De longe, ele era era o carro mais potente que eu podia ter: seu motor entregava nada menos que “1.011 hp”, ou 1.025 cv – número que, hoje em dia, virou algo quase banal. Mas na virada dos anos 2000, antes de o Bugatti Veyron abrir os portões, potência de quatro dígitos era algo que só se via mesmo nos projetos mais absurdos e em carros de competição. Ainda mais porque o acesso à Internet ainda era raro por aqui.
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Estou falando de Gran Turismo 2, claro. Eu era bem novo e não entendia muito as coisas, então estranhei bastante. Mas também não iria reclamar: depois de uma semana bem sofrida tentando desbloquear todas as licenças (até a Super License!) do Gran Turismo 2 e acumular grana o bastante para comprar o Suzuki Escudo Pikes Peak, ganhei de presente do jogo um carro cujo nome jamais vou esquecer: HKS R33 Drag GT-R R33. Também não vou esquecer como ele era: pintura escura, quase preta, com detalhes em turquesa, roxo, e vermelho; uma asa traseira plana, como uma extensão da tampa do porta-malas; os pneus traseiros eram enormes e faróis apenas decorativos, com uma lente preta que não acendia de verdade.
Foi o bastante para que o Dalmo de 12 anos de idade pensasse ter encontrado seu novo carro favorito. Mas a ilusão durou pouco: o carro em questão era uma bela porcaria.
Na obrigatória primeira volta no oval de testes (aquela para onde você ia quando queria ver qual era a velocidade máxima do Suzuki Escudo, claro), eu descobri que aquele Skyline era simplesmente incapaz de fazer curvas. Ele até mudava de direção, mas muito pouco – frustrante.
Ainda que os efeitos sonoros dos menus fossem bem relaxantes
Irritado, e pensando no desperdício que era toda aquela potência, vendi o carro. . Outra coisa que eu não sabia, na época: a versão japonesa de GT2 incluía uma pista de arrancada. Na versão americana, que era a que eu tinha, não. Então aquele carro não fazia sentido algum pois, mesmo que eu soubesse como fazer todos os ajustes que o game permitia, não teria como usá-lo.
Acontece que eu não sabia que aquilo era um carro de arrancada. E menos ainda que era um dos Skyline R33 de competição mais lendários do planeta.
Na época eu não sabia que “drag race” significa “corrida de arrancada”, e não era simples pesquisar na Internet – já faz tempo
A HKS é uma das maiores fabricantes de componentes de performance do planeta e, como qualquer outra, inevitavelmente também atua como preparadora – afinal, é preciso testar turbocompressores, coletores e outras peças de alto desempenho para garantir que funcionem com eficiência e segurança. E também, óbvio, mostrar ao público o que estes componentes são capazes de fazer.
A empresa foi fundada em 1973 por um ex-engenheiro da Yamaha chamado Hiroyuki Hasegawa, e começou preparando motores a gasolina. A Yamaha é famosa por seus instrumentos musicais, motocicletas, motores e projetos como o lendário Toyota 2000GT e o inacreditável supercarro OX99-11, então ele provavelmente sabia uma ou duas coisinhas sobre preparação de motores. Seu parceiro na empreitada foi Goichi Kitagawa, e o capital inicial foi fornecido por uma empresa chamada Sigma Automotive – a mesma que, em 1989, tornou-se Sigma Advanced Racing Development, ou SARD, e passou a ser a equipe de fábrica da Toyota no Campeonato Japonês de Turismo. Por isto o nome: HKS.
Já no ano seguinte, 1974, Hasegawa projetou e colocou em produção o primeiro kit turbo disponível comercialmente no Japão. O que só mostra, mais uma vez, como a década de 1970 foi mesmo um marco a história dos turbocompressores: em 1973, a BMW lançou o incrível 2002 turbo e, naquele mesmo 1974, a Porsche começou a vender o Porsche 930.
O pioneirismo compensou: o sucesso dos kits da HKS foi rápido e certeiro e, a partir dali, os turbos passaram a ser o principal foco da empresa – aliás, foi a HKS que desenvolveu um dos primeiros controladores de pressão do mercado. Mas não foi só isto: em décadas de atividade, a HKS especializou-se em todo tipo de componente de alto desempenho: pistões, bielas, comandos de válvula, virabrequins, intercoolers, sistemas de escape e centrais eletrônicas. Além disso, a companhia também possui um departamento dedicado a fabricar componentes de fibra de carbono.
Quer mais? A HKS tabém fabrica o 700E, um motor aeronáutico de dois cilindros opostos 680 cm³ que é muito usado em ultraleves. E, claro, os Nissan sempre foram muito bem tratados por eles, que se tornaram referência a qualquer um que pense em preparar um carro da marca. Não por acaso, boa parte dos Nissan GT-R que correm na Formula Drift – competição que coloca bastante stress sobre os componentes mecânicos de um carro – usam componentes HKS. Isso quando caras como Daigo Saito não assinam contratos e usam peças da HKS em tudo.
Quando o HKS R33 Drag GT-R tornou-se o Skyline mais veloz do mundo no quarto de milha, virando 7,67 segundos, foi como o auge de toda esta experiência. E olhe que falo de uma empresa já já competiu em diversas categorias desde a década de 1980, incluindo a Fórmula 3, o Campeonato Japonês de Turismo, a Fórmula Drift e, claro, as arrancadas.
O início de seu desenvolvimento começou em 1999, quando o GT-R R33 substituiu o R32. Como você deve saber, o R33 não foi tão emblemático quanto o R32 ou o R34, mas também era um grande carro – até porque, bem, tinha praticamente o mesmo powertrain. E, convenhamos, ele era bem estiloso, embora os mais ligados na linhagem o considerem meio “inchado” demais.
A HKS levou muito tempo para revelar os detalhes do que foi feito no motor, o que na época levou muita gente a achar que o seis-em-linha queimava nitrometano – o que nunca foi verdade. Hoje, porém, sabe-se que um kit stroker foi usado para ampliar o deslocamento para 2,8 litros, usando novas bielas do tipo H-Section, um virabrequim forjado de 77,7 mm e novos pistões (um conjunto tão bem acertado que serviu como base para o kit “RB28” vendido até hoje pela HKS).
Além disso, dois turbos HKS GT3240, operando juntos (e não de forma sequencial) a 2,4 bar de pressão, ajudavam o seis-em-linha a respirar melhor. Intercooler, dutos e coletores de admissão e escape foram feitos sob medida pela preparadora, que evidentemente também fuçou com a ECU – muito antes de o “tuning computadorizado” se tornasse corriqueiro – e instalou um sistema de cárter seco. O resultado: cerca de 1.300 cv a 9.000 rpm no motor, que se traduziam em pouco mais de 1.000 cv nas rodas, acompanhados de 110 kgfm de torque a 6.500 rpm. Para segurar tudo, o câmbio era sequencial com acionador pneumático e uma embreagem experimental de quatro discos.
A carroceria é outro espetáculo: espiando por alguns pontos da pintura é possível ver a fina trama da fibra de carbono que compõe as partes da carroceria. Abrindo a porta, além de mais fibra de carbono, é possível ver o painel minimalista, a gaiola de proteção integral, o solitário banco concha do lado direito (é um carro japonês, afinal) e o cinto de competição Sabelt. O aspecto home made do interior nos lembra de que, apesar de ter ficado famoso nos games há 20 anos, o HKS R33 Drag GT-R é um project car de verdade, feito para andar mesmo, e não algum tipo de entidade sobrenatural. Embora pareça.
O barulho feito pelo R33 da HKS foi meteórico: em 2002, o carro foi aposentado prematuramente – talvez porque a empresa soubesse que ele já havia se tornado um ícone e deveria ser preservado.
O carro até ensaiou uma volta às pistas, disputando corridas de arrancada para carros históricos, em 2007. Mas foi apenas uma pequena “turnê” de volta: logo depois, a HKS achou por bem aposentá-lo de vez, percebendo a estrutura estava enfraquecida pela idade e que não seria seguro competir com o carro sem refazê-lo completamente. Algo assim demandaria muito tempo e dinheiro – e, considerando que o status do HKS R33 é lendário e não precisa provar mais nada.
É por isso hoje em dia o carro permanece na sede geral da HKS, que fica ao pé do Monte Fuji. O que é bacana: apesar de ter escritórios em diversas partes do planeta, o lugar é exatamente o mesmo onde a companhia foi fundada em 1973. E algo me diz que o pessoal lá no Japão ainda dá umas esticadas nele às escondidas. Eu faria o mesmo.