvente.
No fim das contas, os dois pilotos japoneses sequer mencionaram as questões filosóficas do comparativo – mas se mostraram muito empolgados com a possibilidade de aplicar no M2 o mesmo tratamento dado ao M3 E46 pela Assist. Com isto, algo fica claro: o BMW M2 deixa evidente a diferença entre um projeto do fim dos anos 1990 e outro desenvolvido duas décadas depois. Nos aspectos técnicos, o M2 é claramente superior – e uma forma de medir esta superioridade é analisar seu tempo de volta comparado ao de um M3 E46 preparado. Por outro lado, a experiência sensorial do carro preparado é incomparável – mesmo nas tomadas onboard é perceptível sua pegada consideravelmente mais visceral na aceleração e na forma como o E46 ataca as curvas. Até porque, mesmo stock, ele foi um dos últimos BMW com uma personalidade mais analógica, por assim dizer. E isto é algo que não vai mudar nunca.