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Car Culture História

Evel Knievel, o homem que deu uma surra na morte

“Não dá para perguntar para um cara como eu por que eu me apresentava. Tudo o que eu queria era voar pelo ar. Eu era um dublê, um artista. Eu amava a emoção, o dinheiro, tudo aquilo. Tudo aquilo me fez Evel Knievel. Claro que eu tinha medo. Você tem que ser muito idiota para não ter medo. Mas eu dei uma surra na morte.”

Evel Knievel – um nome como poucos, do tipo que ouve-se uma vez para nunca mais esquecer. E, quando é para ser notório, um nome forte, sonoro e inconfundível tem sua importância. Muitas vezes as personalidades escolhem pseudônimos – como Ozzy Osbourne, que na verdade se chama John Michael Osbourne; Elton Jonh, que nasceu Reginald Dwight; ou mesmo Marilyn Monroe, que se chamava Norma Jeane Mortenson.

Evel Knievel soa como “Evil Knievel”, o que por si só já é maneiro demais. Seu nome verdadeiro, porém, era Robert Craig Knievel – bem menos memorável, é preciso admitir. Por outro lado, o nome do cara não é tão importante quanto sua pessoa.

Knievel também é uma daquelas personalidades que podem ficar esquecidas com o passar do tempo – não por qualquer demérito seu, mas porque seus feitos estão cada vez mais distantes no passado e o mundo não para de girar. O que vale para tudo, na verdade.

Justamente por conta disso é importante resgatar tais feitos. Eles devem ficar para a posteridade.

Evel Knievel já foi um ídolo para todo moleque americano que queria andar de moto para ganhar a vida. Ele já foi considerado o maior piloto-dublê de todos os tempos. E provavelmente foi o profissional que mais deu saltos em rampas com sua motocicleta em toda a história – mais de 75, com direito a lista na Wikipedia. É como uma lista de todos os nocautes de Muhammad Ali, todas as vitórias de Ayrton Senna, ou todos os gols do Pelé. E vários deles foram documentados, como seu primeiro salto no programa de TV Wild World of Sports, em 1967.

Acontece que, antes mesmo de começar a pilotar motos e fazer manobras para ganhar a vida, Evel Knievel já viveu muitas aventuras.

 

O mundo dá voltas

Evel Knievel nasceu em 1938 e morreu em 2007 por problemas pulmonares – pois é, ele provavelmente tinha uma das profissões mais perigosas do esporte a motor, mas morreu de uma doença. Se estivesse vivo, ele teria 82 anos – a idade do meu avô. E provavelmente ainda estaria acelerando de moto, porque era isso que ele sabia fazer.

Nascido em Butte, Montana, nos EUA, Evel foi criado em sua terra natal pelos avós paternos, descendentes de alemães – seus pais, divorciados após o nascimento de seu irmão Nicolas, foram embora. Aos oito anos, ele foi assistir a uma apresentação de dublês comandada pelo piloto e showman Joie Chitwood – e foi aquilo que mudou sua vida. Por inúmeras vezes Evel disse que foi o espetáculo que o levou a também tornar-se dublê.

Mas a vida era difícil, e Evel teve de abandonar os estudos no segundo ano do ensino médio para trabalhar. Seu primeiro emprego, em uma mina de cobre – primeiro, operando uma broca. Só que esse trabalho era uma pedra no sapato do rapaz, que logo deu um jeito de ser promovido a operador de retroescavadeira, na superfície.

Não durou muito tempo: rapidamente, Evel aprendeu a usar a pá da escavadeira para empinar o veículo. Um belo dia, enquanto realizava sua manobra favorita, a escavadeira acabou cortando os cabos que levavam energia para a cidade, que ficou sem luz por várias horas. Naturalmente, ele foi demitido.

Desempregado, Knievel só tinha sua moto e uma sede insaciável por adrenalina. Então, ele começou a treinar manobras perigosas onde quer que houvesse espaço – e foi assim por boa parte da década de 1950.

Acontece que as manobras lhe renderam uma ficha na polícia – pelo famoso reckless driving, presume-se. Em 1956, durante uma fuga, ele acabou batendo a moto e não conseguiu escapar. Na cadeia, ele ficou conhecido como “Evil Knievel” – dizem que por causa de seu colega de cela, Arthur Knauful, chamado pelos guardas de “Awful Knauful”. Quando saiu, ele trocou o “i” pelo “e”, porque “evil” era uma palavra muito pesada.

Depois de cumprir sua pena, Knievel saiu da prisão com uma mão na frente e outra atrás e precisava se virar. Tentou ser caubói de rodeio (algo comum em Montana), mas não conseguiu. Então, começou a saltar com esquis, esporte que também estava na moda. E ele se deu bem – em 1959, aos 21 anos de idade, chegou ser campeão regional. Contudo, no fim do ano, percebeu que aquilo também não era o que ele queria fazer.

A solução: entrar para o Exército imediatamente – onde, para sua sorte, havia um bom programa de atletismo no qual, além de conseguir preparo físico, Knievel demonstrou habilidade como velocista e saltador com vara.

Só que Knievel ficou apenas alguns meses no Exército, pois o excesso de disciplina lhe incomodava. Voltou para sua cidade natal e casou-se com sua namorada, Linda Bork – e, para sustentar sua recém-formada família, tentou a sorte como jogador de hóquei. Novamente, ficou claro que ele mandava bem: fundou seu próprio time, os Butte Bombers, e – de alguma forma – conseguiu convencer os jogadores da equipe olímpica de hóquei da Tchecoslováquia a jogar um amistoso com eles.

Durante a partida, um desentendimento com outro jogador rendeu a Knievel uma expulsão no terceiro tempo – ele pegou suas coisas e saiu do estádio. Mais tarde, quando organizadores foram conferir o dinheiro dos ingressos, os organizadores da partida descobriram que tudo havia sumido. Naturalmente, todas as suspeitas caíram sobre Knievel, que não estava em lugar algum.

Nunca foi provado que Knievel roubou o dinheiro, mas ele também nunca conseguiu provar o contrário. Por falta de evidência, o Comitê Olímpico Americano acabou arcando com o prejuízo. E Knievel abandonou mais uma breve carreira.

Mas ele não ficou muito tempo parado: depois do fiasco no hóquei, decidiu tornar-se instrutor de caça silvestre – aproveitando que seu avô o havia ensinado a caçar e a pescar. Sua estratégia de negócio era ousada: Knievel garantia que todo caçador que contratasse seus serviços voltaria para casa com o animal desejado – e, se isso não acontecesse, o dinheiro todo seria devolvido.

Knievel quase nunca precisava devolver a grana de seus clientes, mas também acabou se enrolando com as autoridades: não demorou para que descobrissem que ele levava as pessoas para caçar nas dependências do Parque Nacional Yellowstone, possivelmente uma das reservas naturais mais famosas do mundo… onde sempre foi proibido caçar.

Acontece que Knievel era uma pessoa curiosa: arrumava problemas por suas ideias ruins, e saía deles com ideias brilhantes. Quando foi pego por caçar em Yellowstone, ele transformou o caso em uma campanha de conscientização contra a caça ilegal de cervos-canadenses no parque. Colheu assinaturas, organizou manifestações e, no fim, conseguiu fazer com que o governo tomasse providências: pegou um par de chifres de cervo, colocou nas costas, e partiu em uma caminhada até Washington, D.C., para chamar a atenção das autoridades. Deu certo: os cervos foram transferidos para outro lugar, onde a caça regulamentada poderia acontecer sem problemas.

Ao voltar para Montana, Knievel começou a pensar em uma forma mais segura e garantida de ganhar a vida – afinal, ele já tinha um filho pequeno (nascido em 1960) que precisava sustentar. Por um tempo, ele começou a vender apólices de seguro de vida – sua oratória e seu poder de persuasão garantiram bastante sucesso. Mas, quando seu chefe recusou dar a ele uma promoção, Knievel pediu as contas.

Parece que estamos contando a história de um personagem de ficção como Gulliver ou Forrest Gump. Mas não: Evel era um cara de carne e osso. E sua saga estava apenas começando.

 

Encontrando a si mesmo

O começo da nova década deu a Knievel o ímpeto de sair de Butte. Pegou a mulher e o filho e mudou-se para Moses Lake, em Washington, onde abriu uma concessionária Honda – a fabricante japonesa estava começando a fazer sucesso nos EUA, e aquele era o momento certo. Para ajudar a divulgar sua loja, Knievel começou a patrocinar eventos de motocross – mas, talvez por não saber administrá-la, acabou tendo que fechar as portas pouco depois.

Como sempre foi fã de motos, Knievel não desistiu de trabalhar com elas. Mudou-se outra vez, para Sunnyside, também em Washington, e começou a trabalhar na loja de motos de um certo Don Pomeroy – cujo filho, Jim Pomeroy, estava começando na carreira de piloto profissional de motocross. Jim ensinou Evel a fazer um wheelie da forma correta e a andar em pé no banco da moto. E Evel ficou fascinado. Afinal, desde os oito anos de idade, aquilo que ele queria fazer da vida.

Então, em 1965, Evel Knievel começou a correr atrás de se tornar um piloto-dublê de verdade – um stuntman, como se diz em inglês. E, para a sua primeira apresentação, ainda em Moses Lake, ele fez tudo sozinho: alugou o espaço, imprimiu os cartazes, divulgou os releases, vendeu os ingressos e, no grande dia, também foi o locutor do evento.

Como todo bom showman, Evel gostava de pensar grande. Para sua primeira exibição, depois de fazer algumas manobras simples, ele revelou a grande atração: um salto de 12 metros sobre uma gaiola com dois leões-da-montanha e uma caixa cheia de cascavéis. Montou na moto, acelerou e conseguiu aterrissar com relativa tranquilidade – embora a roda traseira tivesse acertado a caixa com as cobras e, como consequência, Evel tivesse torcido o tornozelo.

O dinheiro dos ingressos não foi tanto assim, mas foi o suficiente para que Knievel percebesse que, caramba, podia se dar bem fazendo aquilo. Ele só precisava de uma equipe de verdade, com outros pilotos, um coordenador de manobras e infraestrutura para poder se concentrar apenas nos saltos. E, claro, um patrocinador para bancar tudo.

Seu primeiro patrocinador foi um revendedor de motocicletas Norton – uma beleza, já que as motos estavam garantidas. Inicialmente, Knievel quis que sua equipe se chamasse “Bobby Knievel and His Motorcycle Daredevils”, mas o patrocinador preferia “Evil Knievel” em vez de “Bobby Knievel”. Novamente, “Evil” não agradava muito ao piloto, mas ele conseguiu convencer o empresário a deixá-lo assinar como “Evel”.

A primeira apresentação de Evel e sua equipe acontecem durante um festival na Califórnia – e a boa recepção do público, para ele, foi a confirmação de que era aquele era o caminho certo.

 

De sucesso regional a astro nacional

Nos anos seguintes, Evel Knievel e seus “Motorcycle Daredevils” se apresentaram em várias cidades da Califórnia e na costa oeste dos EUA – e, enfim, começou a ganhar dinheiro de verdade.

Até que, em fevereiro de 1966, um acidente o deixou quatro semanas no hospital. Sem seu líder, a equipe debandou-se espontaneamente e, uma vez recuperado, Knievel resolveu seguir carreira solo.

Por mais que uma equipe fosse interessante, liberdade criativa faria bem. E, sozinho, Knievel começou a bolar um jeito de atrair mais gente a seus espetáculos.

Na época, todos os saltadores de moto costumavam saltar sobre piscinas ou animais. Foi Knievel quem teve a ideia de saltar sobre carros – começando em junho de 1966, quando ele saltou com sua Norton sobre 12 carros enfileirados. Na próxima tentativa, foram 12 carros e uma van – mas ele calculou mal sua performance e acabou se acidentando novamente ao acertar a roda traseira na van. Um piloto inconsciente, com várias costelas quebradas e um braço fraturado foram as consequências imediatas.

Knievel teve de tirar mais um tempo para se recuperar, mas logo estava saltando novamente – e, a cada salto bem sucedido, mais um carro era adicionado à fileira. Em 1967, já eram 16 carros. Mas, no fim daquele ano, Knievel teve a ideia que daria a ele a projeção nacional que tanto sonhava.

Aconteceu em novembro de 1967, quando Knievel estava no famoso hotel Caesar’s Palace, em Las Vegas, para ver uma competição de levantamento de peso. O hotel tem uma fonte em frente à fachada – e, quando Evel bateu os olhos nela, soube que devia saltá-la. Começou os preparativos assim que pode e, um mês depois, lá estava Knievel com uma equipe de filmagem para registrar a manobra… que foi um fracasso. A moto desacelerou na saída da rampa e, sem velocidade suficiente, Knievel aterrissou em cima da rampa de segurança. Com diversas fraturas pelo corpo e uma concussão, o piloto ficou mais de um mês internado sem dar notícias ao público, alimentando boatos de que ele estaria em coma – algo que, depois, foi desmentido inúmeras vezes pelo próprio Evel e sua família.

Na época, o salto da fonte do Caesar’s Palace havia sido o mais longo já tentado por Knievel. O que ele não poderia prever era que a filmagem do fiasco acabou sendo melhor para sua carreira – a rede de televisão ABC pagou mais por ela do que teria pago pelo vídeo de um salto perfeito.

 

Um recordista do desastre

Apesar do susto, o salto em Las Vegas foi mesmo o ponto de virada na carreira de Evel Knievel – que, a partir do ocorrido, passou a cobrar US$ 25.000 (cerca de US$ 175.000 em valores atualizados) por cada apresentação. Era o bastante para que, em meados da década de 1970, Knievel fosse multimilionário, com diversos contratos de publicidade assinados e fama nacional.

Knievel nunca deixou de provocar o público com manobras cada vez mais ousadas – e, no começo dos anos 70, ele alimentou a promessa de que iria saltar sobre o Grand Canyon. Ele nunca chegou a fazê-lo, até porque precisava de permissão do governo, mas sempre mencionava a ideia.

Paralelamente, Knievel colocou em prática ideias igualmente ousadas, porém permitidas pela lei. Como o salto de 1974 sobre o famoso Snake River Canyon, em Idaho. Pela primeira vez, em vez de uma motocicleta, Knievel lançou mão de nada menos que um foguete – ou algo perto disso: um protótipo que usava a pressão do vapor d’água em um reservatório para obter propulsão.

No lançamento, o chamado Skycycle X-2 até que foi bem, e fotos aéreas mostram que o veículo de fato chegou ao outro lado do cânion. Contudo, por causa de uma falha de projeto, o para-quedas que serviria só para amortecer o impacto da queda abriu antes da hora, causando uma resistência aerodinâmica enorme que trouxe o veículo de volta para a mesma margem da qual havia saído, caindo a poucos metros da água. Mais tarde, Knievel disse que, se tivesse de fato caído na água, seria seu fim: o cinto de segurança havia travado, e ele não conseguiria sair antes de morrer afogado.

Novamente, no frigir dos ovos a manobra foi um sucesso de publicidade – que, àquela altura, sabia que era questão de tempo até “a próxima” de Knievel.

E “a próxima” veio já no ano seguinte: 90.000 pessoas se juntaram no estádio de Wembley para ver Knievel saltar sobre 14 ônibus enfileirados – uma distância de 41 metros – quase perfeitamente. Ele caiu na aterrissagem e quebrou a bacia, porém conseguiu se levantar e sair andando do estádio enquanto se despedia do público, que ficou embasbacado.

O salto marcou uma redução no ritmo de Evel Knievel – de alguma vezes por mês para algumas vezes por ano até que ele se aposentou em 1980.

 

O fim de uma lenda

Ao longo de sua carreira, Evel Knievel colecionou recordes, alguns deles já superados desde então. Em 1971, ele foi recordista de vendas de ingressos para seu tipo de espetáculo, com mais de 100.000 pessoas comparecendo a suas apresentações nos dias 7 e 8 de janeiro. Em fevereiro do mesmo ano, ele saltou sobre 19 carros com sua Harley-Davidson XR750 (a H-D foi sua patrocinadora entre 1970 e 1977), estabelecendo um recorde que só foi quebrado em 1998 quando Bubba Blackwell saltou sobre 20 carros com uma moto igual.

Um recorde que não foi superado – e provavelmente não vai ser – é o de fraturas. Segundo a Guinness World Records, Knievel sofreu mais de 433 fraturas isoladas, o que lhe garantiu o recorde de “mais ossos quebrados durante a vida”.

Depois de aposentado, Knievel tirou alguns anos para relaxar – e começou a pintar quadros, que ele mesmo vendia em um trailer com o qual viajava pelos Estados Unidos. Na década de 1990 ele começou a aproveitar mais sua antiga fama e voltou a assinar contratos de publicidade, mas definitivamente não voltou a realizar acrobacias.

Os últimos anos de Knievel foram marcados por entrevistas para a TV em busca de preservar seu legado – ele sabia que não tinha mais muito tempo de vida. Por conta das inúmeras transfusões de sangue que recebeu, Knievel passou a segunda metade de sua vida lutando contra a hepatite C e, no fim da década de 1990, ele recebeu o transplante de um fígado que, ironicamente, foi doado por um rapaz que morrera em um acidente de moto. O diagnóstico de fibrose pulmonar veio em 2005, e Knievel morreu dois anos depois.