Nos últimos 54 anos a Ford produziu nada menos que 10 milhões de exemplares do Mustang. Não é preciso ser muito brilhante para sacar que esta é uma marca impressionante, especialmente para um carro esportivo — a Kombi, por exemplo, vendeu 12 milhões de unidades em suas seis gerações desde 1950.
Nestas cinco décadas e meia, ele se tornou o esportivo mais vendido da história e ainda é o esportivo mais vendido no planeta, e foi oferecido em centenas de formas e configurações. Algumas estão entre os esportivos mais desejados do planeta, enquanto outras seriam melhores se nunca tivessem saído do papel.
Sendo um adolescente dos anos 1990, meu primeiro contato com o Mustang foi com a quarta geração, que inundou o Brasil na época, quando foi trazido extra-oficialmente por diversas importadoras de todo o Brasil com motores V6 e V8, cupê ou conversível. Alguns anos depois, quase na virada da década/século e já envolvido com o modelo e suas versões clássicas, descobri um Mustang antigo em uma rua perto de casa. Caras… como eu gostava daquele carro. Alongava o caminho só para passar naquela rua e ficar vendo o Stang. Nos anos 1990 não dava pra entrar na internet e ver os clássicos em fotos de alta resolução.
Mais tarde acabei descobrindo que aquele era um Mustang Ghia (igual a esse aí de cima), da segunda geração, um dos mais rejeitados da história. Mas àquela altura eu já estava apaixonado pelo Eleanor de “60 Segundos” e pelo fastback Highland Green de Frank Bullitt. Ainda hoje gosto deles, mas não são os primeiros que eu pensaria na hora de formar minha pequena coleção de Mustang. Os Mustang que eu teria na garagem seriam estes cinco abaixo.
Boss 429 1969
Comecei com o pé na porta, não é? O Boss 429 é um dos mais raros e, por isso, um dos mais caros — é uma seleção qualitativa, afinal. Foram feitas apenas 1.358 unidades em 1969 e 1970 e eles são esteticamente diferentes em cada ano. Tudo começou quando a Ford decidiu criar um motor com câmaras hemisféricas em resposta ao 426 Hemi da Chrysler. Para homologar o motor, ele precisaria equipar, no mínimo, 500 unidades de algum veículo produzido em série e o modelo escolhido foi o Mustang, ainda que ele não disputasse a Nascar.
O 429 deriva do motor 385, que foi modificado com virabrequim e bielas forjadas, cabeçotes de alumínio do tipo “dry deck” (com anéis de vedação nas galerias de água e óleo em vez de uma junta) e um carburador Holley de corpo quádruplo para produzir 380 cv declarados (algumas fontes falam em 450 cv e até 500 cv). Os componentes permitem que ele gire mais de 8.000 rpm, mas no Boss 429 ele foi calibrado para não passar de 6.200 rpm.
Como o motor era largo demais para o cofre do Mustang, a Ford contratou uma empresa terceirizada chamada Kar Kraft (que atuava como a Ford Performance hoje) para modificar os Mustang Cobra Jet de forma que o novo 429 coubesse no cofre.
Para compensar o peso do motor na dianteira e minimizar a tendência ao sub-esterço do muscle car, a suspensão dianteira era rebaixada e a traseira tinha uma barra estabilizadora de 20 mm que deixava a traseira do “Boss 9” mais solta, ajudando-o a rotacionar nas curvas. O tamanho do motor também não deixava espaço para a bateria e para o ar-condicionado, por isso ele tinha somente ventilação forçada e a bateria era deslocada para o porta-malas. O câmbio era manual de quatro marchas, e o diferencial tinha deslizamento limitado e relação 3,91:1. A aceleração de zero a 100 km/h era feita em 5,1 segundos e a velocidade máxima era declaradamente superior a 280 km/h, embora isso nunca tenha sido verificado devido à raridade do carro.
Minha opção seria pelo 1969, não por ser relativamente mais fácil de achar que o 1970 (foram 859 unidades em 1969 e 499 em 1970), mas somente porque me agrada mais seu visual, com os faróis separados da grade e a tomada de ar no para-lama traseiro, que dão mais “cara” de Mustang clássico. O problema mesmo é encontrar um desse a venda: quando eles aparecem nos leilões, dificilmente custam menos de US$ 350.000.
Saleen Mustang
Nenhuma lista pessoal é realmente pessoal se não tiver uma escolha passional. Os Mustang Fox Body, produzidos entre 1979 e 1993, tiveram seu período de rejeição entre os anos 1990 e a década passada, mas agora o estilo oitentista, o potencial de preparação e, principalmente, seu baixo preço, trouxeram esses carros de volta às ruas e pistas dos EUA.
Embora a gente pense nos anos 1970 como o período decadente dos esportivos americanos, graças à crise do petróleo, nos anos 1980 eles não eram muito melhores. O Camaro chegou a ser oferecido com um motor 2.5 de quatro cilindros e 120 cv e a Ford chegou a um ponto em que o único Mustang de alta performance era o 2.3 turbo, com 180 cv.
Felizmente nessa mesma época o piloto Steve Saleen decidiu fazer com o Mustang o que a Ford não fez: dar a ele um desempenho esportivo de verdade. Em 1985 ele pegou o Mustang GT 5.0, instalou um caburador quádruplo, novos comandos de válvula e escape que elevaram a potência dos medíocres 160 cv para 215 cv. Depois tirou o amortecedores molengas originais e os substituiu por um conjunto da linha Bilstein Sport, acompanhados por molas mais firmes. O conforto foi embora mas o carro finalmente apontava com precisão nas curvas e chegou a 0,9 g de aceleração lateral — um belo número para um cupê americano dos anos 1980. Com a nova potência o Mustang de 1.400 kg acelerava de zero a 100 km/h em 6 segundos e chegava aos 250 km/h (embora o velocímetro apontasse 185 mph no final da escala). E se você achou pouco, Steve Saleen oferecia uma versão sobrealimentada por um compressor de polia, de 370 cv.
Mas o que me atrai mesmo nesse carro é o visual típico dos Ford dos anos 1980. Se você vê-lo no celular à noite, na cama, meio sonolento, vai jurar que é um Sierra. E eu gosto de pensar nele como um Sierra feito do jeito certo, com um V8 na dianteira e um “stance” mais assentado. E ele também ajudaria nas finanças depois de comprar um Boss 429: um exemplar em bom estado pode ser encontrado por menos de US$ 20.000.
Bullitt 2008
Frank Bullitt é um dos personagens mais descolados da história do cinema, e seu Mustang GT 390 Highland Green não tinha outro destino a não ser tornar-se um ícone não apenas da sétima arte, como também dos muscle cars e da cultura automobilística em si. Mas querem saber? Apesar de adorar o carro do filme e detestar remakes cinematográficos, eu colocaria na minha garagem o segundo remake do Mustang, lançado em 2008.
Ele ainda é equipado com o 4.6 Modular, que não é muito querido pelos fãs do Mustang e tem apenas 315 cv — menos potência que o atual 2.3 Ecoboost. Mas o que me atrai nele é o fato de ele ter o visual retrô pré-facelift ainda intocado e em uma versão mais limpa, o que dá um ar de carro conceito.
E se a potência não é das maiores, ele ao menos promete envolvimento com o câmbio manual de cinco marchas, suspensão rebaixada e mais firme que a do GT e sua barra de amarração no cofre dianteiro. Além disso, não é nada mal acelerar de zero a 100 km/h em 4,9 segundos com o ronco idêntico ao do Mustang do filme. E o melhor da história é que ele pode ser encontrado no Brasil, pois foram importadas algumas unidades de forma independente na época.
Boss 302 Laguna Seca
A segunda leva do Boss nasceu em 2012 com um motor de 302,12 pol³. Desta vez ele não precisava homologar nenhum carro de corrida para nenhuma categoria. O objetivo era outro: responder à altura do Camaro Z/28 e do BMW M3, dois cupês extremamente populares nos EUA e extremamente competentes na pista.
Usando como base o Mustang GT, o modelo ganhou o sistema de admissão do 302R de competição, com coletor de ar frio (CAI), comando de válvulas mais agressivo e com variação na admissão e no escape. Pistões, bielas e virabrequim são forjados e a potência máxima chega tarde como no M3 E92: são 450 cv a 7.400 rpm. Sim: um V8 americano girador. Minha opção começa a fazer sentido agora?
Mas não era só isso: com o câmbio manual de seis marchas de relações curtas, embreagem de competição, diferencial alongado para 3,73:1 ele chega aos 100 km/h em 4 segundos e tem velocidade máxima de 260 km/h limitada pelo arrasto aerodinâmico — algo esperado por seu bodykit aerodinâmico feito para gerar downforce nas pistas.
Em relação ao GT, o Boss tem suspensão 11 mm mais baixa na dianteira e 1 mm mais baixa na traseira. É uma relação parecida com a do Boss 429 pois a razão é a mesma: conter as escapadas da dianteira pesada e rebelde. Ela ainda recebeu buchas e molas mais firmes. Os amortecedores são ajustáveis manualmente, com uma chave de fenda comum. Com as rodas de 19 polegadas (com tala 9 na dianteira e 10,5 na traseira) calçadas em pneus Pirelli Trofeo R, ele conseguia aceleração lateral superior a 1g.
Freios? Brembo. Com pinças de quatro pistões mordendo discos ventilados de 356 mm na frente. Até aqui as especificações são as mesmas do Boss comum. O Laguna Seca vai mais além: o interior teve o banco traseiro removido e substituído por uma barra estrutural em X. Os bancos dianteiros foram substituídos por novos da Recaro e o diferencial traseiro tem deslizamento limitado e é do tipo Torsen. Molas e amortecedores são ainda mais rígidos e a barra estabilizadora traseira é mais grossa.
A boa notícia é que, embora seja tão raro quanto o Boss 429, com 1.514 unidades produzidas, é possível encontrar algumas unidades no Brasil por um preço bem mais camarada: entre R$ 300.000 e R$ 350.000.
Shelby GT350
Nem precisei pensar muito para escolher o representante desta geração. E nem fui motivado pelo motor 5.2 de virabrequim plano, capaz de girar mais de 8.000 vezes por minuto, ou pelo câmbio manual de seis marchas ou pelo visual modernizado muito bem resolvido. A escolha é simplesmente motivada pelo o que este Mustang representa: um muscle car americano capaz de superar os melhores cupês europeus da mesma faixa de potência não apenas em linha reta como no passado, mas também nas curvas, onde o acerto dinâmico dos europeus sempre falou mais alto.
Câmbio manual de seis marchas, diferencial Torsen de deslizamento limitado, chassi com reforços estruturais e injeção de fibra de carbono no painel frontal da carroceria, barras de amarração de liga leve, suspensão ativa e independente nas quatro rodas, amortecedores com ajuste eletrônico e freios Brembo. Parece a ficha técnica de um esportivo europeu, mas são exatamente as credenciais do GT350. E o melhor é que ele custa uma fração de um BMW M3 ou de um C63 AMG. Por que não ter um desse na garagem dos sonhos dos Mustang?