GP da Europa de 1993. Donington Park. Eu nem preciso dizer mais nada, porque a primeira imagem que virá à sua cabeça é a do McLaren vermelho e branco de Ayrton Senna em meio à névoa da água atomizada pelos pneus dos carros de F1 naquele domingo, 11 de abril.
Aquele final de semana, contudo, teve outras histórias interessantes que acabaram apagadas pelo desempenho insano de Senna na primeira volta e ao longo da corrida. Uma delas é que Rubinho, então com 20 anos, também fez uma belíssima primeira volta. Na verdade ele teve uma corrida incrível nesse GP da Europa.
Largando em 12º lugar, Rubinho ganhou as três primeiras posições logo nos primeiros metros da prova: herdou a 11ª posição de JJ Lehto, que largou dos boxes, e deixou Johnny Herbert e Riccardo Patrese para trás na arrancada.
Depois passou Gerhard Berger na freada para a Old Hairpin e seguia Jean Alesi, Karl Wendlinger, Michael Andretti e Michael Schumacher a distância quando Andreti e Wendlinger se chocaram na Coppice. Alesi teve que frear para não bater e Barrichello, embalado, tomou a posição do francês.
Schumacher, que também estava na rota de colisão, teve que frear e foi ultrapassado por Barrichello “lançado”. Ao final da primeira volta ele estava em quarto, atrás apenas de Senna, Alain Prost e Damon Hill.
Rubinho chegou a ficar em segundo lugar na prova, atrás de Senna, mas foi ultrapassado por Hill durante um pit stop para troca de pneus, depois foi ultrapassado por Prost, caindo para quarto. Ele ainda recuperou a terceira posição em cima de Prost (que estava com um Williams FW15C, é bom dizer), e se aproximava de Hill quando um problema na linha de combustível de seu Jordan o tirou da disputa a apenas seis voltas do final.
A outra história tem a ver com um patrocinador da Wiliams que acabou com seus planos frustrados por Senna e ainda deu origem a uma provocação do brasileiro.
O patrocinador em questão era a Sega, a famosa desenvolvedora de video-games. Ela estava no auge do sucesso de sua recém-lançada franquia “Sonic The Hedgehog” e achou que associar a marca aos Fórmula 1 mais rápidos da época seria uma boa ideia. E era mesmo. A Williams tinha até as cores certas nos carros e macacões dos pilotos.
Na primeira corrida, o GP da África do Sul, Prost levou a melhor, com pole e vitória sobre Senna. Já no Brasil, Prost se deu mal depois de rodar e bater, abandonando a prova na 29ª volta. Senna venceu e Hill foi ao pódio no segundo lugar. Com a vitória, Senna foi aos 16 pontos e assumiu a liderança do campeonato com seis pontos de vantagem sobre Prost.
Na prova seguinte, o GP da Europa, Senna resolveu aprontar, colocando um pouco de tempero na disputa.
Além dos carros da Williams, a Sega também se tornou a patrocinadora máster do GP da Europa de 1993, que foi oficialmente batizado como “Sega European Grand Prix”. Havia SEGA e Sonic por todos os lados: no pódio, nos pórticos sobre a pista, no painel eletrônico e até no… troféu!?
Sim: no troféu. Um dos dois. Como acontece até hoje, em algumas ocasiões o patrocinador entrega um troféu temático juntamente do troféu oficial da prova. E naquele GP da Europa de 1993 o troféu temático era o Sonic, o ouriço mais rápido do mundo. A Sega, claro, esperava que a Williams confirmasse o favoritismo e ganhasse a corrida. Imagine a cena: Hill e Prost no pódio com a marca no peito, a marca no painel, o troféu da marca. Tudo da Sega…
… que não contava com o fator Senna nessa equação.
Aproveitando o mau desempenho da Williams pela McLaren no GP do Brasil, Senna chegou à Inglaterra com um “patrocinador” novo em seu carro. Ele mandou fazer um adesivo com um ouriço atropelado e colou na borda da abertura do cockpit do McLaren MP4/8. Um ouriço como aquele da Sega. Atropelado, como a Williams tinha sido no Brasil.
A piada estava ficando sem graça para Senna, porque Prost e Hill tomaram as duas primeiras posições no grid com 1:10,468 e 1:10,762, enquanto Senna ficou somente em quarto, com quase 2 segundos a mais que Prost e separado da dupla ponteira por Michael Schumacher (caramba Prost, Hill, Senna e Schumacher juntos numa largada…).
Só que, como sabemos, choveu na hora da largada. E choveu muito. E a pista estava encharcada e a chuva continuava caindo, mais amena, mas ainda caindo. Indo e voltando.
Senna largou mal. Foi ultrapassado por Karl Wendlinger e espremido por Michael Schumacher. Saiu em quinto, mas iniciou uma recuperação rumo à ponta jamais vista.
Primeiro, cruzou o traçado na freada da Resgate e ganhou a posição de Schumacher. Quarto lugar. Logo adiante, traçou uma linha arriscada na Craner, descendo para a Old Hairpin, onde deu o bote em Wendlinger. Terceiro lugar.
Na aceleração rumo à Starkey’s Bridge, ele pegou Hill e ficou em segundo. No duelo com Prost, que sempre foi um tanto “prudente” sob chuva, Senna passou com facilidade na Melbourne Hairpin.
Foi preciso cerca de um minuto e meio e menos de uma volta completa para Senna se colocar no seu lugar. O resto da corrida você já conhece: Senna se manteve ali, e fez uma aposta certeira na troca de pneus, colocando os slicks exatamente quando a chuva parou.
Prost preferiu pneus de chuva, e acabou ficando em terceiro, atrás de seu colega de equipe e de Senna. Schumi abandonou a prova antes, depois de perder o controle do carro e rodar. Depois de 1 hora, 50 minutos e 46 segundos, Senna venceu o GP da Europa, com 1:23,2 sobre Hill e uma volta inteira de vantagem sobre Alain Prost. Um verdadeiro atropelo no ouriço.
No pódio, outro atropelo: por alguns instantes, Senna levantou um enorme troféu com o formato do Sonic e o logo da Sega na frente.
Foi só por alguns instantes mesmo — aquele era o troféu “não-oficial” para o vencedor, que recebeu em suas mãos o troféu verdadeiro pouco depois. O pessoal da Sega jamais poderá admitir isso, mas convenhamos: Sonic e Senna combinam bem mais que Sonic e Prost, não?
Quanto ao ouriço atropelado, sabe-se lá por que Senna abandonou o adesivo. A que ele continuou usando em seu carro sempre que ganhava, mas isso não é verdade. Na corrida seguinte, o GP de San Marino, Senna não usou o adesivo. Como ele não ganhou a corrida, nem faria sentido voltar a usar.
Especialmente por que na etapa seguinte, no GP da Espanha, Prost virou o jogo e assumiu a ponta do campeonato. Senna ainda venceu o GP de Mônaco daquele ano e recuperou a liderança do campeonato, mas na prova seguinte, o GP do Canadá, ele também não apareceu com o adesivo do ouriço.
A partir dali, Prost voltou à liderança e não largou mais. Venceu sete provas na temporada, enquanto Senna só voltou a vencer no Japão e depois na Austrália, sua última vitória. Mas àquela altura nem fazia mais sentido provocar Prost, porque o francês já havia garantido o título no GP de Portugal.
Senna pode ter até perdido o título, mas, como um bom brasileiro, não perdeu a piada…
E quanto ao troféu do Sonic, ele está guardado em alguma sala esquecida na sede da McLaren, em Woking, agora com o braço direito abaixado.