O Fiat 147 foi o primeiro veículo de passeio vendido pela fabricante italiana no Brasil. Ele começou a sair da então recém-inaugurada fábrica em Betim/MG, em 1976, e foi apresentado oficialmente em novembro daquele ano no Salão do Automóvel. Hoje em dia o Fiat 147 é, para muita gente, motivo de piada – quem não conhece a história dos “147 defeitos” ou a anedota do Fiat quebrado sendo rebocado por uma Ferrari?
No entanto, é preciso reconhecer que seu bom aproveitamento de espaço, seu comportamento dinâmico correto, a economia de combustível e o preço acessível fizeram dele o precursor dos carros populares, que por décadas foram a principal força do mercado automotivo brasileiro. O 147 abriu caminho para o Uno, este sim o primeiro carro popular, que foi vendido até 2013 e poderia ter durado mais alguns anos caso a Fiat tivesse se esforçado um pouco mais para instalar nele airbags e freios ABS.
O Fiat 147 brasileiro até teve algumas versões de apelo esportivo, como a o 147 Rallye – que aproveitava a boa suspensão independente nas quatro rodas e os freios exemplares do hatch e adicionava um motor 1.3 de 72 cv à receita, além de decoração característica com spoiler frontal, rodas exclusivas e faixas nas laterais.
Com o perdão pela parcialidade, é minha versão favorita do Fiat 147, que é um dos meus carros favoritos. Mas isto considerando apenas o 147 vendido no Brasil. Porque os nossos hermanos argentinos tiveram uma versão ainda mais interessante: o Fiat 147 Sorpasso.
Visual bacanudo, hein? Ele vinha assim de fábrica, e era modificado por uma divisão que a Fiat criou especificamente para desenvolver versões esportivas de seus modelos na Argentina, a IAVA – Industria Argentina Vehículos de Avanzada (algo como “Indústria Argentina de Veículos Preparados”, em tradução livre). O primeiro modelo a passar pelo tratamento da IAVA foi o Fiat 128 argentino que, como comentamos recentemente, foi vendido na Argentina entre 1971 e 1990, sempre como sedã ou perua de quatro portas.
Fiat 128 IAVA (Fotos: Sorpasso/Flickr)
A IAVA desenvolveu versões esportivas do Fiat 128 argentino entre 1971 e 1978, sempre com decoração caprichada, usando rodas de liga leve, faixas laterais, suspensão preparada, interior melhor equipado e motores de 1,3 litro com potência que variava entre 88 e 102 cv. Em 1981, porém, o Fiat 147 foi lançado na Argentina. Em um primeiro momento importado do Brasil, mas já a partir de 1982, passou produzido localmente pela Sevel – a mesma que forneceu motores para algumas versões dos Fiat Uno e Palio no Brasil.
Imediatamente a Fiat argentina tratou de aplicar o tratamento IAVA no Fiat 147, resultando na versão Sorpasso. A palavra sorpasso, em italiano, quer dizer “ultrapassagem”.
Era bem apropriado. O Fiat 147 Sorpasso herdava do 128 IAVA o motor 1.3, que entregava 90 cv a 6.400 rpm e graças a um carburador Solex de corpo duplo, cabeçote com fluxo retrabalhado, coletores de admissão e escape exclusivos e comando de válvulas com graduação mais agressiva, além de um abafador menos restritivo que proporcionava um ronco mais encorpado. Vale frisar que era um motor diferente do 1.3 oferecido no Brasil: o nosso motor é baseado no 124 e foi modificado para o mercado brasileiro com comando no cabeçote, mas o Fiat 147 argentino usava uma evolução do motor do Fiat 128 italiano.
Com quase 40 cv a mais que as versões comuns, o 147 Sorpasso era capaz de ir de zero a 100 km/h em 8,2 segundos (sendo o único automóvel produzido na Argentina a fazê-lo em menos de dez segundos) e tinha velocidade máxima de 165 km/h. Era o Fiat 147 mais potente e mais veloz já feito.
O visual condizia com sua personalidade: a IAVA caprichou, dando ao 147 Sorpasso um spoiler dianteiro bem proeminente, faróis auxiliares Cibié, faixas que percorriam todo o perímetro do carro e um pequeno aerofólio na tampa traseira, que tinha uma cobertura plástica cinza entre as lanternas – a placa era deslocada para o para-choque.
Completavam o pacote rodas raiadas de 14 polegadas que abrigavam freios servo-assistidos, pneus radiais e suspensão com cambagem ligeiramente negativa nas quatro rodas, que proporcionavam uma postura mais assentada ao pequeno Fiat esportivo.
O interior tinha modificações mais discretas, porém ainda notáveis: volante com três raios de metal, cluster de instrumentos com conta-giros e revestimentos exclusivos nas portas e bancos.
O Fiat 147 Sorpasso é um carro raríssimo: foram produzidas 37 unidades em 1982, 302 unidades em 1983 e 64 unidades em 1984, totalizando 403 carros nos três anos. Talvez por isso o 147 Sorpasso seja uma lenda na Argentina, porém praticamente desconhecido no Brasil – os hermanos devem preferir guardar para si os poucos exemplares que existem.
Mas agora eu quero um.