Um dia nos disseram que a velocidade mata. Limites foram reduzidos, radares foram instalados, mas o número de mortes no trânsito não diminuiu. Um dia descobriram que o alcoolismo ao volante estava matando muita gente. Limites foram reduzidos a zero, a fiscalização se intensificou e a punição se tornou mais severa. Mas o número de mortes não diminuiu. Então que há de errado com a gente?
Há alguns meses, defendemos a hipótese de que a fiscalização seletiva de meia-dúzia de infrações não é a solução mais adequada para educar e conscientizar o motorista. Por quê? Nosso código de trânsito classifica as infrações de trânsito em quatro tipos: Leve, Médio, Grave e Gravíssima. Estas duas últimas são assim classificadas porque podem causar acidentes que colocam em risco a integridade física ou até mesmo a vida das pessoas. O código de trânsito tem 182 infrações gravíssimas, 99 graves, 86 médias e 27 leves. Isso significa que a maioria das coisas erradas que fazemos no trânsito pode colocar pessoas em risco ou, no mínimo, causar acidentes.
Mas as campanhas do Estado e a fiscalização se concentram em apenas meia-dúzia destas infrações. Todo o resto é deixado de lado, ou invisível aos olhos dos equipamentos eletrônicos que vigiam o nosso trânsito. O motorista de hoje tem medo de furar semáforo, ser flagrado bêbado, exceder o limite de velocidade e ter o carro apreendido por falta de licenciamento.
E assim, surgiu um dos grandes problemas do trânsito atual: o uso de celulares ao volante — especialmente agora, com smartphones que permitem acesso às redes sociais. Nos EUA o uso de celulares ao volante já se tornou o maior causador de mortes no trânsito e responsável por 25% dos acidentes naquele país. No Brasil ainda não há estatísticas específicas sobre o celular — geralmente o uso de celular como causa de acidente é considerado “falta de atenção” —, mas estima-se que o risco de acidentes nesse caso .
E isso nos traz de volta à questão: o uso de celular é proibido pelo código de trânsito, mas não há uma fiscalização intensa como as blitze da Lei Seca, ou radares fotográficos e leitores de placa. Pior: mesmo com a fiscalização de agentes, os carros com vidros escurecidos com películas dificultam o trabalho. E assim cria-se a impressão de que não há grandes problemas em digitar ou falar algo rapidinho no celular.
Da mesma forma, não há campanhas permanentes e eficazes de conscientização sobre os riscos. O Ministério das Cidades até tentou fazer uma campanha, mas parece que eles ainda não entenderam como atingir o público alvo. A campanha foi transmitida na TV aberta no fim do ano passado (e muita gente nem viu…), mas na internet, que é justamente o território onde está o público alvo desta campanha, ela passou batida e não soma 50.000 visualizações no YouTube. Basta assistir ao vídeo para entender por quê:
Agora compare o filme do Ministério das Cidades com esta ação da Volkswagen realizada em um cinema de Hong Kong e que se espalhou pelo mundo:
Percebem a diferença? A campanha do governo é uma boa iniciativa, sim, mas ela é limitada a um filmete que ninguém viu e… só isso. Precisamos que as autoridades de trânsito digam que o celular ao volante também mata — tanto quanto acelerar no lugar errado, ou furar o sinal vermelho.
A da Volkswagen por sua vez, conquista a atenção do público, ela choca e promove o engajamento em passar a mensagem adiante. É desse tipo de coisa que precisamos para conscientizar as pessoas. E que não seja uma ação isolada, e sim parte de um programa maior e permanente.