Hora de continuarmos nosso passeio cultural pelo universo automotivo, nesta série apoiada pela Dunlop e sua atitude de valorizar o estilo próprio de cada carro e dono. No post anterior, vocês viram como as origens dos estilos German e Euro Look estavam profundamente enraizadas no automobilismo e nas equipes e preparadoras alemãs. Agora vamos atravessar o oceano atlântico, viajar quase meio século no tempo e mergulhar na cultura dos muscle cars!
Terreno fértil para músculos
O fim da década de 1940 deu o sinal verde para mais de duas décadas mágicas no universo automobilístico norte-americano. Nesta época, vivia-se os anos dourados da economia com o pós-guerra, a população crescia exponencialmente com a geração dos baby-boomers, a evolução tecnológica dos automóveis trouxe a adoção em massa da carroceria do tipo monobloco (isso já em meados da década de 1960) e começaram a surgir os enormes frutos da profissionalização das competições sobre quatro rodas – a Nascar foi fundada em 1947 e a primeira arrancada oficial da NHRA ocorreu em 1953, em Pomona, Califórnia. Todos os ventos eram favoráveis.
Isolados em um enorme continente culturalmente competitivo, com gasolina barata, estradas gigantescas e quarteirões quase sempre separados por 402 metros (o famoso quarto de milha), a própria geografia dos Estados Unidos explica a configuração mecânica daqueles que se tornaram o ícone automotivo norte-americano: os muscle cars. Muitos estudiosos locais, como Steve Dulcich (da revista Popular Hot Rodding) consideram o Oldsmobile Rocket 88 como o primeiro muscle car da história, por ter introduzido os conceitos básicos do vício por velocidade desta categoria: motor V8 de alto rendimento em uma carroceria parruda e relativamente compacta de duas portas (nota: isso comparando aos sedãs full size), ou seja, uma espécie de hot rod nascido de fábrica, tração traseira e história de sucesso nas pistas (venceu oito das dez provas da Nascar de 1950).
A cada ano que passava, os muscle cars ficavam mais e mais agressivos. O design classudo dos anos 1950, com habitáculos inspirados em canopies aeronáuticos, para-lamas enormes e pneus estreitos foi cedendo lugar a carrocerias mais esbeltas e ao mesmo tempo musculosas, o chassi foi sendo substituído pelo mais moderno e leve sistema de monobloco e os V8 ficaram cada vez mais sofisticados, ganhando fluxo, deslocamento e rendimento. Compare o Olds Rocket 88 acima com o Ford Thunderbolt 1965 (abaixo à esquerda) e com o Dodge Charger 1968 (abaixo à direita) e note como o design foi se tornando mais fluido, horizontalizado e agressivo. Sob o capô? Basta mencionar que os 425 cv do mítico Hemi 426 era uma potência declarada constantemente questionada pela concorrência, que também lançava as suas fachadas. O quarto de milha de 10,5 s de um Hemi Dart original dava a entender que sua potência real seria de bem mais de 500 cv – um acréscimo insano em relação aos 137 cv do V8 303 do Olds Rocket 88.
Em paralelo a esta evolução, a década de 1960 testemunhou o nascimento de várias subdivisões dentro do universo dos muscle cars, separadas basicamente pelo tamanho de sua carroceria (e não pelo deslocamento dos motores). Para tentar botar ordem na casa, na década de 1970 a revista americana Motor Trend separou dezenas de modelos em cinco categorias: muscle cars ou muscle cars mid size (nela, se encaixariam veículos como o Buick Skylark GS, Dodge Charger e Coronet, Ford Torino, Chevy Chevelle, Pontiac GTO, Oldsmobile Cutlass), muscle cars full size (maiores, como Chevy Impala, Ford Galaxie e Buick Wildcat), muscle cars compactos (Dodge Dart, Ford Maverick, Plymouth Duster), pony car muscle (Mustang, AMC AMX, Chevrolet Camaro, Dodge Challenger, Mercury Cougar e Pontiac Firebird), que não deixam de ser muscle cars compactos, e muscle trucks (El Camino, Ford Ranchero, GMC Sprint).
Com isso, está certo tanto quem diz que o Mustang é um muscle car quanto quem diz que é um pony car: esta é apenas uma divisão do rock – não brigue por causa de um palmo a mais ou a menos de carroceria!
O ganho progressivo de agressividade destes carros orbitava em torno da importância que as vitórias nas pistas traziam para as vendas nas concessionárias: na década de 1960, ficou mundialmente famoso o ditado “vença no domingo, venda na segunda”, popular nas pistas da Nascar. Ninguém queria ser dono de um carro perdedor, especialmente em uma época na qual o automóvel era símbolo de liberdade, de auto-afirmação e… bem, quando pegas de semáforo não raramente eram disputados até mesmo por pais de família. Por isso, havia equipes e apoios oficiais nas principais categorias do automobilismo de turismo norte-americano: a Nascar e seus ovais, as arrancadas da NHRA e as provas da Trans Am, disputadas em circuitos mistos.
Anúncios da Plymouth de 1964. As vitórias nas pistas eram uma ferramenta de marketing essencial, que não deixava de ser usada pela publicidade
Com ambiente tão competitivo, já era de se esperar que não apenas os carros de rua se tornariam cada vez mais monstruosos como também a indústria de peças de performance entraria com cada vez mais força. E esta sinergia entre a competição e as concessionárias se manifestou não somente nas fichas técnicas dos automóveis: faixas esportivas e letrados brancos nos largos e bifudos pneus se tornaram essenciais na identidade visual dos muscle cars.
Isso sem falar no universo de fabricantes de peças de performance, como a Holley, Edelbrock, Offenhauser, Crane, Comp Cams e dezenas de outras, que já haviam nascido no pioneiro movimento dos hot rods – o grande responsável pela febre da customização e preparação nos EUA. Justiça seja feita, os muscle cars apenas continuaram esta onda.
Rodas e estilos
Os muscle cars disputaram em ovais (Nascar), circuitos mistos (Trans Am) e provas de arrancada (NHRA). São três tipos de competição bastante distintos, com demandas particulares de preparação (motor, relação de diferencial, freios, cargas de suspensão, distribuição de peso), o que se reflete na identidade visual dos mesmos. Como parte essencial do “manifesto” de performance de qualquer veículo se dá nas rodas e pneus, é de se esperar que cada uma destas três escolas tenha seu próprio estilo – e consequentemente, influenciado o visual dos carros de rua.
Drag/Pro Street: a prioridade em uma arrancada é obter o máximo de tracionamento em linha reta. Por isso, pneus traseiros gigantescos (para maximizar a área de contato do eixo motriz) e dianteiros estreitos (para reduzir a resistência à rolagem) são essenciais. Quase todos os pneus de arrancada são compatíveis com rodas de 15″ de diâmetro, o que permitiu que se mantivesse a mesma tradição de modelos de roda da década de 1960. Rodas de alumínio peso-pena, como a Weld Pro Star e a Weld Draglite, são clássicos neste estilo; mas para os adeptos de um estilo mais “bandido”, rodas originais de ferro alargadas, mantendo as calotas centrais “dog dish”, sempre foram a melhor opção.
Weld Pro Star, Weld Draglite, roda de ferro (sem as calotinhas)
Em termos de proporções, o clássico muscle car street vai por uma veia menos extrema e mais proporcional, com rodas de aro 14″ ou 15″ (geralmente de ferro, como as Rallye, Magnum 500 ou as “dog dish”) calçando pneus dianteiros com entre 205 e 235 mm de largura e traseiros com entre 245 e 295 mm de largura.
Road Race e Nascar: são estilos primos, que estão em extinção pela descontinuidade de pneus de alta performance com aros de 15″ com as dimensões utilizadas, normalmente com mais de 245 mm de largura e perfil entre 50 e 60. A Nascar sempre usou rodas de ferro alargadas (como as da Aero Race – dica: a Cragar Black D Window e a Mangels Daytona têm design similar!), enquanto categorias exclusivas de circuito misto, como a Trans Am, permitiam o uso de rodas de liga leve, caso da American Racing Torq Thrust (que ficou famosa nos Mustang Shelby GT350) e da Cragar SS.
Aero Race, Torq Thrust e Cragar SS
Pro Touring: nasceu da conjunção de ao menos três fatores – a extinção dos pneus de alta performance com as dimensões típicas do estilo road race, o desenvolvimento de sistemas de freios de altíssima performance, com discos que naturalmente exigem rodas de entre 16″ e 18″, e a estética atual dos carros esportivos, que raramente usam rodas com menos de 17″ de diâmetro. O mundo dos Pro Touring mistura rodas europeias com recriações dos clássicos norte-americanos, como a própria Torq Thrust e a Magnum 500, além de incluir os modelos das rodas da nova onda dos muscle cars, como os atuais Camaro, Challenger e Mustang.
Torq Thrust M 17″, Magnum 500″, Boyd HR74
Agora, gostaríamos de ouvir de você: qual a sua combinação favorita de modelo de muscle car e de roda? Poste na área de comentários – se possível, com foto junto!