Imagine que você está ao volante de um belo muscle car de corrida em um dos mais famosos e tradicionais circuitos do planeta. Vamos ser mais específicos: um Chevrolet Camaro pro touring em Sebring, na Flórida. Então, naquela que é, aparentemente, a reta oposta — um dos trechos mais velozes do circuito —, o carro simplesmente perde os freios antes de uma curva à direita. O que você faz?
a) entra em pânico;
b) tenta contornar a curva sem reduzir, like a fuckin’ boss;
c) procura uma rota segura para reduzir velocidade, ainda que esta seja uma estrada de escape que desemboca em uma rua.
Por incrível que pareça, o piloto deste Camaro do vídeo — que deve ter nervos de aço e sangue com nitrogênio líquido — escolheu a terceira alternativa.
Aparentemente o piloto é um cara chamado Tristan Herbert. Além de ser gerente da equipe de fábrica da Audi no EUA, Herbert é dono da Tristan Herbert Racing, que compete na Pirelli World Challenge de turismo com um VW Jetta, vencendo duas vezes em sua categoria.
Noutras vezes, porém, ele se senta ao volante de seu Chevrolet Camaro todo depenado, com gaiola de proteção e motor preparado. Especificações do carro não foram divulgadas e, aparentemente, ainda não foram feitas fotos do carro. No entanto, o vídeo abaixo traz Tristan fazendo um shakedown no carro, no vídeo abaixo. Seguramente é um motor bastante forte que, pelo ronco, está girando a mais de 7.000 rpm — o que é bastante para um V8 americano pushrod, com comando no bloco.
Serious business, hein? Agora você deve imaginar como deve ter sido perder os freios do carro na reta oposta de Sebring, que recebeu no início do mês a primeira etapa da temporada 2016 da Historic Trans Am, para a comemoração dos 50 anos da categoria original — cuja primeira corrida foi em Sebring, lá em 1966, e Herbert estava lá. Eis o que aconteceu:
Apesar da miniatura do vídeo e de algumas reportagens
Dá para ouvir o piloto bombeando os freios para tentar salvar o carro. No entanto, isto é pouco eficiente (ouve-se uma pequena frenagem em determinado momento, mas o carro não perde velocidade). Então, ele continua seguindo em linha reta, saindo por uma estrada de acesso que dá em uma via pública. Ele aproveita as curvas para perder velocidade e, no processo, derruba um portão e dá algumas raladas no muro. Ah, e ele quase acerta um caminhão — bem por pouco mesmo.
A cena toda lembra um daqueles filmes de comédia dos anos 2000 onde tudo dá errado — só faltou o carro passar por dentro de um quintal, acertar um varal cheio de roupas e ficar com um sutiã grudado no para-brisa. Ou então alguma cena de Grand Theft Auto, caso alguém decida ficar dirigindo feito louco pela cidade em vez de cumprir as missões. Aliás, não é o que todo mundo faz, anyway.
O caso é que poderia ter sido pior, mas não foi — provavelmente por uma soma de sorte e conhecimento das imediações por parte do piloto. No fim das contas, ele faz um retorno e provavelmente volta para o circuito. Mas poderia ter sido pior.
Não é a primeira vez que um Camaro que perdeu os freios na pista aparece aqui no FlatOut. Um dos nossos primeiros posts abordou exatamente este assunto quando um Camaro SS de quinta geração ficou sem freios no Velopark.
O carro roda e eventualmente para depois que o piloto aciona o freio de mão. Como falamos naquele post, a perda dos freios na pista é chamada de fading (que costuma ser traduzido erroneamente como “fadiga”, quando na verdade, fading está mais para “desaparecendo aos poucos”). Os freios vão perdendo força até parar de funcionar de vez, e isto acontece por causa da temperatura.
Na ocasião, explicamos que o fading é algo comum nos carros de rua que vão para a pista. Normalmente, os sistemas de freio são dimensionados para uso diário — na pista, como a demanda sobre os freios é muito maior, o fluido de freio pode superaquecer e entrar em ebulição. Isto acontece, geralmente, na região dos flexíveis que são conectados à pinça. O fluido hidráulico perde pressão quando ferve e, assim, a pastilha não consegue “morder” o disco. Dentro do carro, o piloto sente que o pedal fica mole — ele pode até tocar o assoalho e, mesmo assim, o carro não freia.
Caso fosse este o caso do carro de Tristan, o ato de bombear os freios poderia ajudar a recuperar um pouco de pressão e poder de frenagem — ainda que, considerando a velocidade atingida no fim da reta, isto pouco fosse adiantar. De qualquer forma, como provavelmente se trata de um carro de corrida, é mais plausível que tenha sido outro tipo de fading o responsável pela perda dos freios: a vitrificação da pastilha.
Em temperaturas muito altas, o metal da pastilha altera suas propriedades: normalmente porosa, a pastilha fica mais dura e lisa, quase como um espelho, o que reduz bastante o coeficiente de aderência contra o disco, em um processo chamado vitrificação. Nesse caso, a solução é reduzir o passo e dar umas voltas de cool down para esfriar os freios.
É possível tomar algumas medidas para reduzir o fading dos freios. Em carros de rua, um dos primeiros upgrades que se deve fazer antes de ir para a pista é substituir o fluido original por outro, mais voltado ao desempenho. São fluidos que conseguem conservar suas propriedades sob temperatura muito mais alta antes de entrar em ebulição — é possível forçar os freios muito mais antes de experimentar a perda de pressão. Só é importante lembrar que, quanto mais tolerante a altas temperatura for o fluido de freio, maiores são suas propriedades higroscópicas — ou seja, mais eles absorvem a umidade do ar, e duram menos por isto.
Discos ventilados, slotados e perfurados: melhor dissipação de calor, menos fading
Também é possível ir mais fundo e colocar discos mais espessos (que dissipam melhor o calor e levam mais tempo para superaquecer o fluido nos flexíveis), escolher rodas com um design que otimize a ventilação e até mesmo considerar a instalação de dutos de ventilação, que coletam o ar da dianteira do carro (através da grade, por exemplo) e o levam direto ao freio.
Em um carro de corrida, que certamente já tem fluidos de alta performance e dutos, é mais provável que o fading tenha ocorrido pela vitrificação das pastilhas. Nesse caso, não há muito o que fazer: é até possível escolher pastilhas que suportem maiores temperaturas por mais tempo, mas o fading é inevitável em freios de metal. Freios de carbono-cerâmica, que dificilmente sofrem com o fading, ainda são muito caros e reservados a categorias de turismo.
De qualquer forma, a demonstração de habilidade do piloto — assim como sorte que ele teve em não ferir a si mesmo nem outras pessoas — vão ficar registrados.