Você deve saber que o esquema de pintura clássico da Martini Racing traz as listras azuis e vermelhas sobre um fundo branco. Muita gente associa a pintura branca da Martini Racing à Porsche, o que é totalmente compreensível – alguns de seus carros de competição mais emblemáticos, como o 917 e o 935, vestiram muito bem suas cores. Depois, houve a versão com fundo prata, que também foi muito utilizada pela Porsche.
Quando a Alfa Romeo começou a patrocinar a Brabham na Fórmula 1, no final da década de 1970, foi criada uma versão vermelha deste esquema de pintura – que acabou sendo aproveitada em alguns Lancia durante os anos 1980, e também no Alfa Romeo 155 que competiu nos campeonatos de turismo da Europa nos anos 1990.
Agora, estamos tão acostumados com a pintura clássica da Martini que acabamos estranhando quando não vemos as listras contínuas, contornando a carroceria dos carros. Qual é a deste Lancia Delta de rali com pintura vermelha e listras “quebradas”?
Bem, ela foi usada em apenas uma temporada, em uma única prova – o Rally Sanremo, na Itália, em 1989. E somente em sete carros. Depois, nunca mais.
Dos dez títulos da Lancia no WRC, sete deles foram conquistados por carros com a pintura da Martini: o Lancia Rally 037 em 1983, e o Lancia Delta entre 1987 e 1992 – seis anos consecutivos. A exceção foi o Lancia Stratos, campeão em 1974, 75 e 76, famoso por sua pintura da Alitalia.
O Lancia Delta HF começou a competir no WRC em 1986, último ano do Grupo B, paralelamente ao Delta S4. O Grupo B, como sabemos, era considerado liberal demais, o que dava origem a carros rápidos demais, caros demais e perigosos demais. Assim, a partir de 1987, a categoria de topo do WRC passou a ser o Grupo A, cujo regulamento não permitia modificações tão extensas e exigia um número muito maior de exemplares de rua para homologação: se antes eram 200, agora eram 2.500.
O Delta HF foi um sucesso desde o início – ele foi campeão logo em seu ano de estreia, 1987, e novamente em 1988. Em ambas as temporadas, o carro que disputou o campeonato era o Delta HF 4WD – que, como o nome indica, era equipado com um motor de oito válvulas. Com dois litros de deslocamento, comando duplo no cabeçote e turbocompressor Garrett, o quatro-cilindros entregava pelo menos 300 cv na versão de competição. Este era o limite de potência do Grupo A na época, mas é sabido que as fabricantes raramente seguiam rigorosamente as regras naquela época.
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Em 1989, foi apresentado o Lancia Delta HF Integrale, evolução natural da versão 4WD, ainda com motor de oito válvulas, porém com pneus mais largos, freios maiores e suspensão retrabalhada, feito para ser mais competitivo em estágios disputados sobre o asfalto. Foi só no meio do ano, antes da 11ª etapa – o Rallye Sanremo, na Itália – que, finalmente, a Lancia adotou um motor de 16 válvulas.
Além do novo cabeçote, que garantia uma curva de potência mais ampla, o motor de 16 válvulas também tinha um intercooler mais eficiente, injetores maiores e um novo turbocompressor. E o carro em si também trazia novas modificações nos freios e no sistema de tração integral, bem como para-lamas alargados para acomodar as rodas de tala maior.
Em sua estreia no Rallye Sanremo, o Delta HF Integrale 16v usou uma pintura vermelha que jamais seria empregada novamente pelo modelo em competições. Sobre o fundo vermelho, as faixas da Martini Racing não eram contínuas – elas eram irregulares, como se tivessem sido quebradas. O efeito é bem interessante.
Os dois carros vermelhos com motor de 16 válvulas que disputaram o WRC pela Lancia naquele ano foram conduzidos pelo francês Didier Aurior, que tinha Bernard Occelli como navegador; e pelo italiano Miki Biasion, cujo co-piloto foi o compatriota Tiziano Siviero.
Durante a prova, Auriol perdeu o controle do carro logo no início da prova, deixando o caminho livre para o colega italiano – que agarrou a oportunidade com as duas mãos e deixou para trás o principal adversário da época: o Toyota Celica GT-Four ST165.
O carro que nos levou a fazer este post, porém, não foi o vencedor do Rallye Sanremo de 1989, mas sim um carro que nunca competiu.
No ano de estreia do Delta HF Integrale 16v, a Lancia produziu apenas sete exemplares. Um deles, registrado com a placa T70780L, foi o carro apresentado à imprensa – e também o que posou para as fotos de divulgação.
Agora, ele apareceu à venda no site de classificados Race Cars Direct. O anúncio foi publicado por um usuário chamado “scuderiajolly” – não por coinciência, Jolly Club era o nome da equipe italiana que, ao longo de muitos anos, foi a responsável pelos esforços de fábrica da Lancia no WRC. Pode ter sido apenas uma homenagem, ou pode haver relação entre o anunciante e a equipe. Não saberemos: ele diz que só responderá a perguntas de “compradores sérios”. Da mesma forma, ele não revela o preço do carro para qualquer um.
O anunciante diz que o carro jamais competiu – ele só foi usado mesmo em demonstrações. Ele também afirma que o carro jamais foi restaurado, e que está exatamente como foi deixado há trinta anos.
Isto posto, o pessoal do site The Drive fez uma pequena investigação e descobriu que uma oficina italiana chamada PubbliMais tem outra versão da história: eles dizem que o carro foi restaurado lá, observando que todas as especificações originais, tanto em mecânica quanto em aparência, foram mantidas.
A chamativa pintura Martini vermelha com listras “quebradas” nunca mais foi utilizada novamente. Contudo, outros carros da Lancia já haviam usado um esquema parecido, com listras normais: o 037 do Grupo B e o protótipo ECV, modelo criado para o Grupo S (a categoria abortada que iria substituir o Grupo B a partir de 1987) que jamais chegou a competir. Além, é claro, do próprio Delta HF. A diferença é sutil, mas nós, fãs de autobilismo, sempre apreciamos estas sutilezas.