Enquanto a Fórmula 1 vê sua popularidade despencar com corridas em horários obscenos, regulamento burocrático e competitividade artificial, o Mundial de Endurance (WEC) vem atraindo mais público depois de conquistar os fabricantes com seu regulamento liberal para os LMP1, o que resulta em um campeonato disputado e fácil de se entender. Com isso, o WEC vem se firmando como o outro grande campeonato de ponta do automobilismo mundial, dividindo as atenções dos fãs com a Fórmula 1. Diante disso, nos parece uma boa hora para uma comparação entre os carros das duas categorias.
Powertrain
Fórmula 1
Desde 2014 os carros de Fórmula 1 usam “unidades de força” (este é o termo técnico para os novos motores) V6 turbo, com sistemas elétricos de recuperação de energia e boost. As regras vigentes são bastante rígidas a respeito das unidades, começando pelo congelamento dos motores, que impede modificações no projeto de uma temporada para a outra. Depois, a cilindrada não pode ser diferente de 1,6 litro, os motores podem ter apenas um turbo, o fluxo de combustível não pode ser maior que 100 kg/h e os motores devem trabalhar com velocidade máxima de 15.000 rpm. Como o regulamento restringe o número de motores em uma temporada — são somente quatro por piloto — nenhuma equipe leva seus motores além das 14.000 rpm para prevenir quebras. O câmbio deve ter oito marchas.
A tração precisa ser obrigatoriamente em duas rodas e os motores a diesel, metanol, turbinas a gás e outros combustíveis são proibidos desde 1982. As assistências eletrônicas também foram banidas — controle de tração, ABS, estabilidade, vetorização de torque, suspensão ativa e câmbio automático são todos proibidos. O câmbio é semi-automático, usando embreagem manual para arrancadas e as trocas de marcha são sequenciais, com atuação hidráulica automática da embreagem.
O sistema híbrido também é unificado: todos os carros usam o MGU-H, que recupera energia do eixo da turbina e a armazena para aumentar ou diminuir a velocidade da própria turbina de acordo com a necessidade do motor e para evitar o turbo lag; e o MGU-K, que recupera energia de frenagens como fazia o KERS. A diferença é que o MGU-K tem capacidade de regenerar três vezes mais energia térmica que o antigo, e não será usado apenas para overboosts, e sim para fornecer potência suplementar, chegando a 130 cv. A energia térmica utilizada em cada volta chega a 5,3 MJ e a potência total dos motores fica na casa dos 730 cv.
LMP1
O regulamento para powertrains da categoria LMP1 é bem mais liberal. São permitidos motores quatro-tempos de pistões reciprocantes (o que proibiu os motores Wankel da Mazda nos anos 1990) e movidos somente à queima de gasolina ou diesel. A cilindrada é livre para os carros híbridos, e limitada (mas não restrita) a 5.500 cm³ para os modelos não-híbridos. O limite de válvulas por cilindro são duas de admissão e duas de escape e elas não podem ser controladas por atuadores eletromagnéticos. A sobrealimentação é liberada e a relação da pressão de turbo/supercharger não deve ser maior que 4. O fluxo de combustível também é limitado, como na Fórmula 1: 80,2 kg/h para os motores a diesel e 89,5 kg/h para os motores a gasolina. O regulamento restringe o número de motores por temporada: são cinco para as equipes re-inscritas ou sete para as equipes estreantes.
Como resultado desse regulamento mais flexível, a LMP1 tem quatro equipes inscritas e as quatro usam motores complemente diferentes. Em 2015 a Audi correrá com um V6 turbodiesel, a Toyota com um V8 aspirado gasolina, a Porsche usará um V4 turbo a gasolina e a Nissan estreia com um V6 turbo a gasolina. Todos eles usam sistemas híbridos porém com receitas diferentes para armazenamento de energia: a Porsche usa baterias de íons de lítio em posição central, a Toyota usa um supercapacitor na frente do eixo dianteiro, a Audi um acumulador de volante inercial e a Nissan um sistema semelhante ao da Audi porém com dois volantes inerciais. A energia térmica utilizada em cada volta é de 1,25 MJ no Audi e 3,76 MJ no Toyota e no Porsche. A potência fica na casa dos 650 cv e pode chegar aos 1.000 cv por curtos períodos com o overboost.
Os sistemas elétricos também permitem a utilização de tração integral, algo adotado pela Toyota, Audi e Porsche, mas não pela Nissan, que correrá somente com tração dianteira (o sistema de distribuição de energia para motores elétricos nas rodas traseiras foi engavetado para 2015). Dentre as assistências eletrônicas somente o controle de tração é permitido desde que baseado no gerenciamento de injeção e ignição, sem intervenção automática dos freios. Outra liberalidade dos LMP1 é o câmbio: cada equipe pode escolher o tipo mais conveniente para seu projeto. Audi, Toyota e Porsche usam sistemas próprios de sete marchas, enquanto a Nissan usará um manual-sequencial de cinco marchas da Xtrac.
Chassi / carroceria
Fórmula 1
O comprimento do carro é livre, mas a altura não pode ser superior a 95 cm e a largura deve ter, no máximo, 1,80 m. Não há regras que exijam o motor na traseira, mas todas as especificações técnicas e a própria engenharia do carro de Fórmula 1 moderno tornam inviável a construção de um carro de F1 com motor em outra posição (por exemplo: o tanque de combustível precisa estar, obrigatoriamente, entre o piloto e o motor). As rodas devem ter 13 polegadas de diâmetro, e o fundo do carro deve ser completamente plano.
As especificações do regulamento a respeito do corpo do carro são absurdamente técnicas de forma que seria inviável detalhar todas aqui (mas você pode ler ). Há limitação de medidas para sidepods, tomadas de ar, difusores, asas, formato do fundo plano, abertura do cockpit e formato e área dos retrovisores.
O balanço dianteiro não pode ser maior que 1,20 m, enquanto o traseiro não deve ultrapassar os 60 cm. As rodas não podem ser cobertas e o cockpit deve ser aberto. O motor e o câmbio agora são cobertos, mas não por regulamento, e sim por questões aerodinâmicas. O peso mínimo deve ser 690 kg.
LMP1
O que os protótipos LMP1 têm de liberdade no powertrain, eles não têm no chassi. Somente o entre-eixos é livre; o comprimento é limitado a 4,65 m, a largura entre 1,80 m e 1,90 m, o balanço dianteiro a 1 m, e o balanço traseiro a 75 cm. Nenhuma parte da carroceria pode ficar acima de 1,05 m.
Eles também precisam ter duas portas e as dobradiças devem ter sistema de saque rápido interno e externo para emergências. O para-brisa pode ser feito de vidro laminado ou policarbonato (o mesmo material das lentes plásticas dos faróis e lanternas), com espessura mínima de 3,5 mm e devem ter seu ponto mais alto abaixo do topo do teto do carro. As janelas laterais devem ser de policarbonato e precisam ter uma abertura mínima de 40 cm² para extração de ar do cockpit.
A carroceria não deve deixar nenhum componente mecânico exposto e não pode ter nenhum elemento móvel durante o movimento do carro, incluindo dispositivos aerodinâmicos. A regulagem de asas e apêndices aerodinâmicos é feita somente nos pit stops. Visto de trás, todos os componentes mecânicos acima do ponto médio horizontal do eixo traseiro devem ser ocultados pela carroceria. O peso mínimo deve ser 870 kg.
Desempenho
Com relação peso potência bem mais favorável (1,05 kg/cv em média) e mais downforce produzido pelos apêndices aerodinâmicos, os carros de Fórmula 1 são extremamente rápidos em curvas e aceleração e podem chegam perto dos 340 km/h em circuitos de alta velocidade como Monza, onde a velocidade média fica na casa dos 250 km/h. Os protótipos LMP1 conseguem atingir os 350 km/h nos circuitos mais rápidos, mas por terem menos downforce e maior massa suspensa eles são mais lentos nas curvas.
Os dados de desempenho de ambos são difíceis de se encontrar oficialmente, as equipes não costumam divulgar abertamente a velocidade máxima ou a downforce produzida por seus carros, mas considerando o depoimento de alguns pilotos é possível ter uma noção das diferenças. Mark Weber, que deixou a F1 e hoje pilota o Porsche 919 no WEC, deu uma entrevista ao site motorsport.com, onde falou sobre as diferenças:
“O LMP1 é um pouco mais pesado… é preciso ser mais paciente com o carro. O F1 é obviamente muito leve e ágil, a downforce é a maior diferença. Esse tanto a mais de downforce no F1 é o que torna o carro mais preciso, mas também submete o piloto a forças maiores. Quanto à potência o Porsche certamente é mais potente.”
Webber também menciona a questão dos pneus. Até meados da década passada as equipes tinham seus contratos particulares com fornecedores de pneus, o que incluía mais uma variável no desempenho. Depois GP dos EUA de 2005, quando uma falha na fabricação dos pneus Michelin impediu que os carros equipados com eles disputassem a prova e somente os carros com pneus Bridgestone puderam largar, a FOM decidiu adotar o sistema de fornecedor único.
Segundo Webber, os pneus da F1 são escolhidos por contrato, e não por desempenho. No WEC as equipes têm liberdade para escolher seus pneus, mas quase todos usam os Michelin por seu desempenho considerado superior.
Nico Hulkenberg, o único piloto a disputar o WEC e a F1 atualmente, contou a Chris Harris no canal /DRIVE que em velocidades altas o LMP1 é estável e rápido como um Fórmula 1, mas em velocidades baixas você sente mais a rolagem da carroceria e o carro não é tão ágil (ele usa a palavra “lazy”, que significa “preguiçoso”). Por esse motivo o estilo de pilotagem é totalmente diferente, em esses de velocidade média o carro de F1 pode ser arisco, com a traseira solta, enquanto a tração integral dos LMP1 os torna mais estáveis.