A terceira geração do Ford Mustang não é a mais adorada pelos fãs. Geralmente as pessoas preferem os clássicos dos anos 60 ou os modelos de quarta ou quinta geração, que trouxeram de volta a fúria dos motores V8 sem restrições de potência. Isto não significa, porém, que um Mustang “Fox Body” não possa se transformar em um belo project car – é só olhar para o Top Notch, o Mustang de 867 cv (nas rodas!) da oficina californiana Creations n’ Chrome.
Depois do fracasso que foi o Mustang II, lançado em meio à crise do petróleo e, por isso, praticamente desprovido de qualquer aspiração esportiva, a Ford pretendia reconquistar os fãs do antigo muscle car na década que estava para começar – os anos 80. Para isto a fabricante lançou mão de sua nova plataforma, a Fox, que também foi aproveitada em modelos como o Granada, o Thunderbird e o Lincoln Continental.
Graças ao Mustang, a plataforma Fox acabou se tornando uma das mais longevas da Ford, sendo utilizada inclusive pela quarta geração (com modificações, claro, e rebatizada como “SN-95”), vendida entre 1993 e 2004.
Mustang GT 5.0 1985
O tamanho mais compacto e as linhas retas da terceira geração podiam não ter muito a ver com os anos de ouro do Mustang nos anos 60, mas definitivamente eram melhores que o estilo sem graça da segunda geração. Contudo, ainda levou alguns anos para que o Fox Body conquistasse os admiradores do Mustang – em seus primeiros anos (de 1978 a 1981), o maior motor era um V8 de 4,2 litros e vergonhosos 120 cv, enquanto a versão de “alto desempenho” usava um quatro-cilindros turbo de 2,3 litros e 132 cv.
No ano seguinte o V8 Windsor de cinco litros voltou a ser oferecido para o Mustang, e ao longo do tempo sua potência aumentou de 157 cv em 1982 para 210 cv em 1986, quando foi adotado o sistema de injeção eletrônica multiponto. Ainda não era o ideal, mas o modelo com motor V8, vendido como “5.0”, ajudou o Mustang a reconquistar seus admiradores. Não demorou para que os fãs de esportivos se empolgassem com o ‘Stang novamente.
Todo este contexto foi importante para que todo mundo entenda por que o Mustang Fox Body não costuma ser a primeira opção de quem decide preparar um Mustang. E foi exatamente por isso que os caras da Creations n’ Chrome decidiram usar um Mustang 1990 notchback (um cupê de duas portas com três volumes bem definidos e traseira curta) como base para seu projeto, batizado de “Top Notch” – trocadilho com a expressão, que significa “de alto nível” em tradução livre.
E coloca alto nível nisso. O motor continua sendo um V8 de cinco litros, porém o deslocamento é a única coisa que ele tem em comum com o motor antigo. Agora, debaixo de seu capô repousa um V8 Aluminator, crate engine baseado no motor Coyote do Mustang GT. Todo de alumínio, com comando duplo variável nos cabeçotes, pistões Mahle forjados, bielas especiais Manley e taxa de compressão reduzida para 9,5:1, o Aluminator é o motor ideal para projetos que envolvem indução forçada.
Era exatamente o que os caras da Creations n’ Chrome precisavam, pois a receita do Top Notch envolve um compressor mecânico centrífugo Vortech JT-Trim (a gigantesca peça que parece um turbo à frente do motor), um intercooler do tipo ar-ar, escape Borla feito sob medida e novos filtros de ar e óleo da K&N.
O resto da receita é segredo de preparador, mas o que importa são os resultados. Em um dos primeiros testes em um dinamômetro o motor rendeu mais de 760 cv nas rodas, mas em uma passada mais recente, foram acusados nada menos que 867 cv e nada menos que 92,2 mkgf de torque. Acoplado a uma caixa manual de cinco marchas (com embreagem hidráulica Wilwood), é o bastante para chegar aos 100 km/h na casa dos 3,5 segundos.
Apesar da cavalaria obscena, porém, o Mustang Top Notch não foi feito apenas para acertar as diferenças em linha reta. Longe disso: a suspensão dianteira com braços assimétricos e amortecedores do tipo pushrod, aliada ao eixo rígido three-link da Hotchkis na traseira, garante desenvoltura nas curvas, ainda que tenha passado por uma bateria de ajustes para otimizar seu comportamento também nas retas. Os freios são da Wilwood, com pinças de seis pistões na dianteira e quatro pistões na traseira. As rodas são da HRE, de 18×11” na dianteira e 18×13” (!!) na traseira, calçadas com pneus Falken RT-615K de medidas 265/35 e 315/30, respectivamente.
O detalhe é que, apesar das mudanças radicais na estrutura do carro – para se ter ideia, o motor foi recuado em 43 centímetros para melhorar a distribuição de peso e a uma gaiola de proteção que invade o cofre –, o monobloco é o mesmo. Contudo, todas as peças que pudessem ser removidas para dar lugar a componentes feitos sob medida em fibra de carbono, assim o fizeram. O resultado: um carro de quase 900 cv nas rodas que pesa pouco mais de 1.200 kg.
O interior reflete o apelo racer do carro ao contar apenas com o essencial: bancos concha, volante de cubo rápido e cintos de competição (todos da Sparco), a alavanca de câmbio da Long e um painel digital multifuncional AiM Evo4 com datalogger… e só. Atrás, no porta-malas, fica o cilindro de óxido nitroso que adiciona mais algumas dezenas de cavalos ao toque de um botão.
A pintura azul da carroceria foi aplicada dois dias antes de o carro ser apresentado no SEMA Show de 2012. Usando uma camada de verniz translúcido azul sobre o cromo, a pintura tem um belo efeito… ou tinha, pois em 2013 o carro voltou ao SEMA, desta vez pintado de vermelho e com alguns aparatos aerodinâmicos (asa e difusor traseiro) novos, fabricados pela APR.
Imaginamos facilmente este tipo de modificação sendo feita em um Mustang fastback dos anos 60 ou em um exemplar retrô da quinta geração, afinal eles praticamente imploram para serem modificados. O mesmo não pode ser dito do Fox Body, mas aí está a prova de que eles têm potencial de sobra.