Nos últimos 25 anos Saab, Volvo, Peugeot, Renault e Nissan vêm tentando desenvolver motores com taxa de compressão variável. A ideia é simples: otimizar o uso do combustível de acordo com sua resistência à detonação. A prática que é difícil: se a taxa de compressão depende de componentes mecânicos que também precisam resistir à expansão da combustão, como fazer um pistão, uma biela e um virabrequim mudarem o sobe e desce do motor?
A primeira marca a responder esta pergunta com um motor pronto para ser colocado em produção foi a Nissan, que irá apresentar no próximo mês o primeiro motor de compressão variável do mundo no Salão de Paris, um 2.0 turbo de quatro cilindros com 274 cv de potência e 39,82 mkgf de torque, que irá substituir o atual V6 3.5 da marca, que produz entre 215 e 300 cv.
Para entender como o motor VC-T funciona, você precisa primeiro saber que a taxa de compressão é a quantidade de vezes que o volume dentro do cilindro foi comprimido. Por exemplo: um motor quatro-cilindros 1.0 com taxa 10:1 tem cilindros de 250 cm³ que, em seu ponto morto superior, comprimem a mistura a um volume de 25 cm³ — ou seja: um décimo do seu volume.
Nós explicamos detalhadamente neste post como uma taxa de compressão mais elevada resulta em maior eficiência, por isso vamos resumir com palavras fáceis: quanto maior a compressão, mais rápida será a expansão da combustão que irá empurrar o conjunto de pistão e biela para baixo, movendo o virabrequim e, no fim das contas, as rodas do carro. Em outras palavras, quanto mais alta a razão de compressão, mais torque e quanto mais torque, mais potência. É por isso que esportivos de alto desempenho têm taxas de compressão elevadas — o flat-6 3.8 do Porsche 991 tem taxa 12,5:1 e os 10 cilindros do Lamborghini Huracán comprimem 12,7 vezes seu volume.
O problema é que a compressão aumenta a temperatura da mistura ar-combustível e, dependendo da proporção dessa mistura e do combustível usado, ela pode se inflamar antes da ignição. O nome disso é detonação, e por causa dela os fabricantes precisam desenvolver os motores com taxas de compressão relativamente conservadoras e mapas de injeção/ignição desenvolvidos para proteger o motor, abrindo mão da máxima eficiência.
É esse problema que o motor de compressão variável da Infiniti/Nissan promete resolver. A variação da taxa de compressão é feita pela variação da altura máxima do pistão no ponto morto superior. Para isso, as bielas não são presas diretamente ao virabrequim pela cabeça, como em um motor convencional.
Em vez disso a cabeça da biela é reduzida e ligada a uma alavanca intermediária (em verde), pivotada no moente do virabrequim (em azul), e ligada a uma segunda alavanca atuadora (em vermelho) em sua outra ponta, oposta à biela. Quando a ECU do motor determina que é possível/necessário aumentar ou reduzir a taxa de compressão, a engrenagem harmônica do atuador altera o ângulo da alavanca intermediária, elevando ou abaixando o conjunto de biela e pistão e assim variando a compressão entre 8:1 e 14:1. Nas taxas mais baixas a intenção é otimizar a eficiência com o turbocompressor em pleno funcionamento. As taxas mais altas, usadas com injeção direta, visam otimizar a fase aspirada do motor turbo, quando a turbina ainda não está em sua pressão de trabalho, ou seja, durante o turbo lag.
Apesar de o desenvolvimento do VC-T ter iniciado apenas em 1998, a taxa de compressão variável é um conceito antigo, estudado pela primeira vez nos anos 1920 pelo engenheiro britânico Harry Ricardo. Ao assumir o cargo de diretor técnico do Departamento de Aeronáutica Militar do Reino Unido, um de seus primeiros projetos foi a busca por soluções para a detonação nos motores aeronáuticos. Para estudar as causas e soluções, Ricardo desenvolveu um motor experimental com compressão variável e descobriu que alguns combustíveis eram mais resistentes à detonação. Seu estudo levou ao desenvolvimento do sistema de classificação de octanagem para combustíveis.
Essa experiência de Ricardo levou também à noção de que as taxas de compressão estáticas mais elevadas são mais eficientes, exigindo menos combustível para produzir a mesma quantidade de energia mecânica (que é o que chamamos informalmente de “força”). Foi isso que possibilitou a primeira viagem de avião trans-oceânica e o aumento exponencial da eficiência volumétrica dos motores, ou seja: começamos a ter motores menores e mais potentes — e é por isso que os monstros mecânicos de 25 litros e todos aqueles carros com motores aeronáuticos saíram de cena nessa época.
O conceito de compressão variável, contudo, ficou limitado ao motor experimental de Ricardo. Sem tecnologias para variar continuamente a injeção de combustível, o ponto de ignição e a abertura das válvulas, um motor como este era inviável. O surgimento das tecnologias de gerenciamento dos motores já permitiu que, mesmo com taxa de compressão fixa, a eficiência energética dos motores fosse bastante avançada, e agora permite que um motor como o VC-T seja colocado em produção de forma viável e como um passo adiante na busca pela máxima eficiência — não apenas pela tecnologia inovadora, mas também pela combinação de outras tecnologias já popularizadas.
Os sensores de oxigênio e sensores elétricos nas linhas de combustível, por exemplo, são capazes de informar com precisão à ECU que tipo de combustível está sendo usado, permitindo que a taxa de compressão seja rapidamente (e continuamente) variada. O comando variável de válvulas também será usado para manter as válvulas de admissão abertas para simular o ciclo Atkinson (leia mais aqui), no qual as válvulas de admissão ficam um pouco mais tempo abertas para permitir que o ar escape por elas, também reduzindo a taxa de compressão para melhor eficiência. Além disso, o turbo usa wastegate eletrônica, o que também permite que a ECU varie a pressão máxima de trabalho.
Protótipo de compressão variável da Saab: o cabeçote inclinava para aumentar ou diminuir a taxa de compressão, algo que explicamos em detalhes neste post
A produção em série do motor compressão variável tem potencial para ser o próximo grande passo evolutivo dos motores de combustão interna — resta saber como será sua confiabilidade em médio e longo prazo. Com a possibilidade de variar a compressão, cada elemento fundamental dos motores de combustão interna poderá ser controlado de forma variável de acordo com a necessidade da condução, tornando-os mais versáteis e, consequentemente, mais eficientes.
Por último, o motor de compressão variável poderia ser a solução para o velho problema dos carros flex, que usam uma taxa de compressão intermediária para funcionar com dois combustíveis com propriedades diferentes (a taxa de compressão ideal para a gasolina é baixa para o etanol, e a taxa ideal para o etanol é alta demais para a gasolina). Mas não aposte nisso para os carros brasileiros: os motores de compressão variável serão uma solução custosa, mais que um turbo de injeção direta convencional que já é capaz de amenizar o problema dos flex de forma mais simples e barata. É mais provável que ele permita o uso de E15 ou E25 em carros de alto desempenho.