Em um primeiro momento achamos que fosse um quadro de humor à la Monty Python ou talvez um 1º de abril fora de hora. Mas depois de um minuto e vinte segundos, a conclusão chocante: o vídeo bizarro de onde surgiu essa ideia, da Associação Automobilística Americana (AAA), é sério, real e provavelmente é uma das coisas mais irresponsáveis que um órgão deste tipo – a federação de clubes automotores dos EUA – já produziu.
Publicado em três de abril de 2012, a produção não é nova, mas continua a reverberar e a alienar muita gente. Nela, William Van Tassel, gerente de treinamentos de direção do AAA, busca argumentos para explicar que a postura ideal de direção, que, nas palavras dele, costumava ser a “10 para as 2” (no infográfico abaixo, ilustrado na cor laranja), passou a ser a “4 e 40” (vermelho) – ou, alternativamente, a “15 para as 3” (verde). De acordo com ele, esta mudança de recomendação ocorreu devido à evolução dos sistemas de direção e a presença dos air bags.
O primeiro absurdo é Van Tassel tratar a “15 para as 3”, também chamada de “9 e 15”, – que sempre foi e nunca deixou de ser a postura ideal – como novidade. Outra coisa estranha é Van Tassel sugerir que a posição tecnicamente ideal já tenha sido a “10 para as 2”, mostrada aos 10 segundos do vídeo. Mas nada disso se compara à grave sugestão do gerente de treinamentos para se usar a “4 e 40”. Há uma série de razões para a recomendação da AAA não só ser imprecisa, mas bastante perigosa tanto para o controle do veículo (segurança ativa) quanto para a saúde do motorista no caso de um acidente (segurança passiva). Por isso, embora estejamos falando de um vídeo velho, nos sentimos na obrigação moral de expor e combater este equívoco que o AAA cometeu.
Mas antes, prepare-se para possíveis convulsões.
E se você acha que eles são os únicos, veja como uma falácia pode criar eco:
Explicação histórica controversa, argumentos equivocados
Van Tassel diz que a posição “10 para as 2” costumava ser apropriada antigamente porque os carros não tinham direção hidráulica, e que portanto, era mais fácil esterçar o veículo puxando o volante para baixo com as mãos no alto. Só que William confunde hábitos populares e senso comum com instrução, chamando de apropriado um vício que tende a resultar naquilo que é conhecido popularmente no Brasil como posição de “ordenhador de vaca”. Nunca foi apropriado esterçar puxando para baixo o volante com as duas mãos.
Nesta posição “10 para as 2” (exibido entre os 10 s e os 25 s acima), o limite de esterçamento do volante fica na casa dos 90 graus, sobrecarregando os ombros com pouco giro da direção e exigindo que o motorista ou cruze os braços (algo pouco recomendado para direção nas ruas) ou faça o rodízio de mãos de forma precoce. Mais do que isso, note como o retorno do volante (como após dobrar a esquina) fica confuso, estabanado e resulta numa posição equivocada das mãos. O vídeo aí de cima corta malandramente o momento, que ocorre entre os 24 e 25 segundos, mas fiz questão de separá-lo nas imagens abaixo. Note como até o motorista se perde, começando a curva segurando o volante pela parte de cima e terminando a curva segurando-o por baixo e com as mãos juntas (amplie a imagem). Imagine um desvio de emergência sendo feito com esta postura caótica.
A posição que sempre permitiu o máximo de agilidade, precisão e torque com o mínimo de deslocamento do corpo e que induz a menos movimentos involuntários na direção sempre foi a “15 para as 3” (mãos separadas por 180 graus na horizontal), pois a contraposição simétrica das mãos combina as ações de se puxar com uma mão e empurrar com a outra no ato do esterçamento – além de se alavancar melhor as articulações e sobrecarregar menos os ombros. Usa-se melhor o corpo.
Veja tudo isso sendo feito por ninguém menos que Juan Manuel Fangio, em um Lancia-Ferrari D50, com direção grande, caixa de direção dura sem assistência e bastante desmultiplicada. É por isso que ele reposiciona as mãos antes da curva, mas sempre preservando a lógica dos “15 para as 3”, com 180 graus (ou seis horas) de separação entre elas. Ou seja, mesmo na década de 1950 a posição ideal já era esta.
Este vídeo da Mercedes-Benz AMG mostra o procedimento para se encontrar a posição adequada de pilotagem, e isso inclui, evidentemente, a posição correta das mãos. Aos 1:42, Tommy Kendall, instrutor de pilotagem da AMG, frisa outro problema do vício popular das “10 para as 2”: com esta posição, seu controle da direção fica como um pêndulo, o que é péssimo para o controle do veículo – especialmente em situações de emergência.
A sugestão “4 e 40” da AAA consegue ser ainda pior: além de irresponsável pelo lado da segurança, é impraticável. Todos os comandos presentes no volante e na coluna preveem que suas mãos estejam na posição “15 para as 3”: borboletas para trocas de marchas, alavancas de pisca, faróis e de limpadores, botões multifuncionais presentes nos raios, etc. É por esta razão que o aro do volante de quase todos os carros possui uma cavidade para o encaixe do seu polegar.
Outro argumento bizarro nesta posição sugerida pela AAA é dizer que “pessoas afirmaram que esta posição causa menos fadiga”. Isso é um falso positivo, porque com as mãos nesta posição, os cotovelos ficam apoiados na barriga ou nos apoiadores de braço – da porta e do console central. Mas você não está na sala de casa assistindo TV: você precisa controlar o veículo. Se a tal associação continuar seguindo por esta lógica absurda, vai acabar recomendando que os motoristas usem o encosto do banco em ângulo obtuso, como uma cadeira de praia. Afinal, desta forma há menos fadiga no cóccix.
Faça este exercício: segure um volante imaginário em suas mãos, na mesma posição demonstrativa da imagem do AAA. Agora, esterce o máximo que puder para a esquerda. A não ser que você seja o Dhalsim, não conseguirá esterçar mais do que 90 graus – metade do que é possível na posição “15 para as 3”, com muito menos agilidade e controle de esforço. Enquanto você está no seu limite de esterçamento, note duas outras coisas no seu corpo: a enorme tensão muscular exercida no seu tríceps esquerdo (parte traseira do braço), a tensão nos ombros e especialmente o ângulo invertido crítico que os seus pulsos assumiram, levando-os ao limite das articulações. Se você já caiu no chão com as mãos assim – ou, sei lá, defendeu uma bola de futebol de salão ou uma cortada de vôlei – já sabe o que é uma luxação dolorosa. Então estamos falando de maior fadiga muscular e de maiores riscos de ferimentos.
Até onde sabemos, a função do volante é controlar a direção do veículo. Fazer um desvio de emergência ou um contra-esterço com essa posição de mãos sugerida por Von Tassel é absolutamente impraticável. Ela parece melhor servir a gente preguiçosa dirigindo de forma desleixada na cidade. Para terminar a falácia, ele argumenta que ela seria melhor para evitar contatos acidentais do braço com a cabeça na expansão do air bag. Nós – e basicamente toda a indústria e instrutores de pilotagem – achamos que é melhor conseguir controlar o carro e evitar o acidente em primeiro lugar.
O que fazer?
Segure o volante assim. E mande catar coquinho quem quiser reinventar a roda.
Se ainda estiver com dúvidas, faça um curso de pilotagem (veja a lista dos principais do Brasil aqui) e descubra na prática que não existe posição para as mãos que permita melhor controle do veículo que a “15 para as 3”. Não é só pra autódromo: é pra pista, estrada, rua, estacionamento de shopping. Sempre foi, ainda é e sempre será – seja um carro da década de 1950 ou um esportivo alemão com mais air bags do que os dedos que temos nas mãos para contá-los.