Na segunda parte deste especial, quando falamos sobre turbo lag, spool e intercoolers, eu perguntei se você já havia dirigido um esportivo turbo dos anos 1980 ou 1990. Isso, porque o turbo lag, o tempo de spool e a falta de intercoolers eram características comuns de um carro turbo da época. Nesta terceira parte, os carros que vou tomar como exemplo são o oposto dos esportivos turbo dos anos 1980 e 1990.
Se você já dirigiu um carro downsized, já percebeu como as resposta do motor são quase imediatas. O tempo de “encher” a turbina e o tempo de produzir potência são ambos baixíssimos. Porém o problema agora aparece em altas rotações: o motor parece amarrado, ou parece simplesmente apenas manter o carro em movimento, e não mais “puxando”o carro.
É uma característica dos motores downsized: eles têm deslocamento pequeno, então não há muito volume de gases de escape. Isso exige que se use um turbo com a caixa quente pequena, o que limita o volume da caixa fria. Então nas rotações mais altas o turbo já estará em seu limite, e não terá mais aquele crescendo consistente que ele apresenta das 1.500 rpm até cerca de 4.000 rpm ou pouco mais.
O que acontece é, literalmente, o problema do cobertor curto: se você usa um turbo maior, ele irá sofrer com o turbo lag/turbo threshold. Se você usa um turbo pequeno, ele irá amarrar o carro em alta. Se você procurar um turbo mais equilibrado, terá um pouco de lag e um pouco de motor amarrado.
Isso é um problema que os fabricantes e engenheiros de motor tentam contornar desde o momento em que colocaram um turbo em um motor. O Porsche 930 não ganhou a fama de “viuva negra” a toa.
O carro tinha um turbo enorme para produzir muita potência em altas rotações. O tempo de spool era medido em séculos. E aí quando o ar pressurizado finalmente entrava na câmara de combustão e, misturado à gasolina, explodia controladamente contra o pistão, o que se seguia era uma entrega violenta de potência nas rodas traseiras. E como o 911 já tem a traseira alegre, com forte tendência a movimentos pendulares… o resultado era um sobre-esterço que acabou com a diversão de muita gente.
Esse problema também apareceu na Fórmula 1 na virada dos anos 1970 para os anos 1980, quando os motores turbo começaram a aparecer. Como os turbos eram limitados a 1,6 litro, os engenheiros adotavam um ou dois turbos imensos. Para tornar os carros mais previsíveis, eles recorreram a um recurso tão engenhoso quanto espetacular: o afterfire.
Afterfire é o que chamamos popularmente de backfire. É quando parte a mistura ar-combustível não é queimada na câmara de combustão e acaba chegando ao sistema de escape, gerando aquelas chamas que tanto nos fascinam. Mas como isso acontece?
A eficiência do motor de combustão depende da proporção ideal entre combustível e comburente. Esta razão entre ambos é conhecida como estequiometria. No caso da gasolina, por exemplo, a razão ideal é 14 partes de ar (comburente) para cada parte de gasolina (combustível), ou 14:1. Caso a proporção de ar seja maior que a ideal, teremos uma mistura pobre. Se a proporção de ar for menor que a ideal — normalmente pelo excesso de combustível —, a mistura será rica.
Esse conceito é fundamental para entender como ocorre o afterfire (ou afterburn). Em situações nas quais a mistura ar-combustível está muito rica, a queima acontece de forma incompleta, resultando em combustível residual. Este combustível residual é expelido da câmara de combustão junto com os gases resultantes da queima, e acaba chegando ao coletor de escape.
Como a temperatura do escape é superior a 500ºC (ou 800ºC em carros de corrida), esse combustível acaba queimado ali mesmo, resultando em pequenos estouros ou até mesmo nas admiradas chamas expelidas pelo escape.
O afterfire pode acontecer ocasionalmente, quando o motorista alivia o acelerador, fechando subitamente a borboleta de admissão e interrompendo o fluxo de ar que faria a mistura com o combustível injetado/dosado pelo sistema de combustível. Com isso a mistura fica momentaneamente rica e o combustível queima no escape.
Mas o afterfire pode ser provocado propositalmente por algumas razões. A mais conhecida delas é para minimizar o lag do turbo — algo que foi muito utilizado pelos carros do WRC e da Fórmula 1 nos anos 1980. Quando o piloto está com o pé embaixo, os gases de escape passam quase continuamente pela turbina, produzindo a pressão de trabalho do turbo. Mas quando o piloto alivia o pé, o fluxo de gases é reduzido drasticamente, fazendo a turbina girar mais devagar e, consequentemente, produzindo menos compressão do ar admitido.
Ao retomar a aceleração, os gases de escape voltam a fluir rapidamente pela turbina, mas ela precisa de alguns instantes até voltar à sua velocidade ideal, na qual o compressor irá pressurizar o ar admitido. Esses instantes entre a retomada da aceleração da turbina/compressor e a pressurização do ar admitido é o que chamamos de turbo lag.
Para minimizar ou eliminar o turbo threshold, é preciso manter a turbina/compressor girando em sua velocidade ideal ou próximo dela. Alguns carros modernos fazem isso com eletricidade: ao aliviar o acelerador, a turbina continua girando pois seu eixo está conectado a um motor elétrico. Mas nos anos 1980 a solução para manter a turbina girando nas frenagens e desacelerações foi justamente usando o afterfire.
Os carros de F1 e rali, que já usavam injeção eletrônica, adotavam um mapeamento que enriquecia a mistura propositalmente para que parte do combustível chegasse não-queimada ao escape. Assim, quando o acelerador era aliviado nas frenagens e/ou trocas de marcha, o combustível chegava ao coletor de escape onde era queimado pela altíssima temperatura. Os gases dessa queima no escape (afterfire), assim, mantinham a velocidade da turbina em situações nas quais ela normalmente perderia velocidade.
Turbo “pulsativo”
Infelizmente não é mais possível fazer com que o combustível chegue não-queimado ao escape. Na verdade é possível, mas não aceitável. Imagine um Chevrolet Onix cuspindo fogo ao virar a esquina da padaria…
Também há a questão das emissões: a queima incompleta libera um volume maior de monóxido de carbono e as regras de emissões jamais permitiram que um carro que usa afterfire para reduzir as respostas do motor chegasse às ruas.
Por isso, os fabricantes começaram a procurar formas de minimizar o tempo de spool e o turbo lag. Uma das primeiras soluções foi o turbo “pulsativo”, que é o nome popular do turbo de dupla voluta. Ele tem esse nome pois sua voluta — a parte que recebe os gases de escape na turbina — é dividida em duas metades.
Uma metade recebe os gases de um cilindro, e a outra metade do cilindro seguinte pela ordem de ignição. Desta forma, o volume a ser preenchido para mover a turbina será menor, diminuindo o tempo de spooling e, consequentemente, a entrega de potência. Só que a dupla voluta ainda mantém o problema de amarrar o motor em alta. E para resolver isso, a tecnologia entrou em cena para criar os turbos de geometria variável.
A geometria variável
Em um turbo de geometria fixa existe uma abertura em forma de bocal que se estende por quase todo o raio da voluta. Este bocal transforma a energia pneumática dos gases de escape em cinética e é isso que move o rotor. Em um turbo de geometria varíavel, em vez dos bocais há lâminas móveis que se movem para variar o diâmetro da abertura, o que resulta na variação geometria do bocal. Daí o nome “turbo de geometria variável”.
Na matéria anterior dissemos:
A geometria do turbo é um elemento fundamental porque é ela quem determina o tempo que o turbocompressor irá levar para produzir pressão positiva. Isso acontece porque a área é inversamente proporcional à velocidade do fluxo — quanto maior a área, menor a velocidade do fluxo, mais lentamente o rotor do turbo irá girar, mais lentamente o compressor irá girar, maior será o tempo necessário para atingir pressão positiva.
Por isso, a velocidade do fluxo na turbina é um fator crítico para a pressurização, então as dimensões da voluta (o duto de admissão da turbina) são reduzidas para que a velocidade do fluxo seja aumentada e a pressão positiva seja atingida mais rapidamente.
Acontece que à medida em que a velocidade do motor aumenta, o fluxo de gases também aumenta. E como se reduziu a voluta para que a turbina girasse mais rapidamente, em determinado ponto a voluta não terá mais espaço físico para admitir os gases de escape, limitando a velocidade da turbina e, consequentemente, a produção de potência em altas rotações.
Isso acontece devido à restrição gerada pela limitação do espaço. Com maior velocidade do motor, em determinado ponto haverá uma limitação física para o fluxo de gases, causando aquela sensação de motor “amarrado”. Para resolver esse problema, os fabricantes trouxeram a tecnologia e criaram os…
Turbos de Geometria Variável
Em um turbo de geometria fixa existe uma abertura em forma de bocal que se estende por quase todo o raio da voluta. Este bocal transforma a energia pneumática dos gases de escape em cinética e é isso que move o rotor. Em um turbo de geometria varíavel, em vez dos bocais há lâminas móveis que se movem para variar o diâmetro da abertura, o que resulta na variação geometria do bocal. Daí o nome “turbo de geometria variável”.
Nas rotações mais baixas as lâminas se fecham formando aberturas de menor diâmetro. Veja na imagem abaixo como o ângulo formado pelos bocais faz o fluxo adentrar de modo tangencial, consequentemente encontrar as lâminas do rotor num ângulo mais próximo do perpendicular. Isso gera uma grande quantidade de força aplicada. Nas rotações mais altas as lâminas se abrem, aumentando o diâmetro dos bocais e tornando a entrada do fluxo mais paralela ao rotor, aumentando a capacidade volumétrica e a vazão da turbina.
É possível posicionar as lâminas em qualquer ângulo entre o ângulo máximo e o mínimo por meio de um atuador, o que possibilita otimizá-las para toda e qualquer faixa de rotações do motor. Além disso, essa possibilidade de se variar a geometria dispensa o uso de válvula wastegate — a válvula que controla a velocidade da turbina e pressão no compressor.
Um novo problema e uma solução alternativa
O problema é que esse tipo de turbo têm um custo elevado para aplicação em veículos de menor valor agregado. Você não encontra geometria variável em um Volkswagen Nivus 1.0 TSI por causa deste “pequeno problema”, apenas na versão europeia do Nivus, o Taigo, que tem motor 1.5 turbo.
Como alternativa, os fabricantes passaram a usar turbocompressores com wastegates controladas eletronicamente. Essa é a grande diferença entre o desempenho dos motores turbo de hoje em dia e dos turbos dos anos 1990 e 1989. A ECU do motor controla o ajuste de abertura da válvula, então o fluxo e a pressão de trabalho do turbo são ajustados de acordo com a demanda, e não apenas pela pressão de descarga do compressor, como acontece nos turbos convencionais.
Esses turbos normalmente são pequenos, se considerarmos sua geometria em relação ao deslocamento dos motores nos quais eles são instalados — algo que atende à demanda por respostas rápidas em rotações mais baixas, além da produção de uma pressão significativa desde o início da operação.
Como os turbos pequenos são restritivos para as rotações mais altas, a válvula controla o fluxo de forma ativa e contínua, permitindo que se atinja uma potência máxima ao longo de boa parte da faixa de rotações.