Em 2010, quando comecei a escrever no Jalopnik Brasil, que depois se tornou o FlatOut, eu estava obcecado por muscle cars. Meu sonho era ter um Mustang ou Challenger ou Camaro, mas eu sabia que algo como um Opala era muito mais acessível, e eu até pensei que, caso conseguisse comprar um Opala um dia, colocaria um V8 350 debaixo do capô. Passaram-se oito anos (já!?) e, desde então, eu “refinei” meu gosto pessoal para carros, e hoje há outros tipos de carros antigos que me apetecem mais.
Só que, de tempos em tempos, eu ainda vejo um Opala na rua e fico imaginando como seria bacana ter um. Os mais detalhistas vão fazer questão de me lembrar que, na definição mais pura do termo, o Opala não é um muscle car, muito menos um pony car, mas com o tempo a gente também aprende que termos e suas definições são até importantes, mas nossas preferências e nossa visão de mundo não estão necessariamente ligadas a nomenclaturas.
Divaguei um pouco, não? Me perdoem. O que eu quero dizer é que muscle cars são legais e provavelmente nunca vão deixar de ser. Em um futuro mais distante, claro, quando eu tiver mais bagagem, mais cabelos brancos e uma conta bancária mais gorda, pode ser que eu queira um muscle car. E, quando isto acontecer, talvez não seja um medalhão como o Mustang ou o Camaro ou o Challenger. Talvez seja um carro mais obscuro, como um… Mercury Cyclone.
Como você já deve ter percebido, não citei o Cyclone como coincidência. O último vídeo do Petrolicious tem como astro um Mercury Cyclone CJ 1969, a relação de seu proprietário com ele foi o que fez lembrar por que os muscle cars são tão bacanas, e me inspirou a escrever esta introdução.
O Mercury Cyclone foi apresentado em 1964 como uma versão de alto desempenho do Mercury Comet, que por sua vez era a versão by Mercury do Ford Falcon – o mesmo que, também em 1964, deu origem ao Ford Mustang. O primeiro Comet também era equipado com o V8 small block de 289 pol³ (4,7 litros) e tinha bancos individuais na dianteira (em vez de um banco inteiriço, como era no Comet “normal”) e componentes cromados no motor.
Em 1966 o Comet Cyclone passou a usar uma carroceria mais esculpida, com traseira fastback e dianteira baseada no Ford Fairlane, e também ganhou mais motores – um V8 390 (6,4 litros) que podia ter um carburador de corpo duplo e 270 cv ou carburador de corpo quádruplo e 279 cv. Havia, ainda, a opção pelo motor 390 S Code, que tinha o fluxo retrabalhado para entregar 340 cv (sim, é exatamente o mesmo motor do Mustang Bullitt). No ano seguinte, o motor V8 FE de 427 pol³ (sete litros) e 410 cv passou a ser opcional para o Comet Cyclone.
Foi para o ano-modelo de 1968 que o “Comet” do nome foi suprimido, e o carro começou a ser chamado apenas de Mercury Cyclone. Ele também ganhou uma nova carroceria, com uma dianteira mais longa e uma traseira verdadeiramente fastback, cuja silhueta do topo do para-brisa até a extremidade posterior formava uma linha contínua.
O carro de Cy Schmidt, o dono do carro do vídeo, é um Cyclone 1969. Naquele ano a Ford começou a oferecer o Mercury Cyclone com o motor 428 Cobra Jet – daí o sobrenome “CJ”. Também usado no Mustang e em outros modelos do grupo, o Cobra Jet era um V8 de sete litros (7.014 cm³, para ser mais exato) que, no papel, entregava os mesmos 340 cv do motor 390 S-Code.
No entanto, com mais deslocamento, o coletor de admissão Ram Air opcional e um carburador de corpo Holley quadrijet de 735 CFM, na prática sua potência ficava muito mais próxima dos 400 cv. Além do motor, havia outras diferenças em relação ao Cyclone comum: a grade era escurecida, o sistema de escape tinha saída dupla, a relação final de diferencial era de 3,5:1, o motor trazia partes cromadas e a carroceria era decorada com faixas especiais. O câmbio podia ser manual de quatro marchas ou automático de três marchas.
Foto: Petrolicious
“Se eu fosse comprar o carro novo, talvez escolhesse a caixa manual de quatro marchas em vez da automática. Mas eu gosto do carro como ele é, você só acelera e ele vai”, comenta Cy. No vídeo, que infelizmente não tem legendas, ele conta que tem o carro há pelo menos 18 anos, e que o escolheu justamente por ser algo diferente de um Mustang ou um Camaro. Cy também foi atraído pela posição intermediária do Cyclone em relação aos pony cars, mais compactos, e os muscle cars full size como o Gran Torino e o Impala.
Quando era criança, Cy gostava de olhar para a rua e observar os carros. Ao assistir a filmes, ele não reparava nos personagens ou na história, e sim nos carros. Dá para ver que ele se orgulha ao contar que sabia reconhecer modelos de marcas diferentes, Ford, Dodge, Chevrolet, Buick só pelo ronco e pelo formato da grade. Tenho certeza que, de certo modo, você se identifica com ele. Eu também.
A carroceria na cor Competition Orange está em ótimo estado, assim como o lado de dentro e o cofre do motor. No entanto, Cy diz que o carro não é perfeito e que, por mais que às vezes pense em restaurá-lo em nível de concurso, ele prefere mantê-lo assim e dirigi-lo. “Não preciso colocá-lo para correr no quarto-de-milha, só dirigi-lo. É um carro que merece ser guiado, exercitado. A pior coisa que se pode fazer a um carro desses é deixá-lo parado.”
É claro que isto não impede Cy de manter seu Mercury Cyclone sempre limpo, bem cuidado e original. E não é para menos: ele só foi fabricado com esta carroceria e com este motor em 1969, e só fizeram 2.175 exemplares. Ele não é o mais conhecido dos muscle cars, mas certamente marca presença por onde passa e é prontamente identificado por quem realmente entende do riscado.
Como se não bastasse toda a importância histórica do Cyclone CJ, sua configuração mecânica rara, seu visual típico do fim dos anos 60, sua cor laranja vibrante, sua aura clássica, o carro parece ser incrivelmente prazeroso de dirigir. Cy diz que é um carro confortável para pegar a estrada, e ouvir o ronco borbulhante invadindo a carroceria em uma longa reta deve ser legal demais. Claro que isto deve valer para qualquer muscle car original de fábrica, mas hoje estamos falando deste raro Mercury Cyclone CJ 1969. Parabéns, Cy. Que ele possa te dar este prazer por muitos anos ainda.
Foto: Petrolicious