A Honda foi uma companhia que cresceu muito rápido. Em 1959, apenas treze anos depois de ser fundada, a empresa já era a maior fabricante de motocicletas e motores a combustão do planeta. Não demorou para que o fundador Soichiro Honda — para muita gente, um dos grandes visionários da indústria automotiva em todos os tempos — decidisse fabricar automóveis: primeiro, em agosto de 1963, foi a pequena picape T360. Depois, em outubro do mesmo ano, o roadster S500.
Nós já contamos esta história, em mais detalhes, neste post. Mas trouxemos o assunto de volta para mostrar como, desde o início, a Honda sempre dividiu o foco entre carros e motocicletas. O que torna mais do que apropriada a ideia de seu mais recente conceito, o Project 2&4 — uma criação que distorce a fronteira entre carros e motos ao se inspirar em um lendário monoposto de Fórmula 1 e usar componentes de motocicleta.
E não estamos falando de qualquer moto, mas de um modelo de competição que corre na MotoGP. Trata-se da RC213V, usada pela equipe de fábrica da Honda desde 2012. O motor é um V4 de exatos 999 cm³ (1 cm³ abaixo do limite da categoria, diga-se) com comando duplo nos cabeçotes e capacidade para girar acima das 13.000 rpm. Montado na RC213V, o motociclista espanhol Marc Márquez garantiu os títulos de construtores de 2013 e 2014 do MotoGP.
O motor bicampeão das pistas foi recalibrado para uso nas ruas (sim, pois apesar de ser um conceito, o Project 2&4 é totalmente funcional) e agora entrega 212 cv a 13.000 rpm e 12 mkgf de torque a 10.500 rpm. Sua força é enviada até as rodas traseiras por uma transmissão de dupla embreagem e seis velocidades. A Honda não revela dados de desempenho mas, honestamente, isto é só um detalhe: o barato do Project 2&4 é a experiência.
Isto porque a Honda não se contentou apenas em usar o motor da RC213V: a ideia da Honda foi tornar a sensação de pilotar o Project 2&4 mais a mais próxima possível daquela que se tem ao acelerar uma moto esportiva. Para isto, foi necessário que toda a construção do carro fosse semelhante à de uma motocicleta.
A estrutura tubular deixa expostos a maioria dos componentes mecânicos, como uma moto, e as rodas são cobertas por para-lamas individuais. É possível ver todo o arranjo de suspensão (braços triangulares sobrepostos nos quatro cantos) e parte do conjunto de motor e transmissão. As dimensões também são bastante reduzidas — três metros de comprimento, 1,82 m de largura e apenas 99,5 cm de altura —, enquanto o peso fica em apenas 405 kg.
A carroceria (que, pensando bem, está mais para carenagem) é inspirada no Honda RA272, o carro de F1 que entrou para a história ao liderar o Grande Prêmio do México de 1965 de ponta a ponta, tornando-se o primeiro monoposto japonês a vencer uma corrida na Fórmula 1.
Além disso, ele tinha um belo visual e um motor V12 de apenas 1,5 litro e 230 cv, que era capaz de girar a mais de 14.000 rpm. Além das cores, que são uma reinterpretação da pintura do carro de F1 (que, por sua vez, buscou inspiração na bandeira do Japão), o Project 2&4 traz a mesma disposição do conjunto mecânico e dimensões semelhantes.
No entanto, sua principal característica é o “banco flutuante” — um banco tipo concha sem qualquer tipo de proteção fora o cinto de segurança. O piloto fica sentado a poucos centímetros do asfalto e, de acordo com a Honda, é isto que torna a pilotagem do Project 2&4 tão envolvente quanto a de uma supermoto.
Agora, infelizmente, o carro não passa mesmo de um conceito. No entanto, se você quer realmente acelerar um carro minimalista, visceral e muito veloz, pode ter certeza de que o Project 2&4 não foi o primeiro. A seguir, separamos outros “pernilongos sobre rodas” como ele — carros super-levez, quase sem carroceria, com parte da estrutura à mostra. Máquinas realmente puras.
Lotus Seven/ Caterham 7
Dá para dizer que este aqui foi o que começou tudo. Em 1957, Colin Chapman projetou o Lotus Seven, um esportivo minimalista que, para ele, era a representação perfeita da filosofia de sua companhia: “simplifique e adicione leveza”. A carroceria só estava ali para proteger o motor dianteiro — um Ford de 1,1 litro e apenas 40 cv, que eram levados para as rodas de trás. Era mais do que o suficiente para garantir a diversão ao volante do Seven, que pesava cerca de 500 kg graças ao uso de materiais leves, como alumínio e fibra de vidro.
Produzido até 1960, o Seven original vendeu cerca de 2.500 unidades em três anos — um sucesso, considerando a época. Seu principal apelo era o fato de ser um carro de rua que não fazia feio na pista ao lado de automóveis maiores e mais potentes.
O Lotus Seven original deu origem a uma grande variedade de réplicas e modelos inspirados nele ao longo das décadas. No entanto, apenas uma companhia pode se considerar a sucessora legítima: a britânica Caterham, que comprou os direitos sobre o projeto em 1973 e, desde então, não parou mais de fabricá-lo.
Hoje em dia, existem versões do Caterham 7 perfeitamente fiéis ao espírito do original — como o Caterham 160, dotado de um três-cilindros Suzuki que desloca 660 cm³ e, turbinado entrega 160 cv. Por outro lado, se você quiser algo extremo de verdade, pode partir para o Caterham 620 R, que tem um quatro-cilindros Ford Duratec de dois litros com compressor mecânico e 315 cv. Pesando apenas 545, o 620 R é capaz de chegar aos 100 km/h em apenas 2,8 segundos.
Ariel Atom
Impossível falar do Caterham Seven sem citar o Ariel Atom. Ambos são, atualmente, os mais conhecidos esportivos minimalistas, ainda que tecnicamente o Atom seja bem diferente. Para começar, ele nasceu em 1996 como projeto de Niki Smart (ele deve ser bem inteligente, mesmo) um estudante de engenharia da Universidade de Conventry, no Reino Unido. Foi um dos tutores de Smart na faculdade, Simon Saunders, quem gostou da ideia e ajudou Smart a transformar seu projeto em um esportivo comercial. Ainda naquele ano, Saunders fundou a Ariel Motor Company.
Embora tenha dois lugares, o Ariel Atom lembra muito um monoposto anabolizado, com bico alongado e motor atrás dos bancos. A estrutura tubular fica exposta, bem como boa parte do corpo do motorista (que, como Jeremy Clarkson demonstra muito bem no vídeo abaixo, fica sujeito às forças do vento). O peso fica em cerca de 600 kg.
O Ariel Atom pode ser equipado com motores quatro-cilindros Chevrolet ou Honda (incluindo um K24 turbinado de 2,4 litros e 370 cv); e também um V8 desenvolvido pela própria empresa usando dois quatro-em-linha das motos Suzuki GSX-R. Neste caso, o deslocamento é de três litros e a potência, de 500 cv. De acordo com a Ariel, o chamado Atom 500 é capaz de chegar aos 100 km/h em “menos de 2,3 segundos”.
BAC Mono
O BAC Mono consegue ser minimalista e leve mas, ao mesmo tempo, parecer um carro mais convencional — ainda que definitivamente não seja: como os outros, trata-se de um esportivo super leve com estrutura tubular. No entanto, ele um dos poucos a contar com célula de sobrevivência e proteção contra impactos laterais.
Pesando apenas 580 kg, o Bac Mono é movido por um quatro-cilindros de 2,3 litros que foi desenvolvido pela Cosworth e tem pistões e bielas forjados, cárter seco e comando duplo de válvulas variável, e é capaz de entregar 284 cv. Com apenas 580 kg, ele tem relação peso/potência de somente 2 kg/cv — suficiente para chegar aos 100 km/h em 2,8 segundos, com máxima de 274 km/h. Além disso, o sistema de suspensão muito bem acertado (duplo wishbone nas quatro rodas) garante a dinâmica afiada.
Morgan 3-Wheeler
Talvez o menos ortodoxo dos carros desta lista seja o Morgan 3-Wheeler — o que é curioso, visto que seu conceito é o mais antigo dos três. Produzido no Reino Unido, os Morgan costumam ser chamados de “ciclocarros”, com motores V2 de motocicleta na dianteira e três rodas. E eles existem desde o início do século XX, pois na época o Reino Unido isentava veículos de três rodas dos impostos sobre automóveis.
A Morgan produziu carros esportivos de três rodas de 1911 a 1952, passando a investir em carros um pouco mais convencionais. No entanto, depois de um hiato de quase 60 anos, em 2011 a fabricante britânica anunciou que ele seria relançado no Salão de Genebra, e que ele seria totalmente fiel à filosofia da marca.
De fato, com um V2 Harley Davidson de 115 cv, câmbio de Mazda MX-5 Miata, transmissão por corrente e menos de 500 kg, o atual 3-Wheeler parece ter vindo direto da época de seus ancestrais.
LCC Rocket
Quem diria que o pai do McLaren F1 faria um carro minimalista como o Light Car Company Rocket? Ainda que não seja exatamente bonito (ele parece uma tampa de caneta Bic, não?), o esportivo projetado por Gordon Murray em 1992 foi uma encomenda do piloto britânico Chris Craft, que queria um carro leve, com motor de moto e visual retrô.
E bota leve nisso: pesando apenas 381 kg, o LCC Rocket era movido por um motor Yamaha de 1.070 cm³ e 171 cv, o que lhe confere uma relação peso-potência de 2,19 kg/cv. Foram feitos apenas 46 exemplares do carro entre 1992 e 1998. Infelizmente, nem sempre uma boa ideia faz sucesso, mesmo quando colocada em prática por quem entende do assunto.
KTM X-Bow
O KTM X-Bow não é só um carro com motor de moto: ele é um carro feito por uma fabricante de motos. O resultado, obviamente, impressionante: um esportivo frugal, com visual agressivo e monocoque de fibra de carbono que pesa apenas 80 kg — de um peso total de apenas 790 kg. O motor é um 2.0 TFSI de origem Audi, com 300 cv, acoplado a uma caixa manual de seis marchas.
Com este conjunto, o KTM X-Bow é capaz de chegar aos 100 km/h em 3,9 segundos, com máxima de 231 km/h. Ele pode não ser tão veloz quanto um Caterham ou um Ariel Atom, mas a companhia garante que, graças à rigidez excepcional da estrutura, ao acerto da suspensão pushrod e ao baixo centro de gravidade, dificilmente se consegue alcançá-lo em uma pista cheia de curvas.
Talvez isto seja verdade, talvez não. Mas não importa: o que a gente queria mesmo era dirigir todos os carros desta lista. Você não?