Entre a última quinta-feira e o domingo (20 a 23/4), aconteceu na cidade de Águas de Lindóia o tradicionalíssimo Encontro Brasileiro de Autos Antigos – e, como também é tradição aqui no FlatOut, estive lá para registrar tudo para vocês, caros leitores! Para variar, foi algo de encher os olhos: pilotos históricos (como Wilson Fittipaldi e Bird Clemente, embaixadores do evento), clássicos de todas as nacionalidades e épocas, alguns deles multimilionários, de produção limitadíssima ou praticamente inexistentes no Brasil, todos juntos, a pouco centímetros de nossos olhos. E isso significa outra coisa: o perfume de couro, curvim, tecidos antigos, misturado ao óleo e gasolina, toma conta da praça. É uma experiência sensorial completa!
GT40: o classificado dos entusiastas! Caros amigos, informação quente: o está no ar. Guardem nos favoritos! O GT40 é uma plataforma revolucionária de classificados voltada para carros clássicos, exóticos e de entusiastas. Traremos mais detalhes deste projeto-irmão do FlatOut em breve. Em poucos dias, pessoas físicas poderão anunciar. Não deixe de espiar: já tem Ferrari 308 recriação de 288 GTO, Alfa Romeo GTV, Maverick GT, Lambo Gallardo, Opala SS, Porsche Boxster, Passat GTS Pointer, Fissore, etc – e a cada dia tem mais. É viciante!
Cobrir Lindóia é sempre desafiador, por causa do clima árduo, volume assombroso de carros (que estão cada vez mais próximos uns dos outros, dificultando as composições) e público na casa de meio milhão, duas vezes superior ao de uma Daytona 500. Mas desta vez tive um desafio extra: pela primeira vez, registrei a cobertura não apenas em fotos, mas também em vídeos. Então teremos ao menos quatro partes nos próximos dias: duas galerias e dois vídeos. Se você ainda não mesmo: a partir de maio teremos muitas novidades por lá.
Nesta primeira parte, daremos mais destaque aos clássicos europeus e aos americanos da década de 40 para trás. Na segunda parte, os muscle cars, clássicos brasileiros e a lista de premiados. E nos vídeos, daremos um passeio geral pelos carros expostos e veremos alguns dos veículos à venda em Lindóia.
Não esqueça de clicar nas fotos para ampliar a versão em alta resolução. Saboreie sem moderação!
Vamos começar este tour com a Ferrari 225S Vignale Spyder 1952, chassi 0180ET. O valor que está no título dessa matéria é apenas uma referência no mercado internacional, mas é bastante provável que seja maior. Especialmente porque este exemplar, que veio para o Brasil na época, após competir por duas temporadas em provas em Portugal, foi totalmente restaurado na Ferrari Classiche, departamento de restaurações de clássicos da casa de Maranello. A FC possui não apenas as ferramentas e o know-how da época, como até mesmo os moldes e fundições originais, assegurando a reposição perfeita de virtualmente qualquer componente.
A 225 foi a sexta evolução do motor V12 Colombo (leia toda a história deste motor aqui), que equipou carros como a 250 GTO e a Ferrari 365 GTB/4 Daytona. Com 225 cm³ por cilindro – ou 2,7 litros de deslocamento –, a 225 S gerava cerca de 210 cv a 7.200 rpm. Como todo carro de corrida, seu comportamento em baixas rotações era áspero, devido aos comandos de válvulas agressivos – em compensação, em altas rotações o canto dos doze cilindros perfeitamente balanceados era (e ainda é) puro êxtase mecânico.
Volante Nardi de mogno e alumínio, mão inglesa, alavanca de câmbio na mesma altura das mãos do piloto ao volante e instrumentação básica e essencial: all business. Sem frisos, sem forrações luxuosas, nada que agregasse peso. Esta Ferrari pertence à uma época na qual as carrocerias eram feitas por fornecedores independentes, os famosos carrozzieri: Pininfarina, Vignale, Touring, Ghia, Farina, dentre outras, vestiram os chassis de Maranello.
As saídas triplas de ar quente ajudavam no escoamento aerodinâmico e arrefeciam o cofre, fazendo com que os carburadores puxassem ar mais fresco. Mais abaixo, detalhe do cubo rápido da milanesa Borrani. Para remover a roda, era necessário o uso de um martelo de couro – se você não leu nossa história sobre este tipo de roda, clique aqui agora e saboreie!
Outro destaque fabuloso de Lindóia foi esta Alfa Romeo 6C 2500 Boneschi, de 1950, que venceu o prêmio de Best of Show do ano passado. Embora a produção da 6C 2500 não tivesse sido pequena, pouquíssimas unidades tiveram carrocerias feitas pela Boneschi – e esta é provavelmente a única conversível do mundo. Note o luxo do interior – mão inglesa, como a 225S Vignale – e a classe ergonômica da cobertura cromada dos instrumentos, para reduzir os reflexos.
Se há um tipo de carro que nos deixa malucos no bom sentido, são os pequenos roadsters ingleses: motores quatro cilindros em linha (isso quando não seis ou até V8), entre-eixos curto, peso-pena, dinâmica cortante e linhas elegantes e simples, despretensiosas. Os criadores do Mazda Miata concordam conosco: eles se inspiraram diretamente no conceito de carros como estes aí embaixo. Na sequência, um MG Midget, dois Triumph Spitfire MkIII (o creme com teto rígido me fez perder alguns bons minutos de admiração), um Triumph TR4, um MG T-Series (provavelmente um TD) e outro Triumph Spitfire, mais já pro fim da década de 1970.
O Jaguar E-Type é o tipo de carro que, não importa quantas vezes você veja, ele rouba o seu olhar como um imã. Especialmente o Series I (no caso, um Series I e 1/2, note a ausência da bolha nos faróis), bastante incomum e produzido apenas em 1968. Projetado pelo aerodinamicista Malcolm Sayer, o E-Type é o casamento perfeito de performance e design.
Distribuição de peso praticamente perfeita de 49,6% no eixo dianteiro e 50,4% sobre o traseiro, motor seis-em-linha de 4,2 litros perfeitamente balanceado, suave como seda e com um canto mecânico espetacular, dinâmica neutra, freios a disco nas quatro rodas (sendo que os traseiros são in-board, ficando próximos ao diferencial) e um complexo sistema de suspensão independente traseira são alguns de seus diferenciais. Isso sem falar na versão Lighweight, com carroceria de alumínio. É um carro menor e mais baixo do que as fotos nos fazem pensar, graças ao capô longo.
Abaixo, um Ford Deluxe Phaeton 1929. Quando fui enquadrar essa foto, me dei conta de que precisaria correr: o tempo estava fechando!
Uma dupla de full-sizes norte americanos Buick Riviera 1972 e Pontiac Bonneville 1969 – pra lá de seis metros e duas toneladas em cada um deles – fizeram companhia a uma belíssima Ford Ranchero de primeira geração, do fim da década de 1950. Nas próximas partes da nossa cobertura traremos os V8 das décadas de 1960 e 1970.
Aqui uma sequência de Mercedes-Benz de altíssima classe: Mercedes-Benz 190SL 1958, 250, 280SL e CE, 190E Cosworth, duas Pagoda e… um raríssimo Datsun 1500 infiltrado na festa do chucrute. Até a cor estava condizente com a esquadra alemã.
Se você leu nossa reportagem sobre a festa de inauguração do novo endereço da , já sabe do que se trata este carro aí embaixo: o único Monarca sobrevivente, de 1954. É um roadster construído por Oliviero Monarca em cima de uma plataforma Volks (com mecânica de Porsche 356!) e que teve como carrozzieri Toni Bianco e Anísio Campos.
Aqui tínhamos uma bela fila de norte-americanos da década de 1930: na sequência, Ford Coupé 1934 (detalhe do ornamento do capô com o greyhound, raça presente também nos ornamentos da Delage e Lincoln, marca comprada por Henry Ford na época da depressão norte-americana), Chevrolet Sedan 1934 e um Tudor 1934.
O inconfundível Brasinca 4200 GT, ou simplesmente Uirapuru, projeto de Rigoberto Soler Gisbert (ex-Willys) e um dos únicos fora-de-série brasileiros com carroceria de chapa e motor grande – no caso, um Chevrolet seis-em-linha 4.2 usado nos caminhões da época, mas preparado com carburador triplo SU e comando mais bravo. A SS, versão mais apimentada, gerava 180 cv. Em meados dos anos 1960, um automóvel nacional ir aos 100 km/h em menos de 10 segundos e fazer 230 km/h de máxima era uma violência. Quando ele nasceu, o Mustang ainda estava saindo do berço nos EUA.
Abaixo, temos um belo Ford Prefect 1938 (primeiro ano de produção) saia-e-blusa. Este carro era fabricado na Inglaterra e substituiu o Model Y, feito entre 1932 e 1937.
Abaixo, uma dupla de Riley: um RMC 1948 e um TT Sprite 1931.
Abaixo, outra raridade britânica de alta classe: um roadster Allard K1 1948. De acordo com o proprietário, apenas 151 unidades foram fabricadas entre 1946 e 1949. Foi o primeiro modelo a ser feito pela Allard no pós-guerra. Por este motivo, utilizava suspensão Ford e sob seu capô havia um V8 Ford flathead de 3,6 litros, capaz de gerar 95 cv e máxima de aproximadamente 150 km/h. Foi um carro muito utilizado em provas de subida de montanha na época.
Esterçar as quatro rodas? Honda Prelude? Porsche GT3 991? Qual nada: o Vidal & Sohn Tempo G1200, projetado por Otto Daus, já fazia isso na década de 1930. Mais ainda: este veículo militar alemão tinha dois motores totalmente independentes, com sua própria caixa de câmbio, e podiam ser operados juntos (AWD) ou de forma independente, configurando um tração dianteira ou traseira.
Um dos fora-de-série brasileiros mais interessantes: o Concorde, idealizado por João Storani, lançado em 1976 e fabricado até 1982 (menos de 20 unidades no total). Inspirado nas linhas do Duesenberg SJ (contamos a história da marca aqui), usava chassi e motor V8 292 de Galaxie e carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro. Como podemos ver nas fotos, o acabamento era bastante esmerado, de forma que um desavisado pode encará-lo tranquilamente como um veículo da década de 1930. Amplie as fotos e deguste.
Abaixo, uma dupla de Hupmobile Model 20, um Runabout de 1909 (primeiro ano de produção da marca) e um Touring Car quatro-lugares 1911 (penúltimo ano do Model 20), respectivamente. Bobby Craig Hupp já tinha trabalhado para a Ford, Olds e Regal quando fundou a Hupp Motor Company, empresa que durou até 1940. Veja os detalhes dos faróis de latão e das rodas de raios de madeira.
Note que o modelo 1909 (fotos acima) tem pneus brancos, resultante da fabricação com óxido de zinco, que deixava a borracha mais resistente e durável, mas removia a cor natural âmbar. Foi a partir de aproximadamente 1913 que começou a ser utilizado fuligem (pó resultante da combustão de produtos com carbono) em seu lugar, inicialmente empregado apenas nas bandas de rodagem – foi assim que os pneus faixa branca surgiram. Leia aqui nossa história detalhada sobre por que os pneus são pretos.
De Dion-Boutón Vis à Vis 1902 fazendo companhia a uma motocicleta NSU. O diferencial exposto do Vis à Vis era um espetáculo à parte. O nome em francês quer dizer algo como “cara a cara” e faz referência à posição dos quatro ocupantes: um par de frente para o outro. No lugar do volante, ele tinha uma alavanca de esterçamento e seu motor de 3,5 hp o impulsionava para algo próximo aos 35 km/h em condições ideais.
Se não tem Ford bigode, não é evento de clássicos, não é mesmo? As rodas com raios de madeira são uma amostra gráfica da transição do tempo das carruagens para os automóveis. Outro sinal dos tempos era uma certa falta de convenção ergonômica: no Ford T, o pedal da esquerda servia para trocar as duas marchas para a frente, enquanto o do meio engatava a ré. O pedal da direita é o freio, e não o acelerador. Para acelerar, usa-se a alavanca à direita do volante, enquanto a alavanca da esquerda, que aparece na foto abaixo, controla o ponto de ignição. Uma bela salada mental.
Para encerrar esta primeira parte e já deixar o terreno preparado para os norte-americanos do próximo post (virão em peso, de Impala do fim dos anos 50 a Plymouth Roadrunner!), um belo trio formado por um Packard 1954, um Bel Air Styleline 1951 e um maravilhoso Ford Thunderbird de primeira safra.