Esqueça tudo o que você sabe sobre Top Gear. Esqueça aquele programa apresentado por Jeremy Clarkson, James May e Richard Hammond — ele agora se chama The Grand Tour e é exibido somente pela internet. Esqueça que ele um dia foi o programa automotivo mais assistido da história. Você precisa limpar sua memória para dar uma chance ao novo novo Top Gear. Você precisa dar uma chance ao novo novo Top Gear.
O novo novo Top Gear estreou há pouco mais de duas semanas, mas você certamente não deu muita bola para isso — e você não foi o único. A temporada passada foi tão desastrosa que derrubou a audiência do programa de uma média de 6,5 milhões de espectadores para apenas 2,6 milhões no último episódio com Chris Evans no comando. A BBC reagiu, Matt LeBlanc reagiu, os fãs reagiram (mudando de canal) e o programa foi mais uma vez reformulado para sua 24ª temporada. Aliás, a BBC deveria se livrar desta contagem de temporadas/séries. Ela leva as pessoas a tratar o novo novo Top Gear como uma continuação do antigo Top Gear. E isso não ajuda nada o novo programa.
A correção dos erros começou com a demissão de Chris Evans, um excelente radialista, mas péssimo apresentador de Top Gear. Depois eles perceberam que o público gostou mais de Extra Gear, apresentado pelos jornalistas mezzo youtubers Rory Reid e Chris Harris, e promoveu a dupla ao comando do programa principal ao lado do carismático Matt LeBlanc.
E foi com esta nova formação que o Top Gear voltou a ser exibido no início deste mês.
Logo no primeiro quadro do primeiro programa, Chris Harris vai a Daytona pilotar nada menos que a Ferrari FXX K. O quadro é a combinação perfeita de Chris Harris On Cars (o antigo canal do jornalista no YouTube) com o orçamento milionário da BBC: edição alucinante, áudio orgástico e fotografia primorosa, e tudo isso emoldurado pelas impressões de Harris, um dos jornalistas mais técnicos e habilidosos de sua geração. Você dificilmente verá algo parecido vindo de Clarkson, Hammond ou May. Chris Harris dá uma expertise técnica que Top Gear deixou de ter quando Tiff Needell deixou o programa original.
A técnica e o status de Chris Harris permitiu que ele fosse o único jornalista a acelerar a FXX K
Depois o programa volta ao estúdio. Reid, sentado à nova sala de estar do programa, apresenta a celebridade convidada, o ator James McAvoy. Esta é a primeira mudança na estrutura do programa: não há uma seção de notícias, nem a celebridade no carro de preço razoável. Os dois quadros foram misturados e agora o convidado assiste ao programa junto com os apresentadores e participa de um bate-papo que mistura notícias, papo furado sobre carros, tiração de sarro e, claro, sua volta na pista.
Sim: é um Countach lá em cima
Felizmente eles deixaram de lado aquela ideia terrível de colocar um carro de ralicross em uma pista de ralicross e trouxeram de volta o traçado tradicional. O carro também mudou, mas em vez de um compacto sensato, agora o carro é “um pouco mais potente”: um Toyota GT86.
Depois de um pouco de conversa, vem a primeira aventura em trio: uma viagem através do Cazaquistão em carros com quilometragem suficiente para ir da Terra a Lua e voltar — sim, foi exatamente esta a premissa do desafio, que visava encontrar um carro verdadeiramente confiável. Harris escolhe um Volvo V70, LeBlanc um Mercedes W210 e Reid um… Black Cab de Londres. A seleção de carros já mostra que a criatividade está de volta ao programa depois de uma temporada apática.
É durante esta viagem que o novo trio brilha. Se na temporada passada LeBlanc parecia tolhido pela efusividade de Chris Evans, nesta ele está solto. Ele se expressa com mais naturalidade, sem jamais parecer estar interpretando um apresentador gearhead. E mesmo sendo uma estrela internacional, o cara que ganhou milhões de dólares por episódio em Friends, ele deixa de lado qualquer estrelismo diante de Harris e Reid. LeBlanc, aliás, serve como escada com frequência — como, por exemplo, quando ele comprou um Mercedes bege “sem saber” que era um táxi de Berlim e só descobriu isso ao ser alertado por seus amigos britânicos.
Isso ajuda no entrosamento do trio, o ponto alto dos dois primeiros episódios da temporada e o elemento fundamental para conquistar o público. O humor britânico meio pomposo, meio ácido de James May, Jeremy Clarkson e Richard Hammond dá lugar a algo mais suave, às vezes pastelão, às vezes sagaz, mas sempre divertido. E como eles não parecem preocupados em emular o antigo trio, aquele comportamento sacana-competitivo-irônico não tem vez neste duelo: eles competem entre si, mas também interagem de forma mais calorosa — o vencedor do desafio chega a dar uma carona para os dois perdedores no final do quadro.
Sim: isto é uma cena do novo novo Top Gear
E é exatamente este encerramento que convence a audiência de que Top Gear voltou a ser um ótimo programa de TV sobre carros. A beleza do texto, a narração de LeBlanc, a pegada entusiasta, a edição de imagens, a fotografia, o conjunto todo arremata o programa com a grandeza que acabou esquecida na temporada anterior.
Deixe o velho Top Gear para The Grand Tour. Temos um novo grande programa sobre carros, e ele se chama Top Gear.