É oficial: com a febre de track days e hot laps que está dominando a cena dos fãs de pista e de carros preparados, os freios deixaram de ser conversa do tipo “lição de casa”. Não são mais aquele assunto de segurança que surge por último nos bate-papos de encontros de postos de gasolina. Se tornaram um elemento de desempenho de alta prioridade. Não é à toa: um carro que freia melhor pode manter mais tempo de aceleração, além de ser mais seguro, previsível e confiável.
Num autódromo, um automóvel que freia mal ou que superaquece o sistema rapidamente é absolutamente impotente – por melhor que seja o restante do conjunto. Pior: sem confiança num equipamento cuja performance está sempre variando, o piloto também não explora os limites e ainda tende a errar mais.
Esta série de posts será dedicada a jogar uma luz no momento da pilotagem que Jim Clark dizia ser o diferencial entre um piloto bom e um excepcional: a frenagem. Contudo, não dá pra conversar sobre pastilhas macias, discos slotados, sistemas de refrigeração ou pinças de seis pistões sem debatermos alguns tópicos essenciais – trail braking, threshold braking? Não, nada disso. Antes de qualquer coisa, precisamos falar de pneus. Sempre eles…
O primeiro upgrade no sistema de frenagem, depois da troca de especificação do fluido de freio e das pastilhas, é o uso de pneus esportivos. Se a sua ideia é performance (e segurança), fuja das marcas “genéricas” das matrizes, pneus chineses, remold, pelo amor de deus! Tem gente que gasta uma fortuna de motor, rodas, freios e suspensão, e economiza trocados no mais importante. O potencial de frenagem do carro depende quase que 100% da quantidade de aderência gerada pelos pneus. É por isso que um veículo freia mal em piso molhado e virtualmente não freia no gelo – não importa se é um Nissan March ou uma La Ferrari.
Então, antes de pensar em qualquer upgrade no sistema de freios, primeiro devemos ter os melhores pneus que podemos pagar, nas melhores condições possíveis e nas maiores dimensões que pudermos colocar – e sempre conservados e na pressão adequada.
Borracha nova é que faz corrida boa
Sobre isso, é importante frisar: não caia no papo furado do seu amigo piloto de bairro, quando ele diz que pneus carecas freiam melhor porque há mais área em contato com o solo. Isso é uma meia-verdade transformada em mentira por orelhada. A área efetiva de contato pode ser maior, mas o estado do composto, ressecado, agredido pelo ozônio do ar e pelos raios UV do sol e carente dos óleos que fazem parte da borracha novinha; se traduz em um pneu duro, que trava fácil em frenagens fortes e com baixo potencial de adesão – em arrancadas, frenagens e curvas.
Em algumas categorias de automobilismo de base é comum o shaving (vídeo acima) – técnica de remoção quase completa da camada sulcada dos pneus. O shaving funciona porque os sulcos do pneu original aumentam a temperatura da carcaça, fazem os bloquinhos da banda de rodagem torcer e, claro, aumenta-se a área de contato ao eliminá-los. Mas isso é completamente diferente de se usar pneus velhos e carecas. E outra coisa: o shaving é uma brincadeira cara. Você está literalmente cortando fora dinheiro.
A diferença do estado dos pneus em cada eixo também vai ditar o comportamento em frenagem. Se os pneus traseiros estão mais gastos do que os dianteiros, no limite da frenagem a traseira vai dançar – pouco ou muito, dependendo do estado deles e do piso. No caso oposto, com o rodado frontal mais gasto, há enorme tendência ao travamento das rodas dianteiras – e com elas congeladas arrastando no chão, o volante esterça, mas o carro não vira.
Tamanho é documento
Na década de 1970, um esportivo – como o Porsche 911 – costumava usar rodas de 16 polegadas de diâmetro, tendência que se manteve por quase toda a década de 1980. Apenas no fim dos anos 1980 que as rodas 17″ começaram a aparecer nos carros mais extremos (por exemplo, a Ferrari F40). Com o passar do tempo, elas foram crescendo mais e mais: hoje, a superperua Audi RS6, por exemplo, usa rodas de 21 polegadas.
O que está por trás disso? Acima de tudo, rodas grandes possibilitam o uso de pinças mais parrudas (com até oito pistões!) e discos maiores – a RS6 aí em cima tem rotores de 420 mm na dianteira. Discos grandes não apenas freiam melhor pela maior distância em relação ao centro (uma espécie de alavanca formada pela inércia rotativa) como também dissipam melhor o calor. Outra vantagem, mais sutil, mas ainda importante, é o fato de a área da banda de rodagem em contato com o solo ficar mais comprida – é a mesma razão pela qual os pneus de arrancada possuírem diâmetros tão insanos: mais aderência longitudinal. Apenas o sentido é oposto: em vez de acelerar, frear.
A largura também faz muita diferença no potencial de frenagem, lembre-se: apesar de a cartilha dizer que só devemos frear em linha reta, tecnicamente, o carro raramente vai estar 100% alinhado – especialmente em situações mais técnicas e limítrofes, como o trail braking, técnica de freada que se prolonga até o início da curva (teremos um post só sobre isso, não se preocupe). Apenas tenha dois cuidados: atente ao espaço disponível na caixa de roda para que o pneu não raspe na borda do para-lama e siga a recomendação do fabricante do pneu para a largura da sua roda. Exemplo: para a medida 195/60 R14, a BF Goodrich recomenda largura de roda entre 5,5 e 7″. Outras marcas terão outras recomendações, veja sempre caso a caso.
Quando falamos em carros preparados com peças aftermarket, aumentar o diâmetro das rodas também significa ter à sua disposição uma maior gama de modelos de pneu de alta performance. Neste sentido, a diferença de ofertas entre os aros 14 e 17, por exemplo, é imensa.
Nesta questão de dimensões, contudo, existem algumas desvantagens em se aumentar o diâmetro. A principal delas é que rodas grandes trazem mais massa para ser desacelerada – e inércia rotativa é uma desgraça, tem um pênalti muito maior do que a sua massa em si. É por isso que marcas como a japonesa Rays investiram tanto para produzir rodas forjadas extremamente leves, como a famosa Volk TE37 (foto acima) – além de se ganhar em frenagem e aceleração, a suspensão trabalha com mais fidelidade ao piso.
É também por isso que o combo discos pequenos + rodas grandes e relativamente pesadas (foto abaixo), tão adotado pela galera mais street culture, é uma ideia pouco interessante. Claro, considerando o preço astronômico dos sistemas de freios de alta performance e a carga de impostos do nosso País, diria que esta situação é até compreensível, ao menos de forma temporária. Por causa da inércia rotativa, o ideal é sempre usarmos o maior disco que cabe dentro das rodas sem haver contato da pinça com a face interna do aro, claro.
Outra desvantagem que pode aparecer quando o diâmetro total do pneu é maior do que o original (alteração que, vale lembrar, não é permitida pelo CTB): além de se perder a precisão do velocímetro, a dinâmica na geometria da suspensão também sofre alterações com a rolagem de carroceria e a consequente compressão e extensão da suspensão. Via de regra, o bom é evitar mudar o diâmetro total – por exemplo, se o pneu do seu carro é um 205/55 R16, dá para usar um 225/45 R17 sem problemas, pois eles possuem o mesmo diâmetro (claro, se há espaço para esta largura).
Uma forma de se reduzir estas alterações em geometria é o uso de molas mais baixas e com mais carga, além de buchas de material mais firme (uretano ou poliuretano) e amortecedores esportivos, mas isso é papo off the record: oficialmente, todos vão falar para você não mexer no diâmetro dos pneus e ponto final.
Quebrando limites
Não há dúvidas de que pneus esportivos freiam melhor. Primeiro, eles usam compostos mais macios, com maior capacidade de adesão ao solo. Depois, o desenho de sua banda de rodagem tem blocos maiores e contínuos, resultando em uma área efetiva de contato maior. Por fim, seus sulcos são bem mais rasos, resultando em um comportamento mais estável com as forças de aceleração – o que inclui a desaceleração.
Mas a história não é só romance: por ter carcaça mais rígida e os blocos da banda de rodagem torcerem menos, pneus de alta performance frequentemente dão menos aviso de seus limites – tanto nas curvas quanto nas freadas. Se aquele Pirelli ou Goodyear que veio no seu popular dá um monte de avisos sonoros (um cantar grave) e táteis (leve vibração no volante) de seu limite de aderência na freada, saiba que um slick de competição trava sem muita cerimônia, especialmente quando estão frios. Aliás, esta maior variação de comportamento em relação à temperatura acontece, em menor grau, na maioria dos pneus high end. Tudo isso faz parte do jogo e não tem muito como ser evitado.
Por último, vale lembrar: o uso de alguma cambagem negativa (teremos um post só sobre isso) é essencial para um bom desempenho no autódromo, mas ela também reduz a área de contato do pneu com o solo. É normal perder um pouco de potencial de frenagem, especialmente quando os pneus são largos – pneus estreitos sofrem menos com isso.
Nos próximos posts desta série, vamos começar a falar sobre técnicas de frenagem, sempre alternados com conversas sobre equipamentos e ajustes.