Uma coisa que você precisa colocar na cabeça para entender a cultura automotiva japonesa é que os padrões estéticos não são universais — eles variam não só de lugar para lugar, mas de pessoa para pessoa. O que acontece é que, aparentemente, no Japão as diferentes tribos não dão a mínima se todo o resto da sociedade achará seu carros, motos ou até caminhões ridículos. Na verdade, talvez eles até admitam que são meio ridículos. Mas eles não estão nem aí.
O Japão também é um país onde o espaço físico é um recurso cada vez mais escasso, e por isso dois tipos de carros são muito populares por lá: os kei cars, que seguem um estrito regulamento de tamanho e potência máximos para obter alguns privilégios especiais, como impostos mais baratos; e as minivans — veículos que juntam espaço, conforto e luxo no menor pacote possível sem parecer carros de brinquedo. Existem até kei cars que incorporam características de minivan, como interior modular, portas deslizantes e carroceria monovolume.
Além disso, ao contrário do que ocorre em países como os EUA, quando alguém compra uma minivan, não significa necessariamente que esta pessoa desistiu de se divertir e acelerar carros esportivos na vida — afinal, ainda estamos falando do país que produziu ícones com o Toyota Supra, o Skyline GT-R e o Honda NSX. Em vez disso, eles encaram uma minivan como uma opção inteligente e racional. Eles têm orgulho de suas minivans e, dessa forma, foi inevitável que, ao longo dos anos, a customização de vans se tornasse uma grande e forte subcultura.
Não é à toa que é principalmente no Japão que as fabricantes locais oferecem seus modelos mais luxuosos e equipados de minivans, dificilmente encontrados em outros cantos do mundo. A Honda tem uma linha completa, que vai da arrojada Stepwgn (assim mesmo, sem ‘o’) à pequena e simpática Vamos — essa azul arrastada da foto acima.
Foto: Mike Garrett/Speedhunters
A Subaru é famosa pela pequena Sambar, e a Toyota tem a grande e consagrada Hiace e a icônica Estima/Previa (acima) — uma das mais modernas e futuristas hoje em dia — cuja primeira geração tinha motor central-dianteiro e tração integral ou traseira.
Quantas minivans capazes de fazer drifting você conhece?
Enfim, o que estamos querendo dizer é que as vans e minivans são praticamente uma instituição no Japão e, como tudo por lá, é natural que exista uma rica subcultura em torno delas.
Talvez a mais famosa vertente da cena “vanística” japonesa sejam as vans bosozoku. Normalmente o termo é usado para fazer referência às gangues de motociclistas que colocavam penduricalhos em suas motos no fim dos anos 1980, e ficaram famosas por aprontar todo tipo de confusão — de corridas ilegais a confrontos violentos entre gangues rivais.
Contudo, a palavra bosozoku também pode se referir aos donos de vans que personalizam seus veículos de forma extrema, com bodykits que ultrapassam qualquer senso comum, cores mais do que berrantes, grafismos, luzes, rodas e sistemas de som super potentes.
Não se sabe ao certo a origem das vans bosozoku, mas é certo que em algum ponto da história, alguns motociclistas decidiram incorporar as modificações exageradas de suas motos às vans que dirigiam no dia à dia (ou talvez até usassem para transportar as motos). De qualquer forma, aparentemente todo o lado ruim da cultura bosozoku foi deixado de lado quando as vans entraram na brincadeira.
Na maioria das vezes; uma van com aerofólio comicamente grande, spoilers que, se fossem resistentes, poderiam levar três ou quatro pessoas em pé; dezenas de luzes coloridas e aerografias de personagens de anime está estacionada no meio de vários carros “normais”, sendo fotografada por turistas e curiosos, ou participando de um encontro com vários veículos parecidos. Não é nada muito diferente dos caminhões dekotora — eles desfilam por ruas e rodovias em grupo, andando devagar (para não danificar suas obras de arte sobre rodas) e posando alegremente para fotografias.
Há quem prefira, porém, uma customização mais tradicional — rodas maiores enormes e cromadas, suspensão rebaixada com sistemas a ar ou coilovers, adesivos e equipamentos, como se fosse mesmo um carro esportivo. Há empresas especializadas em body kits para minivans e em tornar os interiores mais confortáveis.
É o chamado estilo VIP, que surgiu quando os pilotos de rua de Osaka, na década de 1980, decidiram que os sedãs grandes que usavam quando não estavam correndo com seus Civic nas ruas também deveriam ser customizados. Quando formavam famílias e precisavam de algo maior e mais prático, voltaram-se para as vans.
Foto: Dream Factory Blow
Por outro lado, também existem japoneses que prestam homenagem à cultura das vans americanas nos fim dos anos 70. Eles podem pegar suas vans, colocar apliques que imitam madeira, pneus borrachudos e abafadores de escape nas laterais da mesma forma que os americanos faziam com suas Ford Econoline e Chevrolet Express naquela época.
Foto: Dino Dalle Carbonare/Speedhunters
Outros chegam ao ponto de converter suas kei vans em quase-réplicas de modelos americanos, trocando componentes que vão das grades e faróis a painéis inteiros da carroceria. Olha só esta miniatura de uma Dodge A100 da década de 70:
As cores, rodas e proporções gerais realmente tornam o visual das vans bastante convincente e harmônico — elas parecem ter sido feitas para ganhar este visual americano clássico, não é mesmo?
Foto: Mike Garrett
Boa parte destas conversões são realizadas pela japonesa Dream Factory Blow que, apesar do nome estranho, realmente capricha no serviço. No vídeo abaixo dá para ver que o nível das modificações é bastante avançado e pode envolver até cortar um carro ao meio e reconstruir boa parte da estrutura sob medida.
Por incrível que pareça, porém, esta é uma solução alternativa e mais barata para quem sempre quis uma van americana. Quem tem condições prefere gastar muito dinheiro na compra e manutenção de uma genuína Chevrolet Astro ou Dodge Ram Van.
Foto: Mike Garrett
E o que dizer destas vans convertidas em pequenas Kombi? Elas também são muito populares no Japão e feitas por empresas especializadas.
Agora, talvez você ache tudo isso feio, exagerado e pense consigo que, definitivamente, se estivesse no Japão jamais dedicaria atenção a uma van. Contudo, não é possível ver uma destas e ficar indiferente — e esta é toda a graça da coisa.,
Fotos: Dino Dalle Carbonare, Mike Garrett