No dia 17 de Abril de 1964, Henry Ford II revelou ao mundo um novo esportivo, durante a Exposição Mundial em Nova York. Simultaneamente, milhares de concessionárias Ford por todos os EUA começaram a vender o novo esportivo. Naquele dia, 22 mil exemplares do novo Ford foram vendidos a clientes ansiosos — os primeiros dos mais de 400 mil que seriam entregues aos novos donos no primeiro ano de produção. Começou ali a história do Mustang, que hoje completa exatamente 50 anos. Esta é nossa singela homenagem ao carro que é um dos maiores símbolos da cultura automotiva americana.
O ‘Stang é um daqueles carros que são reconhecidos como ícones sobre rodas mesmo por quem não é um car lover e, sendo assim, são gigantescas as chances de você saber que, na década de 60, o Chevrolet Corvette reinava absoluto como único esportivo do mercado americano, e a coisa mais próxima que a Ford tinha do ‘Vette era o Thunderbird, que há algum tempo havia perdido seu encanto. O Corvette era um carro menor, mais leve, mais barato e muito potente, e era isso que o americano queria.
Então, em 1962, Henry Ford II encomendou a Lee Iacocca, chefe da divisão de marketing da Ford à época, um carro nos moldes do Corvette. Iacocca, por sua vez, chamou o designer John Oros e o ajudou a criar o conceito Mustang, cujo nome homenageava o caça P-51 Mustang. Era um carro pequeno, com motor central-traseiro e transeixo, de dois lugares e desenho futurista — a única coisa em comum com o modelo de produção que seria apresentado dois anos mais tarde.
Foi preciso mais alguns conceitos, como este aí em cima, de 1963, para definir que o carro teria um motor V8 na dianteira em vez de um V4 na traseira. A configuração o acompanhou por estas cinco décadas — até mesmo em sua fase negra, em 1974, quando entrou em cena a segunda geração, de visual sem graça e uma versão “esportiva” de risíveis 134 cv. Nem mesmo as versões de quatro cilindros que estrearam na geração seguintes eram tão ruins e tão odiados quanto o Mustang II.
Em 50 anos, o Mustang foi o esportivo para as massas, um dos carros mais vendidos dos EUA, referência em desempenho com desenho contemporâneo, arauto da onda retrô e base para verdadeiras monstruosidades (no melhor sentido) sobre quatro rodas. Agora, o Mustang ousa mais uma vez, deixando de lado a estética inspirada no passado para sua sexta geração, que tem tudo para continuar sendo referência em desempenho.
Claro que o Mustang não é melhor esportivo de todos os tempos e nem imune a críticas, mas hoje é o dia dele, e por isso nós vamos homenageá-lo (e tentar esquecer que a segunda geração existiu) selecionando os dez Mustang mais incríveis já feitos nestes 50 anos — convenhamos, uma tarefa quase impossível.
1965: Shelby GT 350
O primeiro da lista é também o primeiro Mustang idealizado e preparado pelo texano Carroll Shelby, feito especialmente para se adequar às regras de homologação da SCCA (Sports Car Club of America), órgão responsável por competições como a Can-Am e a Trans-Am. O ponto de partida era o recém-lançado Mustang fastback (os primeiros modelos eram conversíveis ou cupês hardtop), que tinha peso extremamente aliviado e um motor V8 small block de 289 pol³ (4,7 litros) e 310 cv. O carro ganhava freios maiores, o eixo rígido traseiro de Ford Falcon era substituído pelo do Ford Galaxie, mais resistente e o banco traseiro era removido (os carros da SCCA só podiam ter dois lugares, e ainda aliviava peso!). Em alguns exemplares, a bateria era deslocada para o porta-malas. Todos os carros eram pintados na clássica cor Wimbledon White e, ao contrário do que se costuma acreditar, as faixas azuis eram opcionais, embora seja praticamente impossível encontrar um GT350 1965 sem elas.
Naquele ano, 562 unidades do GT350 foram produzidas, o que o torna um carro bem raro e cobiçado. Como se não bastasse, destes, 36 são da variante GT350R, de corrida, com para-choques integrados e nenhum luxo por dentro — forrações, ar-condicionado, isolamento acústico? Luxo desnecessário: o negócio era ter janelas de plexiglass, gaiola e bancos de competição.
1967: Shelby GT500 Super Snake
Em maio do ano passado, aquele que talvez seja o melhor e mais raro Mustang clássico do mundo foi leiloado pela Mecum durante o 26º Spring Classic Auction, em Indianapolis. Trata-se do Shelby GT500 Super Snake que, a princípio, seria usado apenas para demonstrar os novos pneus “Thunderbolt” da Goodyear durante um evento para a imprensa. Contudo, um encontro casual com um velho amigo, o ex-gerente de vendas da Shelby American Don McCain, fez com que Shelby decidisse expandir seus planos.
McCain, como quem não queria nada, sugeriu que Shelby colocasse um motor V8 427 igual ao usado no Ford GT40 em Le Mans. Coisa pouca, né? Nenhum dos dois devia bater muito bem, porque Shelby adorou a ideia e encomendou a um de seus engenheiros um GT500 preparado com o motor do GT40 MkII, que ficou com os três primeiros lugares nas 24 Horas de Le Mans de 1966. Trata-se de um V8 big block 427 (7 litros) de mais de 600 cv. Com ele, Shelby chegou aos 273 km/h em suas voltas de demonstração antes que o piloto de testes pudesse rodar por 500 milhas (804 km) ininterruptas no circuito oval de testes da Goodyear a uma média de 228 km/h.
O plano seguinte era vender mais 50 unidades do GT500 Super Snake, como o carro foi chamado, porém o preço sugerido por Shelby, US$ 8 mil, era proibitivo na época — nem um Cobra 427 custava tudo isso. Por isso, McCain desistiu da ideia e este foi o único GT500 com motor de GT40 construído. O martelo foi batido por US$ 1,3 milhão — mais de R$ 2,9 milhões —, tornando o carro o mais caro Mustang já vendido na história.
1970: Ford Mustang Boss 302
O início da década de 70 também costuma ser visto por alguns como o início da decadência do Mustang, que já era muito maior, mais pesado e não tinha o mesmo desenho elegante dos primeiros modelos. Contudo, valores estéticos são subjetivos — competência mecânica, não. E isso o Mustang Boss 302, de 1970, tem de sobra. Ironicamente, o cara por trás do 302 foi Larry Shinoda, um ex-engenheiro da Chevrolet que teve papel importantíssimo no desenvolvimento do Corvette, e que foi contratado pela Ford em 1968 com a missão de melhorar a imagem do Mustang e torná-lo ainda mais capaz de bater de frente com o então recém-lançado Chevrolet Camaro.
Dizem que Larry Shinoda chamou o carro de “Boss” por causa do novo presidente da Ford na época, Bunkie Knudsen, que o trouxe da GM para a Ford — era uma forma de agradecer ao chefe. “Boss 302” também foi o nome do motor desenvolvido por Larry, que usava o bloco do V8 302 Windsor (o mesmo que equipou o nosso Maverick), porém cabeçotes e demais partes do V8 Cleveland de 351 pol³ (que também teve uma versão de 302 pol³ para o mercado australiano). Era um motor híbrido, no melhor sentido possível: os componentes do motor maior exigiram algumas adaptações, como o uso de quatro parafusos por mancal em vez de dois, porém os dutos e válvulas maiores, novos coletores de admissão e comando de válvulas. O resultado era um monstro de 294 cv e 40 mkgf de torque — um número bem alto em 1970. Pensando bem, até hoje — ou você acha que dirigir um muscle car de mais de 40 anos e quase 300 cv é brincadeira?
O visual do Mustang podia ter mudado bastante em seis anos, mas é difícil não gostar da aparência musculosa, da dianteira mais agressiva e da persiana sobre o vidro traseiro. Clássico (e inspirou um dos Mustang mais rápidos da atualidade, que vai aparecer na próxima parte).
1984: Ford Mustang SVO
Dez anos depois do lançamento o Mustang ganhava sua segunda geração. Sinceramente, não há nada digno de nota no Mustang II, e provavelmente por isto sua geração durou apenas quatro anos. As coisas só começaram a melhorar alguns anos depois que a terceira geração foi lançada — mais precisamente em 1984, com a chegada da chamada plataforma Fox, e do Mustang SVO.
Hmmm… não
A Special Vehicle Operations foi fundada em 1981. A divisão foi criada para projetar, desenvolver e comercializar projetar componentes de alto desempenho e acessórios relacionados aos programas de automobilismo da Ford. Era o embrião do Special Vehicle Team, que tem no portifólio as Ford Lightning e Raptor e o Ford GT, só para citar alguns.
O Ford Mustang SVO foi o primeiro veículo criado para demonstrar estes componentes. Apesar de não ter um V8 debaixo do capô, ele foi o modelo mais potente da família entre 1984 e 1986. O motor era um quatro-cilindros de 2,3 litros turbinado com intercooler, emprestado do Ford Thunderbird Turbo Coupe (e derivado daquele que equipou o Maverick no Brasil), bom para respeitáveis 175 cv e 29 mkgf de torque o câmbio era um Borg-Wagner manual de cinco marchas — em 1986, quando saiu de linha, já eram 200 cv e 33,2 mkgf de torque.
Boa parte das modificações mecânicas, porém, não estavam no motor: a suspensão dianteira teve a geometria retrabalhada, com amortecedores e molas ajustáveis Koni, e a caixa de direção recebeu uma relação mais direta. O eixo traseiro recebeu diferencial de deslizamento limitado, e os freios receberam discos ventilados nas quatro rodas (emprestados do Lincoln Continental).
Por dentro, pedais especiais ajurdavam no punta-tacco, a alavanca de câmbio era da Hurst e o interior tinha recursos como ar-condicionado, vidros e travas elétricas e freio de emergência. A ideia era competir com os alemães, como o BMW Série 3. Não deu muito certo, mas ao menos eles fizeram um Mustang de quatro cilindros que não teríamos vergonha de dirigir por aí.
Além disso, o SVO foi o precursor de uma das variações mais potentes e rápidas do Mustang: o SVT Cobra. Mas este fica para a próxima parte do nosso especial!
Veja também:
Especial 50 anos: os melhores Mustang de todos os tempos — parte 2