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Car Culture Sessão da manhã

Graziela Fernandes, a pilota que corria de Alfa Romeo nos anos 70

Graziela Fernandes nos deixou na manhã desta segunda-feira, 20 de dezembro de 2021 aos 73 anos de idade. Felizmente, seu legado foi celebrado e admirado pela comunidade de entusiastas do automobilismo e antigomobilismo quando Graziela ainda estava entre nós, contando sua história e compartilhando sua paixão por máquinas velozes — além dos carros, ela também amava os barcos, as motos e os aviões, habilitada a pilotar tudo isso. Sua história foi publicada no FlatOut em dezembro de 2017, há exatos 4 anos e 15 dias, em 5 de dezembro de 2017. Em homenagem à sua partida, estamos republicando a matéria na íntegra, aberta a todos os leitores — assinantes ou não. Histórias como a de Graziela merecem ser reconhecidas por todos. – Leo Contesini


Histórias da era de ouro do automobilismo no Brasil não faltam. No entanto, muitas delas só podem ser encontradas nas lembranças de quem viveu aquela época. Garimpando pela Internet, é até possível encontrar relatos, fotos antigas e alguns poucos vídeos, mas apenas quem viveu, de fato, sabe como foi.

Graziela Fernandes é uma destas pessoas. Em plenos anos 60 e 70 ela se foi uma bem sucedida piloto de corridas – ou “pilota”, como se costuma dizer ao falar dela. Uma mulher bonita, apaixonada por automóveis que conseguiu seu espaço neste meio predominantemente masculino merece ter sua história ouvida. Até porque é uma bela história.

O pessoal do Alfa Romeo Clube, um dos maiores grupos alfistas do Brasil, decidiu dar espaço para que Graziela contasse um pouco de sua história, e o resultado é este belo depoimento em vídeo. Pare por dez minutos e assista, porque vale a pena.

A simpática senhora fala com ternura sobre o Alfa Romeo Giulia GTA da famosa equipe Jolly Gancia, uma das mais conhecidas do automobilismo nacional. “Dá vontade de agarrar, dar beijinho, fazer carinho”. Dá para ver que ela gosta mesmo do pequeno cupê que, em qualquer configuração, consegue ser um dos automóveis mais divertidos de se dirigir que existem.

Mas Graziela não pilotou só Alfa Romeo. Como conta o Bandeira Quadriculada, seu primeiro carro de corrida, aos 16 anos de idade, foi um Willys Interlagos, versão brasileira do clássico francês Alpine A108. Com ele, Graziela participou das 100 Milhas da Guanabara, no Rio de Janeiro/RJ, e chegou em 3º lugar na prova feminina. Depois disso, não parou mais.

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Em 1966, novamente com o Interlagos, ela foi uma das responsáveis pela primeira participação feminina na prova dos 1000 Quilômetros de Brasilia – a outra foi Lula Gancia, que pilotava um Fiat 600 Abarth. Lula venceu a corrida; Graziela, dividindo o volante com Luis Carlos Sansone, abandonou de madrugada por problemas mecânicos. De qualquer forma, só em 2000 os 1000 Quilômetros de Brasília tiveram outra mulher no grid.

Nascida no Paraguai, Graziela naturalizou-se brasileira muito cedo e considera o País sua verdadeira casa, embora nunca tenha perdido o charmoso sotaque castelhano, com o qual relata calmamente suas lembranças. Ela conta como, depois de cursar engenharia mecânica, tentou um emprego na FNM, sem sucesso. Em São Paulo, porém, conseguiu um emprego na Willys-Overland testando carros e ajudando a determinar ajustes finais nos projetos.

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Graziela dando uma aula de mecânica para mulheres, quando trabalhava para a Ford

Com isso, teoricamente ela estava impedida de continuar disputando corridas pela equipe Willys, que naquela época contava com os irmãos Wilson e Emerson Fittipaldi em seu rol de pilotos. No entanto, uma brecha no regulamento permitia que ela corresse com um carro cedido pela Willys (um Renault 1093) e preparado pela Willys, desde que não usasse o nome Willys. De qualquer forma, no fim dos anos 60 a Willys foi comprada pela Ford. Encerrado o ciclo da equipe Willys, Graziela foi convidada a dar aulas de mecânica e pilotagem para mulheres. No entanto, não ficou longe das pistas por muito tempo.

Graziela era sempre o centro das atenções nas corridas. Não apenas porque era bonita (tão bonita que, de fato, passou a ser conhecida como “a boneca que pilotava”. Pilotava bem! E foi por isso que, em 1969, vieram o convite da Scuderia Jolly Gancia e um lugar ao volante do Alfa Romeo GTA.

O carro, preparado por italianos, é descrito por Graziela como “perfeito” – assim, sem exagero ou eufemismo. E não foi por coincidência que os melhores resultados da equipe da Alfa Romeo foram conquistados nesta época: o Giulia GTA com motor 1.6 e comando duplo no cabeçote era um carro brilhante, e a Jolly Gancia tinha um belo time, com nomes como Wilson Fittipaldi, José Carlos Pace, Piero Gancia e Emilio Zambello. Com o GTA nº 33, Graziela ficou em 7º lugar na décima edição das Mil Milhas Brasileiras, em Interlagos, no ano de 1970, dividindo o volante com Carlos Sgarbi.

GTA 1970

Com o Alfa GTA, Graziela competiu até 1971. Em Interlagos ela ainda ficou em 1º lugar na categoria D5 da Corrida dos Campeões de 1971 e 7º lugar nas 6 Horas de Interlagos. No Rio Grande do Sul, conquistou 8º lugar nos 300 Quilômetros de Tarumã naquele mesmo ano. E depois disso, deixou as pistas para construir sua vida.

Ela ainda era uma jovem bonita e não foi difícil casar, ter filhos e construir uma família. Mais difícil era deixar a paixão por máquinas e velocidade, e foi por isso que, ainda nos anos 70, Graziela tirou seu brevê de piloto. Começou com um monomotor para locomover-se pela fazenda que comprou com o marido. Depois, passou para um bimotor. Por fim, tirou o certificado de piloto de linha aérea (PLA), sendo a primeira mulher a conseguir esta que é a mais alta graduação para um piloto de avião no Brasil. Foi nos aviões que ela construiu sua vida e sua carreira, acumulando 7.000 horas de voo em 31 anos. Como se não bastasse, ela também era examinadora de pilotos, avaliando as habilidades dos candidatos a conduzir aviões no País todo.

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Em 1983 houve um breve retorno às pistas: primeiro, nos 1000 km de Interlagos ao volante de um Opala, que lhe causou bastante estranhamento – afinal, Graziela estava acostumada com o pequeno e ágil Alfa Romeo. Com o Fiat 147 do Brasileiro de Marcas e Pilotos, apesar da tração dianteira, ela se saiu melhor e surpreendeu ao andar junto com uma geração mais jovem e agressiva ao volante.

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Paralelamente, desde os anos 80 ela era entusiasta das motocicletas e teve uma Kawasaki Ninja com motor de 900 cm³, capaz de chegar aos 250 km/h. Nos anos 90 ela participou de corridas de lancha offshore, provas onde os barcos são capazes de chegar aos 90 km/h – parece pouco, mas sobre a água as coisas tomam outra dimensão. Só parou porque as corridas foram proibidas no fim da década de 90 por serem perigosas demais.

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Até hoje, apesar da fala calma e da cara de senhorinha simpática, ainda é possível enxergar as feições da jovem fascinada por carros e velocidade. Ela mesma faz questão de se rodear de carros de corrida clássicos, aparecendo (hoje com menos frequência) em eventos e encontros de amantes do automobilismo histórico e dos carros antigos brasileiros. Na foto abaixo, do blog Puma Classic, Graziela posa ao lado de seu Puma GTI com motor AP, em 2013.

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