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Automobilismo História

Ford vs. Ferrari: o indomável Ken Miles e sua vida dedicada à missão “impossível”

Nesta nossa longa saga da Ford contra a Ferrari em Le Mans (confira os capítulos anteriores: parte 1, parte 2, parte 3, parte 4), você já deve ter percebido que um personagem foi fundamental. Um personagem que, diferentemente de Amon, McLaren, Gurney e Foyt, raramente é lembrado. Um nome que, ao volante destas máquinas da Ford, fez toda a diferença na missão Le Mans.

Um personagem que acabou dando sua vida pelo projeto e que, segundo Carroll Shelby, não pode ser esquecido – e por isso, ele merece este interlúdio na saga. Seu nome é Ken Miles.

Ken Miles e Carroll Shelby

O início

Kenneth Henry Miles nasceu em 1º de novembro de 1918 em Sutton Coldfield, na região de Birminghan, um dos principais pólos industriais da Inglaterra. Desde muito jovem, Miles se interessou por automóveis e motocicletas, e até foi EUA tentar fazer um curso técnico em mecânica. A incursão americana não deu certo e Miles acabou voltando à Inglaterra. Ironicamente, de volta à sua terra, ele conseguiu uma vaga na Wolseley Motors, onde acabou aprendendo mecânica.

O futuro de Miles parecia promissor na Wolseley, mas em 1939 Adolf Hitler invadiu a Polônia, o mundo entrou em Guerra e ele acabou convocado pelo exército britânico. No British Army Miles se tornou sargento na frota de tanques, onde era o responsável pela manutenção dos tanques da armada britânica e também piloto em missões de reconhecimento e resgate.

Mies seguiu no exército até 1945, ano em que retornou para a indústria automobilística, e também começou a levar a sério a carreira de piloto de competição. Ele havia começado a correr de moto durante a guerra e, agora, sem o conflito, poderia se dedicar mais ao esporte. Nessa época, recebeu o apelido de Hawk (falcão) por conta de seu nariz proeminente.

Depois de algum tempo ele trocou as motos pelos automóveis, iniciando sua carreira com carros anteriores à Segunda Guerra, como o Bugatti Tipo 35 e o Alfa Romeo Monza. Insatisfeito com carros “prontos”, eles começou a construir seu próprio carro, um Frazer-Nash com motor flathead V8-60 da Ford. Também nessa época a Fórmula 3 começou a se popularizar na Inglaterra, com seus monopostos de 500 cm³. Miles tentou entrar na onda produzindo carros com motor e tração dianteira para a categoria.

 

Hollywood, e a nova vida.

Sem sucesso com os monopostos, Miles embarcou para os EUA em 1952, onde fora contratado como de gerente de serviços na representante da MG no sul da California, mais precisamente em Hollywood Hills.

Nessa época, os MG TD Midget estavam no auge do sucesso nos EUA. Os ex-combatentes americanos da Segunda Guerra conheceram os roadsters na Inglaterra e voltaram que puderam conhecer o carro ao combater em solo inglês, e surgia uma forte cena de competições para carros esporte no sul da California. Em tese, era o território ideal para Ken seguir com seus planos de participar de competições e viver do trabalho com automóveis.

Sendo ele um trabalhador de classe média, competir não era algo fácil de se viabilizar. Contando com ferramentas, conhecimento técnico e alguns recursos, a bordo de um MG TD, ele, em 1953, iniciou sua carreira de piloto de competição nos EUA.

Naquele mesmo ano, ele montou o “MG Special”, também conhecido como R1. Era um um carro feito com  freios e transmissão do MG TD, mas com chassi e carroceria próprios, montados com ajuda de Lawrence Melvold. O motor era o mesmo utilizado no MG EX-179, carro feito pela MG na época para participar de corridas de velocidade máxima para carros abaixo de 1.500 cm³. 

Esse carro venceu a primeira corrida que participou (Pebble Beach), e iniciou a fama que Ken obteve de ser o melhor piloto de carros até 1.500 cm³ do oeste dos Estados Unidos. O R1 foi tão marcante que se tornou referência para muitos “Homebuilt Specials”, carros feitos na garagem por entusiastas usando chassis e carrocerias feitos pelos proprietários/preparadores, porém com demais componentes de carros produzidos em série, como freios, suspensões, motor e transmissão. Era um carro tão confiável que foi passado para três outros pilotos que participaram ativamente de competições, e mesmo após anos de pista, ainda era um carro competitivo na sua categoria.

Nos três anos em que competiu, venceu 16 corridas em classificação geral, mais três vitórias em provas na classe até 1.500 cm³, e com os prêmios obtidos por Ken nas vitórias que ele conquistou com esse carro, sustentou a família, e conseguiu dinheiro suficiente para montar um novo carro de competição.

 

“O Telhado Voador”, e o “Pooper”

O R1 e o R2 prontos para a batalha.

Depois do  “MG Special”, veio o “Flying Shingle”, também conhecido como R2, carro montado também por Ken entre o fim de 1954 e inicio de 1955. O Flying Shingle também tinha o motor da MG usado no projeto da MG de recordes de velocidade em Boneville no mesmo ano, transmissão de MG TC e suspensões de MG Y modificadas. Tudo isso foi montado em chassi tubular e usando carroceria bem aerodinâmica e que lembrava a carroceria dos MG TF, a pedido da própria MG.

Essa ligação com a MG, e esse trabalho todo em nome da marca inglesa, renderam a Ken um convite para competir com um MGA EX-182 em Le Mans, no ano de 1955. Foi a primeira vez que ele competia em Sarthe e, nessa primeira incursão (ironicamente numa das provas mais trágicas da história do automobilismo), ele conseguiu a 12ª colocação geral.

Usando o Flying Shingle, ele competiu na classe F Modified da SCCA e obteve sucesso, mas com a chegada dos primeiros Porsche 550 nas pistas da Califórnia, as coisas começavam a mudar. Ken teve que se readequar.

Ele vendeu o Flying Shingle e passou a correr, em 1956, com os Porsche 550 Spyder de Johnny von Neumann, distribuidor da VW-Porsche para a região que Miles residia e competia. Juntamente a isso, montou, em cooperação com Otto Zipper, um carro com chassis/carroceria Cooper e motor/transmissão de Porsche 550. Seria conhecido como “Pooper” ou R3 (que, além de uma mistura das palavras Porsche e Cooper, seria um trocadilho com “poop”, modo de falar, em língua inglesa, dos dejetos sólidos humanos). Por sinal, seria a segunda vez que alguém tinha feito uma mistura desse chassis inglês com mecânica boxer alemã: em 1954, Pete Lovely, outro construtor americano, tinha montado em 1954 um chassi Cooper do inicio dos anos 50 com motor Porsche 356.

O Pooper fez tanto sucesso nas corridas entre os anos de 1957 e 1958 que Ken precisou se desligar de Johnny von Neumann, pois o pessoal da Porsche ficou aborrecido de ver um empregado da companhia vencendo os Porsche 550 com um carro montado na garagem nas horas vagas. Além disso, a Porsche foi cortando os laços que Ken tinha com os proprietários dos carros da marca cujos donos poderiam, numa eventualidade, contar com a pilotagem dele. Dos vários proprietários, somente Otto von Zipper continuou o apoiando.

Assim, nos anos que se passaram, ele competiu em uma infinidade de carros, por qualquer dinheiro que o oferecessem. Além disso, abriu uma oficina de carros de competição em Hollywood mesmo. A oficina não teve o mesmo sucesso que Ken teve nas pistas, e acabou fechando no início dos anos 1960. Foi quando Ken Miles encontrou Carroll Shelby e sua recém-formada empresa, a Shelby American.

 

Miles foi contratado como gerente de competições, engenheiro-chefe e piloto de testes. Carroll Shelby sabia que, nessas três funções, ele seria muito útil para o desenvolvimento dos carros que Shelby pretendia montar.

O cara certo para o trabalho certo.

Algumas pessoas próximas a Ken diziam que ele estava sempre buscando a “ratoeira” definitiva, e que, sendo o Shelby Cobra um carro leve com uma mecânica grande, ele ficou particularmente empolgado com a hipótese de ajudar no desenvolvimento do carro. Podemos dizer que o híbrido de chassi inglês com motor americano se enquadrava bem no tipo de carro que Ken se sentia a vontade ao dirigir rápido, afinal, não nos esqueçamos de todas as histórias, e todos os carros, que o fizeram chegar até aqui.

Mesmo sendo ele inicialmente contratado para apenas pilotar nas sessões de testes, foi difícil persuadi-lo a não competir, até mesmo porque Ken ainda era chamado para competir com uma infinidade de outros carros. Assim, tornou-se mais fácil simplesmente ajuda-lo a correr pela própria Shelby American, usando os Cobras. E desde o princípio, Ken guiou tais carros extraindo o máximo deles. Basta dizer que, nas duas primeiras corridas dele com os carros, foram conquistados dois segundos lugares.

Durante o ano de 1963, muito trabalho de ajuste foi feito com o carro, fosse nas pistas ou na oficina, e três vitórias foram conquistadas por Ken a bordo dos Shelby Cobras, fora os vários outros bons resultados que vieram, como o titulo da USRRC (em tradução livre, Campeonato Norte Americano de Carros Esporte). Assim, cada vez mais, a aposta de Carroll Shelby, que havia sido financiada pela Ford em U$ 25.000 para fazer um carro esportivo que batesse os Corvette, havia sido bancada, e os carros só tendiam a melhorar suas performances.

Podemos destacar também que a Shelby American não contava com o corpo de engenheiros engravatados e especialistas em burocracias que enchiam os corredores da Ford em Detroit: na verdade, eram todos mecânicos, soldadores, montadores, funileiros e especialistas em usinagem, sem nenhum grau superior. Alguns dentro da Ford os consideravam meros renegados, caras que na teoria, não conseguiriam colocar um carro para correr, muito menos para vencer. E a equipe inteira foi, cada dia e cada corrida mais, capitaneada por Shelby e por Miles, mostrando o oposto disso.

A fome de Ken pelas corridas era tão grande que até mesmo na NASCAR ele tentou a sorte: Com um Ford Fairlane da Holman Moody, participou da Golden State 400, prova disputada no circuito misto de Riverside, e chegou em 10º colocado, a despeito de ter competido com um carro que havia sido capotado por ele nos treinos.

Em 1964, Ken Miles então fica encarregado de desenvolver os Shelby Cobra e pilotá-los nas competições nacionais, além de cuidar das equipes da Shelby American tanto nos campeonatos americanos quanto em Le Mans, desenvolver os Shelby Cobra Daytona Coupé que participariam das provas do mundial de carros Grã-Turismo e criar, do zero, os Ford Mustang GT 350 para serem os os melhores carros na categoria Produção B do SCCA(Sports Car Club of America).

Muito trabalho, com muitos resultados: além das seis vitórias que ele próprio obteve no USRRC – GT(Campeonato Norte-Americano de carros de Grã-Turismo) com o Sheby Cobra da Shelby American (deixando, mais uma vez, os Corvette para trás), a Shelby American conseguiu vencer as primeiras batalhas contra os Italianos: em Daytona, Dave McDonald e Bob Holbert venceram na classe GT (com oito voltas na frente do segundo colocado, uma Ferrari); e em Le Mans: guiado por Dan Gurney e Bob Bondurant, venceu na categoria GT, na primeira vez que um carro não-Ferrari venceu nessa categoria desde que havia sido criada, em 1959.

Essas vitórias da equipe fizeram com que a Ford visse os hot rodders com outros olhos, e no final de 1964, o desenvolvimento dos Ford GT40, que haviam sido criados para vencer a Ferrari em Le Mans, então a cargo da FAV (Ford Advanced Vehicles, divisão criada na Inglaterra para cuidar dos Ford GT40 e dirigida por John Wyer), passa para a Shelby American também. Junto a isso, ocorre uma mudança física da Shelby American: a empresa se desloca de Venice California, para um galpão no Aeroporto de Los Angeles.

//www.youtube.com/watch?v=IQd0iJXOa9k

Em 1965, a Shelby American então está encampada em mais frentes ainda, com Ken Miles atuando em todas. E incrivelmente tendo bons resultados em tudo que se predispunha a fazer: desde a primeira vitória do Mustang GT350, com ele ao volante, até mesmo a primeira vitória de grande expressão do Ford GT40, com Lloyd Ruby na Daytona Continental 2000 Km, corrida que seria o embrião das 24 Horas de Daytona. A essas vitórias, somam-se a vitória na categoria protótipos nas 12 Horas de Sebring do mesmo ano (sendo 2º na classificação geral, perdendo para o Chaparral 2A de Jim Hall e Hap Sharp que competiu apenas pela vitória geral e não era um carro que atendia as regulamentações FIA/FISA), e vitórias na USRRC em Riverside e Laguna Seca, de Shelby Cobra.

Nesse ano, ele diminuiu o numero de provas em que competiu, porém tornou-se competidor pela Ford nas provas do Campeonato Mundial. Aumentando a importância das provas em que participava, conseguiu se focar no trabalho de desenvolver também o Ford MKII, um GT40 que usava motor 427 de 7.0l (motor esse utilizado então na NASCAR) no lugar do motor 289 usado até então nos GT40, e que por isso contava com melhorias estruturais e de arrefecimento para permitir o uso de tal parrudo motor.

Aliás, poucos sabem, mas Ken Miles foi pioneiro em aquisição de dados computadorizados em um carro de corrida. Certo dia, Ken e um pessoal da Shelby American foram a Willow Springs Raceway, uma pista em Los Angeles, para que Ken guiasse um Ford GT40 contendo, no banco do passageiro, um computador cuja função era coletar dados do motor como temperaturas, pressões e rotações do motor. Esses dados foram úteis para verificar que o fluxo de ar para o motor usado no carro poderia ser otimizado, permitindo assim um ganho equivalente de 75 cv.

Ken competiu em Le Mans com um Ford MKII em 1965, tendo como companheiro Bruce McLaren, só que uma quebra de transmissão o fez abandonar a prova poucas provas após ele assumir o volante.

Miles e McLaren

Foi uma grande frustração para Ken e para toda a equipe, pois todos os Ford GT, fossem GT40 ou MKII, abandonaram a corrida antes que a prova tivesse completado oito horas. Considerando todo o dinheiro investido por Henry Ford II para vencer em Sarthe, a pressão em cima da Shelby American era enorme. E o ano seguinte prometia ainda mais emoções, e mais pressão.

1966 foi um ano que começou particularmente bom para Ken Miles. Depois de meses desenvolvendo e ajustando os Ford MKII, conquistou a primeira edição das 24 Horas de Daytona, em parceria mais uma vez com Lloyd Ruby. E foi uma vitória incontestável, com direito a pole position.

Após tantos anos, tanta luta, tantos carros diferentes e corridas vencidas, finalmente Ken estava tendo o apoio e o reconhecimento merecidos. Ele era um piloto de ponta, que rivalizava com qualquer outro, de qualquer outra categoria. Era um dos pilotos mais velhos da Shelby American e da empreitada da Ford no endurance, e mesmo com mais idade que a maioria dos pilotos que ele enfrentava nos grids, não devia nada para ninguém em desempenho. Ele até dizia que, por vocação, era um mecânico, mas que guiar era um hobby, algo que o relaxava. Porém, ele levava esse hobby bem a sério. Seu espirito competitivo sempre esteve com ele, desde os tempos das motocicletas. E isso começou a causar-lhe problemas.

Nas 12 Horas de Sebring de 1966, ele venceu a corrida, mas não sem polêmica: Dan Gurney liderava com um Ford MKII enquanto Miles vinha em segundo, forçando o ritmo a bordo de um Ford GTX1 Roadster (basicamente um Ford GT40 MKII sem o teto) para tentar vencer a prova. So que as ordens eram claras: Se dois Ford estivessem em 1º e 2º, não haveria disputa pela vitória. E não foi assim que Miles agiu. Aliás, a prova era de Dan Gurney ate a última curva da última volta, quando o motor de seu Ford explodiu (muito provavelmente por Dan ter forçado-o no limite para se manter a frente de Ken), e a vitória veio para Miles e Lloyd Ruby.

Dentro da Ford, isso colocou Miles em uma ma situação. Ficou claro para os executivos que Ken não era um sujeito que jogava para o time, quando se tratava de disputas na pista. Ele era um sujeito extremamente competente tanto guiando quanto desenvolvendo, mas na hora que era dada a largada, a vitória era algo que estava acima. Um race driver, na sua mais pura forma, numa empresa em que todos trabalhavam pelo bem comum da companhia.

E assim chegamos a Le Mans.

Ken tinha nas suas mãos uma chance de ouro: Conquistar a tríplice coroa das provas mais importantes do calendário mundial do Endurance, que eram as 24 Horas de Daytona, as 12 horas de Sebring e as 24 Horas de Le Mans. As duas primeiras já haviam sido conquistadas: Somente faltava a grande joia da coroa.

E Ken não começou essa empreitada mal: segundo no grid, 1,1 segundo atrás de Dan Gurney, o primeiro colocado nos treinos. Ainda assim, numa corrida dessas, o tempo de uma volta rápida era somente uma referencia. A prova seria longa e extenuante, mas quem estava de Ford sabia que tinha o melhor carro para as condições. Juntamente a isso, antes da prova mesmo iniciar, a maior rival, a Ferrari, já perdeu sua maior estrela: John Surtees, “capitão” da equipe, desliga relações com a equipe e não compete. Ele seria a maior ameaça, e agora não estava mais lá.

A conquista da prova pela Ford estava ainda mais próxima, e realmente aconteceu. E os chefões da Ford queriam que fosse algo grandioso, como um empate entre os dois lideres. Assim, demonstrariam de uma vez por todas que eles eram os melhores.

Ken Miles estava na liderança da prova por minutos, e foi ordenado pelos chefões da Ford a reduzir o ritmo para que o carro que vinha em segundo, de Bruce McLaren, o alcançasse e ambos chegassem juntos. Se era um empate, ambos venceriam, Ken ganharia a tríplice coroa do endurance, Bruce que havia trabalhado no projeto do Ford GT40 desde os idos anos de 1964 na FAV também venceria, e todos estariam felizes. Só que as regras não eram tão simples.

Os comissários disseram que um empate seria impossível. O carro que largasse mais atrás, em caso de um empate, venceria por ter coberto uma distância maior. E como Bruce tinha largado cinco posições atrás de Ken, ele seria o vencedor. Foi o que aconteceu. Miles se sentiu traído pelos engravatados, e jamais aceitou a decisão.

 

Riverside: a última volta

Foi assim angustiado que, ainda ligado à Ford, ele entrou na pista em Riverside, dia 17 de agosto de 1966 para desenvolver o Ford J, a mais nova arma da Ford para se estabelecer como uma força no endurance.

Durante as sessões de testes, ao se aproximar de uma freada a 160km/h, o carro se descontrolou e Ken se tornou passageiro de um bólido que guinou para dentro da curva a qual ele iria contornar, atingiu um barranco, decolou e ao aterrissar, lançou o corpo de Ken para fora do cockpit.

Miles foi encontrado a uns poucos metros do carro, já sem vida.

Até hoje não sei sabe exatamente o que levou o carro a mudar a trajetória. O acidente foi investigado pela Ford como uma queda de avião. Cada parte do carro foi periciada, mas os danos causados pelo impacto e pelas chamas impossibilitaram qualquer conclusão ou direcionamento. A investigação foi encerrada como “inconclusiva” e as causas do acidente jamais foram conhecidas.

 

O legado

Ken deixou um filho, uma esposa, uma geração de pilotos do sul da Califórnia e seus amigos da Shelby American, além de milhares de fãs. Não ganhou muito dinheiro, porem com seu humor ácido, inimigos não faltavam. Mas se havia algo que todos tinham por ele era respeito. Os troféus, os carros, as conquistas na pista e todo o trabalho fora dela falavam por si.

“Nos não temos ninguém para assumir o lugar dele. Ninguém. Ele ela nossa referência, nosso guia. Era a espinha dorsal do projeto. Nunca mais haverá outro Ken Miles”, disse Carroll Shelby logo após o funeral de Miles.

Depois do acidente, o Ford J foi reforçado internamente por uma gaiola de segurança com os mesmos tubos usados nos carros da NASCAR. Havia muitas pessoas dentro da Ford que eram contrárias a ideia, pois isso aumentaria demais o peso do carro.

Mas em um outro acidente, ocorrido com um carro já reforçado, Mario Andretti escapou somente com três costelas quebradas, na 24 Horas de Le Mans de 1967. Há quem acredite que, se a estrutura do carro de Ken fosse um pouco mais forte e tivesse a gaiola, ele teria sobrevivido.

Ficou o legado do sujeito durão que sobreviveu a uma guerra mundial, e acabou dando a vida em nome de uma batalha amistosa nas pistas. E que deve sempre ser lembrado, como queria seu amigo Carroll Shelby.


Capítulos anteriores:

Ford vs. Ferrari: a guerra de Le Mans | Parte 1: Davi vs. Golias
Ford vs. Ferrari: a guerra de Le Mans | Parte 2: o nascimento do GT40
Ford vs. Ferrari: a guerra de Le Mans | Parte 3: a última derrota
Ford vs. Ferrari: a guerra de Le mans | Parte 4: enfim a vitória