Um caso relativamente recente, que ainda deixa os entusiastas um tanto chateados, é o do Mitsubishi Eclipse. O carro que já foi um cupê esportivo cultuado, mesmo com tração dianteira, ao longo de ; e que tornou-se um dos ícones do tuning nos anos 2000, hoje é um crossover-cupê chamado Eclipse Cross.
Uma vez que você amadurece e entende que o mundo não funciona da forma como você quer, o Eclipse Cross faz sentido: um nome forte, que pode até ser nostálgico para quem já quis (ou já teve) um Eclipse tunado, mas hoje é um chefe de família que só compra crossovers. E poderia ser pior – poderia ser só “Eclipse”, sem o “Cross”. Já pensou? Ao menos, do jeito que está, é como se o Eclipse original ainda não estivesse morto de vez.
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A última das quatro gerações que o Eclipse teve foi descontinuada em 2011, como modelo 2012. Não foi a mais marcante, (as duas primeiras disputam esse posto), mas era um carro mais que digno por seu visual, que remetia à segunda geração, e pelo motor V6 de 267 cv da versão GT. Pecava pela tração dianteira mas, no mundo real, era um carro estiloso, de potência mais que razoável e, em retrospecto, merecia o nome Eclipse.
Vamos fazer um exercício de imaginação e realidade alternativa aqui. E se a Mitsubishi tivesse aproveitado a base do último Eclipse para dar a ele uma versão esportiva verdadeiramente desejável? Seria possível salvá-lo?
O mais irônico é que sequer precisamos quebrar a cabeça ou ir muito longe, porque a própria Mitsubishi já mostrou o que teria feito, lá no distante Salão de Detroit de 2006. Seu nome: Mitsubishi Eclipse Ralliart Concept. Mas pode chamar de “Eclipse Evo” porque, convenhamos, ele era exatamente isso: um Eclipse com todo o powertrain do Lancer Evolution contemporâneo – o Evo VIII. O resultado ficou tão fodástico quanto esse aí que você imaginou.
O carro foi feito, como o nome diz, pela divisão Ralliart da Mitsubishi – a mesma responsável pelos Evo que correram (e venceram!) no WRC, com Tommi Mäkinen ao volante, mas que também estava por trás dos Pajero que dominaram o Rally Dakar nos anos 2000. E boa parte dos esportivos de rua da Mitsubishi tinham um dedo da Ralliart, ou as duas mãos, no processo de desenvolvimento.
A ideia era demonstrar o potencial da quarta geração do Eclipse, então recém-revelada. Era uma tarefa importante, pois a terceira geração, que durou entre 2000 e 2005, não obteve a mesma aceitação das anteriores – tinha estilo carregado, com vincos profundos nos para-choques e na parte inferior das portas, Também era mais pesado e, com o motor V6 de três litros que entregava 210 cv na melhor das hipóteses… não empolgava tanto.
O quarto Eclipse era mais potente e, para a maioria, bem mais bonito. Com todos os recursos à mão e um belo powertrain já pronto, por que não juntar tudo e fazer o Eclipse que todo mundo gostaria de ver?
A Ralliart partiu do Eclipse GT como base – a versão mais potente e com visual mais agressivo. O motor V6 de 3,8 litros deu lugar ao consagrado 4G63T, 2.0 turbo que na encarnação do Evo VIII entregava pelo menos 280 cv (potência da versão japonesa, sujeita ao acordo de cavalheiros entre as fabricantes), bem como todo o sistema de transmissão. Incluindo a tração integral, algo que o Eclipse havia perdido desde a terceira geração.
O motor foi instalado sem grande dificuldade – afinal, era um projeto oficial, com todo o suporte de fábrica a que tinha direito. E até poderia ter ficado totalmente stock, mas não: a Ralliart procurou a HKS e descolou com eles comandos de perfil mais agressivos e uma nova admissão, além de outros itens que nunca foram revelados, para chegar a “aproximadamente 400 cv”, de acordo com o material da época. Apostamos também em um retrabalho de fluxo no cabeçote e, claro, uma reprogramação na ECU.
Além do motor, a transmissão toda foi transplantada: câmbio manual de seis marchas com embreagem de disco triplo e o sistema de tração nas quatro rodas do Evo MR. Que não era qualquer um, pois vinha com toda as assistências – controle ativo de guinada (Super AYC), diferencial ativo (ACD) e ABS – recalibrados com ênfase no desempenho.
Não parava por aí: a Ralliart também deu fez um complete makeover na carroceria, com painéis de fibra de carbono no capô, para-lamas, teto e para-choques. O capô tinha uma entrada de ar para ajudar na admissão e também no resfriamento do 4G63T, e a tampa do porta-malas ganhou uma nova asa que, surpresa, também era de fibra de carbono.
O compósito também foi usado, acredite se quiser, nas rodas. Em 2006! As rodas de 20 polegadas eram pintadas de dourado, escondendo o material de que eram feitas, e calçavam pneus Yokohama.
Por dentro havia mudanças relativamente simples, como instrumentos aftermarket, um volante Momo com forração em Alcantara com costuras vermelhas, bancos concha com cintos de quatro pontos e manopla de câmbio de aço escovado. Para ajudar na redução de peso, o banco traseiro foi eliminado.
Fora os instrumentos, tudo parecia pronto para ganhar as ruas, e provavelmente alimentou esperanças em muita gente quando o Eclipse Ralliart foi revelado há 15 anos. Mas, evidentemente, não aconteceu.
A Mitsubishi diz que o carro nunca foi testado de verdade na pista mas, sinceramente, nós duvidamos que os engenheiros e pilotos de teste da Ralliart não tenham colocado esse monstrinho para rodar. Também apostamos firmemente que eles adorariam ter colocado o Eclipse Ralliart nas lojas, mesmo que em uma série limitadíssima.
Isso não aconteceu por um motivo simples: apesar no capricho no projeto (e dos gastos – fibra de carbono não é um material barato hoje, e muito menos em 2006), a Mitsubishi ainda estava em uma situação delicada. No ano anterior, o Grupo Mitsubishi precisou intervir, investiu o equivalente a R$ 2,4 bilhões para adquirir a maior parte da Mitsubishi Motors, que operava de forma independente naquela época. Foi o bastante para garantir a sobrevivência da fabricante, mas não era o suficiente para apostar alto em carros de nicho.
Havia, porém, um segundo fator: o próprio Evo, que na geração VIII converteu-se de lenda dos ralis a ícone cultural, influenciado por aparições na franquia “Velozes e Furiosos” e nos games de corrida da época, onde qualquer um podia fazer seu Evo dos sonhos. Um Eclipse com o mesmo powertrain poderia causar conflito na linha, mesmo que os dois carros tivessem propostas diferentes. Por outro lado, podemos ser “otimistas retroativos”, e pensar que um Eclipse Evo podia ter sido a salvação do cupê, provando que ele tinha muito mais potencial a ser explorado. Só não teve tempo para isso.
Se serve de consolo, a asa traseira chegou às concessionárias como acessório…