Recentemente fizemos uma seleção de carros que quebraram tradições de suas fabricantes. Entre eles estava a Ferrari FF, que além de ser uma Ferrari com tração nas quatro rodas, tecnicamente também foi o primeiro hatchback feito pela companhia. Percebendo isto, nos demos conta de que existem vários outros carros que são hatchbacks, mas definitivamente não parecem.
Um hatchback (ou liftback), em sua definição mais crua, é um carro cuja tampa do porta-malas inclui o vidro traseiro e, quando aberta, dá acesso direto ao habitáculo. Um hachback geralmente tem dois volumes, mas vez ou outra pode ter três, ainda que o terceiro volume seja usualmente pouco pronunciado – nesse caso, ocasionalmente diz-se “2,5 volumes”. Mas nem sempre as coisas são tão óbvias.
Geralmente os hatchbacks são vistos como carros básicos e baratos, enquanto os carros mais caros e sofisticados são cupês, sedãs e peruas. O que nem sempre é verdade, obviamente, mas é a percepção geral. No caso da FF, porém, foi um movimento calculado.
A ideia da Ferrari com o gran turismo lançado em 2011 era oferecer o carro mais prático possível, sem abrir mão do desempenho característico (obviamente). O resultado foi um carro com motor V12 de 6,3 litros e 660 cv na dianteira, tração nas quatro rodas sob demanda, três portas e 450 litros de porta-malas. Para se ter uma ideia: a 612 Scaglietti, antecessora da FF, tinha porta-malas com capacidade para 250 litros. A Ferrari fez questão de destacar o banco traseiro rebatível, que tornava a FF capaz de levar 800 litros de bagagem– mais do que suficiente para um casal passar uma ou duas semanas fora de casa sem problemas.
Há quem prefira chamar a FF de shooting brake por causa do capô longo em relação à cabine, mas também pode ser um pouco de resistência à ideia de um hatchback da Ferrari. Ou mesmo à ideia de um hatchback que não seja, no máximo, um carro médio.
A Ferrari GTC4Lusso também é um hatchback
Na Europa, porém, hatchbacks grandes são carros relativamente comuns. Versões de “cinco portas” de modelos como o o VW Passat de segunda geração, o Ford Mondeo e o Opel/Vauxhall Vectra foram bastante populares nos anos 90 entre os que queriam o espaço interno e o desempenho de um sedã, porém com mais praticidade e espaço para carga.
Você consegue imaginar uma versão hatch do Fusion fazendo sucesso no Brasil? Pois na Europa ele ultrapassa o sedã em vendas
Às vezes estes carros são chamados de notchbacks. Notch, em português, quer dizer “entalhe” – ou seja, em teoria os notchbacks são hatchbacks que têm um “entalhe” na traseira. Sacou?
O Ford Mondeo atual, versão europeia do Ford Fusion, oferece esta configuração até hoje. Outros carros modernos também se encaixam nesta categoria, como os Audi A5 e A7 Sportback (incluindo suas versões RS) e os BMW Gran Turismo, como o Série 3 e o Série 5 GT.
Portanto, vamos nos concentrar nos hatchbacks ainda mais incomuns – que, por coincidência ou não, são em sua maioria esportivos e de luxo. E vale lembrar: SUVs e minivans também são hatchbacks do ponto de vista técnico – a tampa do porta-malas inclui o vigia traseiro e dá acesso ao habitáculo. Mas, como não são carros de passeio tradicionais, eles não entram nesta lista.
Jaguar E-Type
Quem diria que o Jaguar E-Type, um dos clássicos dos anos 60 mais procurados e valiosos da atualidade, é um hatchback? Pois ele é, sim. E mais: quando foi lançado, em 1961, o E-Type tinha a proposta de ser um esportivo potente e de dinâmica refinada, mas também prático e acessível para duas pessoas. Havia a versão conversível e a versão cupê fastback, e era esta que tinha a tampa traseira de hatchback.
Com um detalhe: ela se abria para o lado, como uma porta. Em 1966 foi lançada a versão 2+2 do cupê/hatchback, cujo banco traseiro era dobrável como em um qualquer outro hatch, e tornava o E-Type ainda mais prático. Repetindo: quem diria?
Chevrolet Corvette (C4 em diante)
A primeira geração do Chevrolet Corvette, a C1, lançada em 1953, foi vendida apenas como conversível e tinha um porta-malas bem espaçoso para um esportivo. A partir da segunda geração, feita de 1962 a 1967, o conversível ganhou um porta-malas apenas razoável, com espaço suficiente para a capota dobrada e uma ou duas malas pequenas; e o cupê sequer dava acesso externo ao compartimento de carga – para guardar coisas lá era preciso mover os bancos. Com o C3, produzido entre 1968 e 1982, foi a mesma coisa.
A partir do Corvette C4, porém, a versão cupê ganhou uma tampa traseira de hatchback. Quer dizer: no C4 era apenas o vigia traseiro que se erguia, levando ao extremo a própria definição de hatch. A partir do C5 foi adotada uma tampa mais convencional, que tornava o acesso ao generoso porta-malas ainda mais fácil. As duas gerações seguintes mantiveram a característica porque, bem, é uma boa ideia.
Tesla Model S
Todo mundo conhece o Tesla Model S, o carro elétrico que alguns insistem ser o segredo para salvar o planeta. Sabemos que o buraco é mais embaixo, mas ele até que é interessante – especialmente quando usa todo seu torque instantâneo para deixar supercarros para trás na arrancada só por diversão. E, apesar de ser considerado um sedã fastback de luxo ele… é um hatchback.
Faz todo o sentido: um dos apelos do Model S é a justamente a ideia de que, mais que um carro, é um instrumento para facilitar a vida do proprietário – e nada mais prático do que um hatchback.
Audi TT
No porta-malas do Audi TT cabem quatro pneus e macaco. Isto é o que importa
Quando foi lançado vinte anos atrás, em 1998, o Audi TT tinha a proposta de ser um cupê esportivo para as massas, aproveitando a plataforma PQ34 do Grupo Volkswagen, empregada também em modelos mais mundanos como o Volkswagen Golf e o Audi A3. Acontece que, como estes dois – e também o New Beetle, outro derivado da PQ34 – o Audi TT também era um hatchback na versão fechada, que também era um 2+2 (o roadster levava só duas pessoas). Como aconteceu com o Corvette, as gerações seguintes mantiveram a característica.
McLaren 570 GT
O McLaren 570S foi lançado em 2016 para atuar como o modelo “de entrada” da marca britânica, posicionado abaixo do 650S e, atualmente, do 720S. É claro que, com um V8 biturbo de 3,8 de 570 cv e a capacidade de ir de zero a 100 km/h em 3,2 segundos com máxima de 328 km/h, ele continua sendo um superesportivo. E, sendo um superesportivo, ele continua voltado ao desempenho, e não à praticidade.
Para tentar resolver isto, ainda em 2016 a McLaren apresentou o 570GT que, como o nome diz, é o “grand tourer” da família. Na prática, ele ganhou isolamento acústico mais eficiente, suspensão mais macia e um compartimento de carga acima do cofre do motor, acessível pelo vidro traseiro que se abre para o lado – como no Jaguar E-Type, aliás.
Porsche 911 Targa (996 e 997)
Com motor traseiro o Porsche 911 tem condições de ser um hatchback? A resposta é: depende da configuração de carroceria: em 2002, a versão Targa do 911 – que era, na prática, um 911 cupê com teto de vidro deslizante – trazia uma solução parecida com o Corvette C4, e que mais tarde apareceria no McLaren 570 GT: o vidro traseiro se abria para dar acesso a um compartimento de carga atrás dos bancos traseiros, que eram rebatíveis.
A solução foi repetida no 997, mas a geração atual (991) adotou o visual clássico do Targa dos anos 60, com um vidro traseiro envolvente e teto retrátil. Acontece que ele adotou um sistema que guarda este teto na área que poderia ser o tal compartimento de carga, o que favoreceu o visual mas reduziu a praticidade.
BMW M Coupe
O BMW M Coupe é tão hatchback que nós já o colocamos entre os melhores hot hatches do universo. E é óbvio o motivo: o esportivo com motor do BMW M3 E36 – um seis-em-linha de 3,2 litros e 325 cv que, liás, foi o primeiro motor em um BMW de rua a entregar mais de 100 cv por litro de deslocamento.
Feito sobre o roadster Z3, o M Coupe não foi criado para transformar o conversível em um carro mais prático, e sim um carro melhor – graças ao teto rígido o carro é 2,7 vezes mais rígido do que a versão aberta e tem distribuição de peso mais equilibrada. Além disso guardar as compras com mais facilidade. Ou levar um cachorro, por sugestão da própria fabricante…
É claro que, com um capô tão longo e uma traseira tão curta, o M Coupe era um carro meio desproporcional. Mas como podemos culpar a BMW? O carro foi projetado por engenheiros, e não pelo pessoal do marketing.