Na hora de batizar um carro, os fabricantes buscam diversas soluções para identificar suas criações. Há quem escolha as racionais combinações alfanuméricas, geralmente bastante pragmáticas e inspiradas no número do projeto (Porsche 911), em seu porte (Hyundai i30) ou na combinação de tamanho e motor (BMW 328i).
Há quem escolha nomes inspirados em animais, em uma correlação entre as características dos bichos e dos carros; há quem escolha o nome de uma localidade como referência à sua origem (Siena, Elba) e há marcas que escolhem fenômenos da natureza. Este é o caso dos carros desta lista: todos eles têm seus nomes inspirados em ventos ou fenômenos atmosféricos. Nesta post, explicamos a origem de cada um deles — dos carros e dos ventos. Confira aí embaixo:
Mistral
Este vento frio e forte sopra do Sul da França para o norte do Mar Mediterrâneo, e pode chegar aos 100 km/h. Em certos períodos do ano ele pode soprar por quase três dias em velocidades superiores a 30 km/h. O Mistral acontece sempre que há um anticiclone (área de alta pressão) na Baía de Biscay e uma área de baixa pressão no Golfo de Genoa. Quando isso acontece, o fluxo de ar entre as áreas de alta e baixa pressão resultam em uma corrente de ar frio vindo do norte que acelera nas elevações mais baixas entre os Alpes e as Cevennes. Por ser frio e seco ele também resulta em céu limpo e brilhante.
Um dos carros com nome inspirado pelo mistral é o Austin Maestro. Embora a palavra identifique o regente da orquestra ou os professores na língua espanhola, Maestro é uma das várias denominações do mistral.
Antes dele, nos anos 1960, havia o Maserati Mistral, um GT produzido entre 1963 e 1970 como cupê ou conversível. Era equipado com motores 3.5, 3.7 ou 4.0 — todos seis-em-linha e com 235, 245 e 255 cv respectivamente. O Maserati Mistral foi o primeiro de uma linhagem de carros batizados com nomes de ventos, que veremos a seguir.
Bons ventos da Maserati…
Ghibli
Depois do Mistral a Maserati buscou inspiração em novos ventos. Um deles foi um vento quente e muito seco chamado Ghibli, originário do deserto do Saara em direção ao litoral norte da África, mais exatamente na Líbia. Ele causa imensas tempestades de areia no deserto e acontece quando há baixa pressão sobre o Mar Mediterrâneo.
O Maserati Ghibli foi originalmente lançado em 1966 e teve outras duas gerações — uma delas vendida atualmente. O primeiro modelo era um GT com motores V8 de 4,7 e 4,9 litros produzido entre 1966 e 1973. O 4.7 tinha 310 cv e acelerava de zero a 100 km/h em 6,8 segundos e chegava aos 250 km/h. O 4.9 equipava a versão SS e produzia 335 cv que levavam o Ghibli aos 280 km/h — a maior velocidade atingida por um Maserati até então.
Depois ele voltou em 1992 como um cupê de quatro lugares equipado com dois V6 biturbo, um 2.0 e um 2.8. O 2.0 produzia 306 cv e acelerava de zero a 100 km/h em 5,7 segundos antes de chegar aos 255 km/h. O 2.8 era mais fraco, tinha 284 cv, mas era pouca coisa mais lento: o zero a 100 km/h era feito em 6 segundos e a máxima ficava nos 250 km/h. Foi produzido até 1998, quando a marca passou a ser controlada pela Ferrari, e não mais pela Fiat.
O Ghibli voltou em sua terceira encarnação em 2014, desta vez como um sedã de quatro portas com motor V6 biturbo de injeção direta e tração traseira ou integral. Os novos 3.0 produzem 330 ou 410 cv, e também há uma versão turbodiesel de 275 cv — o primeiro Maserati com um motor queimador de óleo combustível.
Karif
O Karif é um vento noturno de verão que sopra na época das monções na costa oeste da Península Arábica, atingindo a Somália. Ele foi escolhido para batizar um cupê esportivo de luxo na época em que a Maserati era propriedade da De Tomaso. Lançado em 1988 o visual é a cara dos anos 1980 — aqueles anos 1980 enevoados de pó branco, champanhe, mulheres de cabelo armado e homens de ternos com ombreiras.
O Karif era equipado com o motor V6 2.8 também usado no Biturbo. Tinha 285 cv e chegava aos 100 km/h em 4,8 segundos. A velocidade máxima era 255 km/h. Foi produzido até 1993 e somente 222 unidades foram vendidas.
Khamsin
Outro vento quente e seco do norte da África é o Khamsin. Ele é causado por depressões ao longo da costa norte da África e sopra em direção à Península Arábica entre fevereiro e junho. Pode chegar a 140 km/h e aumenta a temperatura local em até 20 graus em apenas duas horas. Seu nome vem da palavra árabe para cinquenta pois acreditava-se que o vento soprava ao longo de 50 dias com intervalos, embora ele sopre somente por algumas horas em duas ou três ocasiões por semana. Assim como o Ghibli, o Khamsin também causa as famosas tempestades de areia, e com intensidade ainda maior.
Já o carro Maserati Khamsin foi uma criação de Marcelo Gandini e tinha perfil em forma de cunha, com frente baixa e faróis escamoteáveis. O motor era um V8 de 4.9 litros com cárter seco e quatro carburadores duplos Weber que produzia 330 cv para levá-lo aos 270 km/h.
Shamal
Saindo da África e chegando ao Oriente Médio topamos com o Shamal, outro vento quente e causador de tempestades de areia, mas que sopra sobre o Golfo Pérsico entre 20 e 50 vezes por ano. Ele é formado pelas correntes de vento noroeste canalizadas no Golfo pelas montanhas da Turquia e Iraque em direção ao nordeste e planaltos da Arábia Saudita.
O carro inspirado neste vento é o Maserati Shamal, o sucessor do Khamsin lançado em 1990 e também projetado por Marcelo Gandini. O Shamal era outra das evoluções do Biturbo (do qual também derivou a segunda geração do Ghibli) e por isso usava um V8 biturbo de 3,2 litros e 325 cv. Era o topo da linha de cupês da Maserati na época. Chegava a 270 km/h e acelerava de zero a 100 km/h em 5,5 segundos.
Bora
O último dos Maserati com nomes de vento é o Bora, a versão V8 do Merak, um dos carros de motor central traseiro que a marca fez nos anos 1970. O vento bora é um vento catabático que sopra sobre o mar Adriático em direção à Bósnia e Herzegovina, Croácia, Montenegro, Itália, Bulgária, Grécia, Eslovênia, Polônia, Rússia e Turquia. Ele é causado quando uma área polar de alta pressão permanece sobre as montanhas cobertas de neve dos Alpes Dináricos na Europa, e depois encontra uma área de baixa pressão sobre as águas mornas do mar Adriático. Ele é tão gelado que mesmo após ser aquecido em sua descida, ainda chega às regiões mais baixas como um vento frio e pode chegar a 150 km/h, tornando o mar revolto e causando nevascas durante o inverno. Uma verdadeira força da natureza.
E foi por isso que ele inspirou o Maserati Bora, um supercarro italiano dos anos 1970 com um V8 de 4,9 litros e 330 cv (o mesmo do Khamsin) capaz de chegar aos 275 km/h. Apesar do comportamento tempestuoso como o vento que lhe batizou, o Bora teve apenas 554 unidades produzidas entre 1971 e 1978.
O nome, contudo, seria levado como o vento até outra fabricante europeia, a Volkswagen, que também adotou a temática em seus carros nos anos 1970 e 1980.
… que chegaram a Wolfsburg
Bora, Jetta ou Vento?
Sim. O vento Bora também inspirou a Volkswagen a batizar a quarta geração do seu sedã derivado do Golf. Em suas duas primeiras gerações ele foi batizado como Jetta, um nome que também tem origem no movimento do ar sobre a superfície terrestre, mais especificamente a chamada corrente de jato (ou jet stream, em inglês). Elas são correntes de ar que se localizam na transição entre a troposfera (onde a temperatura diminui devido à altitude) e a estratosfera (onde a temperatura aumenta junto com a altitude), e são provocadas pela combinação desses fatores com a rotação da Terra.
Na terceira geração do modelo, a Volkswagen decidiu adotar um outro nome inspirado no mesmo tema: Vento, que é a palavra que designa o ar em movimento em português e italiano — como todos nós sabemos muito bem. Depois, a quarta geração voltou a adotar o nome Jetta em alguns países (como o México), mas também o batizou como Bora em outros — caso do Brasil.
Quando veio a quinta geração, o modelo voltou a se chamar Jetta por aqui (e Bora no México) e permanece assim até a atual geração, que eliminou o nome Bora.
Scirocco
Outro vento que soprou da Maserati para a Volkswagen foi o Scirocco. Você só não percebeu isso por que a Maserati usou o nome do vento em sua denominação líbia: Ghibli. Sim: Ghibli e Scirocco são nomes diferentes para a mesma corrente de ar tempestuosa que causa tempestades de areia no Norte da África. Quando chega à Europa subindo o Mediterrâneo ele muda de nome e causa a famosa Acqua Alta de Veneza, os curtos períodos de inundação da parte histórica da cidade, causados pela variação da maré.
Devido à sua velocidade e poder a Volkswagen o escolheu para batizar seu cupê esportivo baseado no Golf em 1974. Inicialmente produzido com motorizações que iam de 1,1 litro a 1,7 litro, ele teve duas gerações e foi produzido até 1992, quando foi substituído pelo Corrado (que não é um vento). Foram fabricadas mais de 750.000 unidades das duas primeiras gerações. Mais recentemente, a Volkswagen ressuscitou o carro e o nome em um dos modelos de visual mais agressivo já fabricados pela marca. O Scirocco moderno é baseado na plataforma do Golf de quinta geração (PQ35) e é equipado com motores 1.4 TSI de 122 cv a 160 cv e 2.0 TSI de 210 e 265 cv.
Golf
Então você achava que Golf era uma referência ao segundo esporte preferido do Nigel Mansell? Bem, a resposta é: talvez. O Golf surgiu numa época em que a Volkswagen adotou uma temática inspirada pelos ventos, e por isso a origem do nome pode vir do “Gulf Stream”, conhecido pelos lusófonos como “Corrente do Golfo”. Trata-se de uma corrente marítima potente, rápida e quente que se origina no Golfo do México, passa pelo estreito da Flórida, segue a costa leste dos Estados Unidos e atravessa o Atlântico até chegar à Europa, aquecendo os países do oeste do Velho Mundo.
Por outro lado, diz-se que a origem do nome é realmente esportiva; o primeiro da temática que batizaria o Polo, o Derby e o Gol. Qual das duas está correta? Difícil dizer, pois em 2013 o ex-redator publicitário da Volkswagen, Bertel Schmitt, afirmou que consultou diversas fontes na Volkswagen, incluindo o chefe da VW of America, Dr. Carl Hahn, e WP Schmidt, ex-chefe de vendas da VW, e não encontrou evidências de que a fabricante empregou uma temática específica para seus novos modelos arrefecidos a água, nem algum outro tipo de sistema declaradamente oficial ou confidencial. Nosso palpite? Talvez tenha sido realmente inspirado na Corrente do Golfo, mas como o nome é ambíguo, a VW aproveitou para variar o tema usando o esporte como inspiração — daí a picape Caddy (caddie é o assistente do jogador de golfe, que carrega e seleciona os tacos) e o pomo do câmbio em forma de bola de golfe.
Passat
Um dos carros mais famosos com nome de vento é o Volkswagen Passat. O nome passat é a palavra alemã para os ventos alísios, que são os ventos que sopram dos trópicos para o equador e ocorrem permanentemente nas regiões sub-tropicais. Eles são formados pela ascensão de massas de ar de zonas de alta pressão nos trópicos que convergem para zonas de baixa pressão no equador.
O Volkswagen Passat, como sabemos, foi o primeiro modelo com motor arrefecido a água da Volkswagen no mundo e no Brasil. Por aqui a primeira geração foi produzida até 1988, e dividiu o mercado com um representante de sua segunda geração, o Santana.
Santana
Bem, se você acompanha o FlatOut de longa data, certamente sabe que o Santana é a variação sedã do Passat B2 alemão — que também foi vendido como fastback na Europa. Embora o nome pareça ter origem religiosa (Santa Ana, a mãe de Maria e avó de Jesus Cristo segundo a história) ele também tem origem em um vento. Os ventos Santa Ana se originam no deserto de Mojave e sopram em direção ao Oceano Pacífico, resultando no clima seco e quente do litoral do sul da Califórnia e da Baja California (México). Eles também são responsáveis por espalhar os frequentes incêndios florestais tão comuns na região. Eles também são conhecidos como “Devil Winds”, ou “Ventos Demoníacos”.
Três carros e um nome
Como vimos mais acima, o Ghibli sai da África em direção ao Mediterrâneo, onde vira Scirocco e atinge a Itália. Mas ele não para por ali. Ele segue em direção ao nordeste indo parar nos Bálcãs (que é logo ali ao lado da Velha Bota), onde recebe o nome de Jugo, que é o mesmo prefixo de um extinto país que se chamava Jugoslavija, ou Iugoslávia. É de lá que vinha o Zastava Koral, que ficou conhecido por estas bandas simplesmente como… Yugo! Sim: o bizarrinho do Leste Europeu era uma tradução do Scirocco — o que significa que o Maserati Ghibli, o Volkswagen Scirocco e o Zastava Koral são o mesmo carro. Er.. não.
Italiano pero con orgullo argentino
Apesar de estar na Italia desde antes de 75% da equipe do FlatOut nascer, Horacio Pagani é tão argentino quanto o tango, Fangio, De Tomaso e Perón. E na hora de batizar seu primeiro carro, ele não esqueceu de suas origens sudamericanas e escolheu um termo bastante local para sua criação. O chamado viento zonda é um vento que ocorre no sopé dos Andes argentinos. Trata-se de um vento seco e carregado de areia que se forma pela corrente de ar marítima polar forçada a passar sobre a cordilheira. Ao descer dos 6.000 metros de altitude ele é aquecido e acelerado, chegando à Argentina a uma velocidade média de 40 km/h. Em outras regiões de relevo mais elevado, ele pode chegar a mais de 200 km/h e é o principal responsável pelas nevascas destas regiões.
Seu segundo carro também busca inspiração nos ventos da América do Sul: Huayra vem de Wayra Tata, ou “O Pai do Vento” na mitologia Quechua, um deus reverenciado pelos povos pré-colombianos do continente. Wayra Tata era o responsável pelos ventos e chuvas fertilizantes, e os povos antigos acreditavam que o vento era o próprio Wayra se manifestando sobre a Terra.
Ventos utilitários
A GM foi mais direto ao ponto com seus utilitários batizados com a temática. Nada de nomes específicos aqui, apenas fenômenos naturais causados pelo vento em altíssima velocidade: ciclone, tufão e tornado. Estamos falando da picape GMC Syclone, seu SUV GMC Typhon e a picape Chevrolet Tornado, que é o nome da nossa Montana no México.