Os fãs brasileiros de motocicletas têm na Honda CB750 Four um de seus maiores ícones. E não é para menos: o ronco do motor quatro-cilindros com comando no cabeçote, quatro carburadores e 82 cv a 9.500 rpm é uma das músicas mecânicas mais bonitas já produzidas. Nós até o colocamos como um dos roncos de motor mais fodásticos do Brasil, no meio dos carros, simplesmente porque a “Sete Galo” mereceu a honraria.
Agora, sem querer desmerecer a CB750 Four, existe na história da própria Honda um ronco ainda mais incrível – tão incrível que beira o absurdo, e isto é um elogio. Estamos falando do ronco da CBX 1050, a primeira moto com motor seis-cilindros em linha produzida em série. Antes de qualquer coisa, ouça:
Você deve ter visto este vídeo pelas redes sociais nos últimos dias, com uma narração robotizada na introdução. Este é o original!
Se achou muito parecido com o ronco de um carro de Fórmula 1, saiba que você não é o único. O uivo agudo e estridente da CBX 1050 costuma ser comparado ao som produzido pelos monopostos com motor V12 que corriam na virada dos anos 90. E não é exagero, não: escuta só o V12 da Ferrari 412 T2, com um V12 naturalmente aspirado de 3,5 litros, que Jean Alesi conduziu na temporada de 1994.
A Honda sempre foi uma fabricante com afeição por motores de baixo deslocamento e alto rendimento. Em 1964 a fabricante japonesajá havia colocado nas pistas uma moto com motor de seis cilindros, a RC164, com câmbio de seis marchas. No ano seguinte, 1965, a Honda competiu na Fórmula 1 com o RA272, monoposto com um V12 de 1,5 litroe cerca de 230 cv a 13.000 rpm – o regulamento limitava o deslocamento do motor, mas não a quantidade de cilindros, e a Honda optou por um V12 por ser uma configuração naturalmente balançeada, por conta da ordem de ignição.
E o mesmo vaia para o seis-em-linha da CBX 1050. Ela foi lançada em 1978 com a missão de ser a moto topo-de-linha da Honda – e acabou acumulando duas primazias: além de ser a primeira moto com moto seis-em-linha produzido em série, ela foi também a primeira moto de rua com mais de 100 cv. Para ser mais exato eram 105 cv a 9.000 rpm, levados para as rodas traseiras através de uma transmissão de cinco marchas.
Curiosamente é um tanto difícil achar vídeos do ronco da CBX 1050 que não sejam compilações como esta acima, o que pode atrapalhar um pouco a apreciação. Mas talvez ajude a ilustrar o quanto a moto é idolatrada pela galera das duas rodas.
Apesar de ser um seis-em-linha montado na transversal, o motor da CBX 1050 não era tão mais largo do que o quatro-cilindros de 750 cm³ da CB750F – apenas cinco centímetros.
E, como disse o jornalista L. J. K. Setright em uma avaliação publicada em 1980: “Não venha me dizer que o motor é largo demais: ele não é mais largo que as pernas de um motociclista, ou seja, não aumenta a área frontal. E pessoalmente eu prefiro ter minhas pernas protegidas por um cilindro cada uma do que expostas a qualquer coisa que possa atingi-las”. E faz sentido.
É claro que um motor que serve como escudo para as pernas não pode ser a melhor coisa de uma moto. A melhor coisa é que este motor, com seis carburadores, diâmetro×curso de 64,5 mm×53,4 mm e taxa de compressão de razoáveis 9,3:1, seja capaz de levá-la a pelo menos 215 km/h em uma estrada longa e desobstruída. Quarto-de-milha? Na casa dos 11,5 segundos. E não vamos esquecer do estímulo auditivo:
Construído com conhecimento técnico adquirido em décadas de experiências nas categorias de topo do motociclismo, o motor 1050 da CBX foi elogiado por sua suavidade e por seu desempenho. Curiosamente, apesar do motor que foi chamado de “uma revolução histórica na indústria motociclística”, seus outros aspectos e mesmo seu desenho eram bastante tradicionais e simples, com tanque arredondado, uma rabeta parecida com a da CB750, detalhes cromados como retrovisores, guidão baixo, garfos telescópicos, dois amortecedores na traseira e quadro tubular.
Sua ergonomia era extremamente confortável, o motor respondia bem em baixas rotações (o que era até notável, considerando os 8,6 mkgf de torque a 8.000 rpm) e a suspensão estava no ponto perfeito entre firmeza para as pistas e conforto ao rodar no mundo real. Tanto que, a partir de 1980, a CBX assumiu uma aura mais “estradeira”, com adição de carenagem e bolsas nas laterais, além de ter o motor levemente amansado para entregar 98 cv.
Apesar de suas qualidades, porém, a CBX 1050 acabou sendo superada nas vendas por sua irmã menor, a CB900F. Além de custar menos, a CB900F tinha uma versão maior e mais potente do motor quatro-cilindros da CB750F, com 95 cv a 9.000 rpm, ou seja, quase tão potente quanto o da CBX e capaz de cumprir o quarto-de-milha nos 12 segundos baixos. E ainda rendia melhor em rotações médias, entre 4.000 e 7.000 rpm.
Dito isto, a imprensa especializada via com clareza que a CBX 1050 era uma moto superior, mas a Honda acabou tirando a moto de linha em 1983 para se focar no desenvolvimento da CB900F. E jamais deu a ela uma sucessora com a mesma configuração mecânica, que embora tenha sido utilizada também pela Kawasaki em 1979, caiu em desuso nos anos que se seguiram.
Uma das poucas motos modernas com motor seis-em-linha foi lançada em 2011 pela BMW – a K1600, cujo seis-cilindros de 1,6 litro e 160 cv fica montado na transversal, inclinado para a frente.
Em tempo: certamente haverá quem lembre que a primeira moto de rua com motor seis-em-linha foi a Benelli 750 Sei, lançada em 1973 pela fabricante italiana que, na época, pertencia a Alejandro De Tomaso. Acontece que o motor da Benelli 750 Sei, que tinha 76 cv, não era muito mais que um quatro-cilindros da Honda CB500 com um par de canecos a mais. Ou seja, de qualquer forma o primeiro seis-em-linha usado comercialmente em uma moto era da Honda, ainda que tivesse sido modificado pela Benelli.
Nada que desabone, claro, a Benelli 750 Sei, que era capaz de chegar aos 200 km/h e também roncava muito bonito