Já falamos algumas vezes aqui no FlatOut sobre projetos de restomods (os utilitários da Icon, os Porsche 911 da Singer, os Mercedes da Mechatronik) e, francamente, a cada nova história ficamos cada vez mais impressionados com a qualidades dos carros antigos com mecânica e elementos modernos. E aconteceu de novo: a bola da vez é este Chevrolet Corvette 1958 que viajou dos EUA até a Austrália para ganhar um novo visual e um novo coração — e tornar-se um verdadeiro esportivo moderno no corpo de um clássico.
Este carro tem um nome: Doris. Seu criador é o mecânico e customizador australiano John Ward. O Corvette não tem este nome por acaso: John conta que ficava tanto tempo na oficina trabalhando no carro que sua esposa, Doris, achou que ele estava tendo encontros secretos com uma amante. Ele ri disso agora, mas deve ter passado por maus bocados…
De qualquer forma, Doris (o carro) valeu o esforço. John começou com aquela ideia comum a todo entusiasta que já preparou um restomod tem: aproveitar a confiabilidade e o desempenho de um conjunto mecânico moderno, com o estilo de um automóvel clássico. E ele não mediu esforços para deixar o carro perfeito aos seus olhos — começando pela compra do carro, que teve de ser realizada nos EUA porque não é fácil encontrar um Corvette de primeira geração na Austrália.
Primeira geração do Corvette, 1953
Lançado em 1953, roadster com carroceria de fibra de vidro foi imediatamante aclamado por seu visual, ainda que o desempenho do seis-em-linha “Blue Flame”, de 3,9 litros e 155 cv, ficasse abaixo do esperado para um esportivo (e a transmissão automática Powerglide de apenas duas marchas também não ajudava). O carro de Ward, fabricado em 1958, já trazia um novo visual e um V8 de 283 pol³ (4,6 litros) que entregava 294 cv. Um fato curioso sobre esse motor é que o departamento de marketing da Chevrolet decidiu que a potência divulgada deveria ser de 283 hp (287 cv) — assim, eles poderiam dizer que o motor tinha 1 hp por polegada cúbica.
De qualquer forma, o V8 de quase 60 anos agora é parte do passado. Ao receber o carro em sua garagem, em meados de 2010, Ward partiu direto para a desmontagem da carroceria, a separação do chassi e a troca do motor. Como o próprio Ward conta em seu site, o carro parecia “ter pertencido ao Mr. Magoo”. A pintura em bom estado escondia uma carroceria cheia de remendos na fibra de vidro, resultado de diversos “esbarrões” ao longo das décadas. Como não se trata de metal e não se podia simplesmente soldar componentes à carroceria, Ward precisou fabricar algumas peças novas, artesanalmente, em sua oficina.
O chassi, por outro lado, até estava em boas condições. O problema era o antiquado sistema de suspensão do Corvette C1, com braços assimétricos na dianteira e eixo rígido com feixes de molas semielípticas na traseira. Ward aproveitou boa parte do chassi original, mas adaptou as extremidades para receber componentes modernos: braços triangulares sobrepostos na dianteira e traseira ainda com eixo-rígido, porém em configuração four link com molas helicoidais para garantir que o comportamento dinâmico do carro ficasse à altura do novo conjunto mecânico. Além disso, as bitolas dianteira e traseira foram reduzidas para permitir a instalação de rodas e pneus mais largos sem que fosse necessário alargar os para-lamas. Manter o visual stock era essencial.
As rodas de aço de 15 polegadas foram fabricadas sob medida e aproveitam o miolo das originais, porém tiveram a tala alargada pra 7” e calçam pneus faixa-branca de medidas 225/70. Os freios originais, naturalmente, deram lugar a discos nas quatro rodas, com todas as mangueiras de aço inoxidável.
Um olhar de relance nos faz acreditar que o carro é um belo Corvette restaurado, mas não é preciso muito tempo para notar as diversas modificações por fora e por dentro. A começar pelos faróis, que são os famosos angel eyes da BMW e exigiram 80 horas de trabalho para ser adaptados. As lanternas traseiras, originalmente, usam as luzes de freio (que são vermelhas) como setas, mas na Austrália as luzes de direção traseira na cor âmbar são obrigatórias. A solução? Adaptar as setas de uma Harley Davidson das antigas e instalá-las abaixo do para-choque. E não é que ficou bom?
O interior exigiu uma das maiores modificações: a conversão para mão inglesa, usada na Austrália. Todo o painel teve que ser desmontado e reconstruído em fibra de vidro, em uma das etapas mais trabalhosas do processo, e o resultado é bastante convincente. Também foi instalado um novo sistema de som de alta fidelidade (aproveitando o visual do rádio antigo) com subwoofer e, claro, um sistema de ar-condicionado.
O volante original de 17 polegadas foi substituído por outro, de 15 polegadas, e a chave de ignição deu lugar a um botão de partida. É o tipo de coisa que deixa os puristas de cabelos em pé, mas Ward se defende: “se a General Motors tivesse este tipo de tecnologia na época, eles teriam colocado no carro. Então por que eu não posso colocar?” Faz sentido, cara.
Agora, goste ou não das modificações estéticas e práticas, não dá para não curtir a escolha do conjunto mecânico: um V8 small block de 350 pol³ (5,7 litros), com 350 cv originais. Ward diz que a potência é mais do que suficiente para o projeto, e um motor mais forte exigiria modificações mais extensas para lidar com o desempenho extra. O motor é acoplado à transmissão 4L60-E da Chevrolet, automática de quatro marchas, e leva a força às rodas traseiras através do diferencial Ford 9” — robusto, barato e fácil de encontrar.
John não dá os dados de desempenho do carro mas, honestamente, não se importa muito com isto — seu Corvette certamente precisa de bem menos que os 11 segundos baixos que o carro original levava para chegar aos 100 km/h, mas a vantagem maior é ter uma mecânica confiável e de manutenção barata. Obviamente o ronco de um bom V8 americano também tem seu valor…
O Corvette ficou pronto em 2013, depois de três anos de trabalho duro. John diz que foi um projeto pessoal, mas agora passou a oferecer o serviço em sua oficina, a (que também restaura outros carros clássicos, como o Porsche 911). Se quiser um carro como Doris, você pode levar seu próprio Corvette até John ou deixar que ele cuide de tudo — a escolha do carro que servirá como base é feita junto com o novo proprietário, mas John fica responsável pela negociação, pelo transporte e pela mão de obra. O preço? Apenas sob consulta, mas não deve ficar barato…