Há alguns dias, falamos aqui sobre como é o ato de comprar um Bugatti Chiron, o novo automóvel produzido em série mais potente, caro e veloz do planeta. Estamos falando de um esportivo com motor de oito litros com dezesseis cilindros, quatro turbos, dez radiadores e 1.500 cv, capazes de levar uma besta mecânica de duas toneladas aos 420 km/h – limitada eletronicamente, pois estima-se que a Chiron seja capaz de atingir os 463 km/h.
Com apenas 500 exemplares fabricados e um custo de desenvolvimento e fabricação altíssimo, não surpreende que o Bugatti custe tanto dinheiro: o preço parte de US$ 3 milhões. Por esta grana, o mínimo que se espera (além de todo o poder de fogo) é um extenso programa de personalização, uma viagem para a França e atendimento totalmente personalizado.
Algo que nos lembrou um outro tipo de carro absurdamente caro. O tipo que tem uma enorme grade de metal na dianteira, um ornamento no capô e metade da potência do Chiron, porém pelo menos o dobro do luxo e do requinte. Do tipo que é fabricado artesanalmente pela Rolls-Royce na sua sede em Goodwood. Este lugar aqui:
Já deu para sentir o drama, não é?
Considerando que a linha atual da Rolls-Royce conta com o Phantom, Ghost, Wraith e Dawn, a fábrica tem uma capacidade de produção bem mais baixa que a de uma companhia convencional: os 1.700 funcionários, entre designers, artesãos, engenheiros e mecânicos, produzem por volta de 20 carros por dia.
Acontece que, antes que a ordem de serviço seja emitida e seu Rolls-Royce começe a ser fabricado, em um processo que leva de oito a doze meses (por que tanto tempo? Você já vai saber), é preciso que seu dono defina exatamente como ele vai ser. E, para isto, é agendada uma visita ao Rolls-Royce Private Office, nas adjacências da fábrica em West Sussex, Inglaterra, onde o futuro proprietário discutirá com um consultor pronto para ouvir todas as suas ideias e dizer como elas serão executadas. A viabilidade dos pedidos, o prazo e o preço serão discutidos depois. Não é hora de falar sobre dificuldades ou números.
A própria Rolls-Royce produziu, em conjunto com o canal Goodwood Road and Racing, um pequeno vídeo mostrando como as coisas funcionam na hora de tratar do visual do seu Rolls.
O lugar onde Nick Osy de Zegwaart (até o sobrenome do cara é pomposo), o gerente de vendas personalizadas da Rolls-Royce está, é o Goodwood Studio, onde são exibidas ao cliente todas as opções disponíveis de acabamento externo e interno.
Tudo começa com a cor (ou as cores) da carroceria: dezenas pequenas peças que imitam a silhueta de um Rolls-Royce e pintadas com uma pequena amostra das cores oferecidas pela fabricante ficam em um quadro na parede. Em um armário na parte debaixo estão guardadas mais peças, porém estas representam a metade inferior da carroceria. O cliente pode ir juntando as peças para ter uma ideia de como as cores escolhidas conversam entre si.
Depois de escolher a cor, você é levado para uma mesa com uma luminária especial: através de um seletor giratório, a luz produzida reproduz a cor da iluminação ambiente de qualquer parte do planeta, de modo a antecipar o modo como a luz de cada parte do mundo interage com as cores da carroceria. Tal medida é mais simbólica, pois a cor da luz de uma garagem não depende da cor da luz natural, mas mostra como a companhia britânica (que tem donos alemães, mas isto é só um detalhe) dá tratamento individual a seus clientes. Também é reflexo do fato de que apenas 10% dos Rolls fabricados são vendidos para britânicos – a maioria de seus clientes é de outro país, e todos eles se sentem especiais.
De qualquer forma, caso você não goste de nenhuma cor ali exposta, saiba que aquilo é apenas uma pequena amostra: existem 44.000 opções de tonalidades para seu Rolls-Royce. E, se você também não quiser nenhuma delas, é só encomendar sua própria cor, que será patenteada, levará seu nome e só poderá ser utilizada em outro Rolls com sua permissão.
E mais: a sua cor pode ser totalmente nova, saída da sua cabeça, ou então igual à de qualquer objeto que você quiser. A Rolls-Royce diz que já reproduziu cores de objetos como um batom, uma luva de borracha rosa e um sapato feminino. Ou seja: as possibilidades são infinitas.
O mesmo vale para o acabamento interno: a linha utilizada nas costuras dos bancos pode ser da cor que você quiser, as que ficam expostas no Goodwood Studio são apenas uma amostra. Na real, é difícil dizer quais são as opções porque elas são praticamente ilimitadas. O revestimento dos bancos pode ser feito em qualquer tecido, tingido de qualquer cor; ou de algum dos itens de uma vasta lista de couros naturais, que vão do jacaré ao avestruz e só não utilizam couro de animais em extinção (vale observar que ativistas por direitos dos animais há tempo cobram um Rolls-Royce “vegano” da fabricante).
O ambiente da sala em que todas estas escolhas são feitas é o de um estúdio descolado-intelectual, com estantes cheias de livros, instrumentos musicais, obras de arte clássica e moderna espalhadas pelo local, poltronas confortáveis, escrivaninhas, plantas e música ambiente escolhida de acordo com a preferênciado cliente. É lá que se decide se o Rolls-Royce terá o “Starlight Headliner” (um revestimento escuro especial no teto, que usa fibra óptica para imitar um céu estrelado e pode ter até constelações reais), quais serão as madeiras utilizadas no acabamento e se o carro terá algum detalhe especial feito sob medida.
Em uma parede, ficam expostas algumas amostras dos detalhes personalizados que podem ser adicionados ao carro, de um bordado especial nos encostos de cabeça, passando por tatuagens no couro (sim, há um tatuador na fábrica para decorar o interior dos Rolls-Royce) aos incríveis trabalhos de marchetaria realizados por artesãos altamente especializados em criar texturas e desenhos incrivelmente detalhados, trabalhando com lâminas de madeiras nobres. Vale lembrar que são oferecidas nada menos que 20.000 combinações possíveis de folheados para cada Rolls-Royce personalizado, e cada carro deles usa até 120 peças diferentes acabadas com madeira (nós falamos sobre isto em detalhes neste post).
Só depois que estes detalhes são discutidos é que seu Rolls-Royce é encomendado e o trabalho de fabricação começa. Somente no trabalho de personalização do interior e do exterior, que pode incluir motivos pintados à mão na carroceria, bordado e marchetaria, em média 60 funcionários dedicam seu trabalho, que totaliza por volta de 400 horas para cada automóvel.
O detalhe é que em nenhum momento há destaque para o conjunto mecânico dos carros – os Rolls-Royce podem até ser movidos por motores V12 BMW de mais de 700 cv, mas isto tem muito mais a ver com o fato de cada um deles pesar mais de duas toneladas do que com a preocupação com o desempenho em si. Até porque, diferentemente do que acontece com o Chiron, o dono de um Rolls dificilmente vai se sentar no banco do motorista.
A não ser que ele seja Tax the Rich, claro.