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Ingenuity: tudo sobre o helicóptero que voou em Marte

Ingenuity. A palavra é um daqueles famosos falsos cognatos que aprendemos na escola – parece que significa uma coisa, quando na verdade quer dizer outra. No caso, ingenuity parece muito com “ingenuidade”, mas na verdade quer dizer “engenhosidade”. Dois conceitos bem diferentes: ingenuidade é a qualidade do ingênuo, inocente, que se deixa levar facilmente por ideias absurdas e pode ser enganado na base da conversa sem muito esforço. Engenhosidade, por outro lado, significa a capacidade de chegar a uma solução de forma criativa, eficaz e, em muitos casos, surpreendente.

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Duvidamos que a NASA tenha pensado nesta ambiguidade na hora de batizar o drone Ingenuity, que fez história na data de hoje, 19 de abril de 2021, ao tornar-se a primeira aeronave terráquea a realizar um voo controlado sobre a superfície de outro planeta.

O Ingenuity, com a ajuda das instruções fornecidas pela NASA e entregues através da Mars Rover, levantou voo verticalmente e permaneceu no ar por 39,1 segundos com uma altura máxima de aproximadamente três metros em relação ao solo. Em seu curto tempo no ar, a aeronave pairou, girou e pousou novamente. Parece pouco mas, parafraseando Neil Armstrong, a jornada da humanidade pelo espaço é feita de passos pequenos.

O vídeo não impressiona tanto pela taxa de quadros baixíssima – parece uma projeção computadorizada ou um filme em stop motion bem básico. Mas, acredite: não foi fácil.

 

Mini-helicóptero

Você deve ter visto o Ingenuity ser chamado de helicóptero – e ele é exatamente isto. Só que é um helicóptero bem pequeno: sua fuselagem é uma caixinha de 13,6 cm de comprimento por 19,5 cm de largura e 16,3 cm de altura, enquanto seu trem de pouso tem 38 cm.

A hélice do tipo coaxial (ou seja, tem dois rotores que giram sobre o mesmo eixo em sentidos opostos) no topo tem 1,2 m de diâmetro, e é movida por um motor elétrico de 350 watts alimentado por seis baterias Sony de 35-40 Wh. Estas são carregadas por um pequeno painel solar sobre as hélices, e têm carga suficiente para cinco voos a cada 30 dias. É… o Ingenuity pode não ser uma maravilha em autonomia, mas isso não é desabono algum. Até porque nenhuma outra aeronave feita por nós chegou tão longe.

Projeção computadorizada do Ingenuity

Seu nome foi dado por uma estudante americana do 11º ano (equivalente ao 3º colegial no Brasil) chamada Vaneeza Rupani, que enviou a sugestão para a própria Nasa, que promoveu um concurso para batizar o helicóptero.

O Ingenuity chegou até Marte no rover Perseverance há exatamente dois meses, em 18 de fevereiro de 2021, desprendendo-se do veículo em 3 de abril. O voo aconteceu às 7h15 UTC (4h15 no horário de Brasília) e a transmissão do feito foi realizada três horas depois, confirmando o sucesso da operação.

 

Como eles conseguiram?

Decolar em Marte não é uma tarefa simples porque a atmosfera é muito mais rarefeita que na Terra – o “ar” marciano tem 1/100 da densidade do nosso ar. Por isso, dois fatores foram essenciais para o sucesso da missão: o baixíssimo peso do Ingenuity e a velocidade de rotação de suas hélices.

Além de ter construção em fibra de carbono, o helicóptero leva pouca coisa: apenas a eletrônica necessária para seu funcionamento – a chamada aviônica, que é nada mais que o cérebro do Ingenuity  – e as duas câmeras usadas para navegação: uma monocromática, apontada para baixo, para “enxergar” o solo e controlar a altura de voo; e uma colorida de alta definição que serve para orientar a direção do voo. A aviônica conta com giroscópios, acelerômetros, um altímetro e também sensores de temperatura e proximidade – a fim de que a aeronave possa desviar de quaisquer obstáculos ou outros elementos de risco –, tudo controlado por um processador Qualcomm Snapdragon 801, o mesmo usado por diversos smartphones nos últimos cinco anos. O que o Ingenuity não tem é uma bússola, pois o campo magnético instável do planeta Marte impede seu uso com precisão.

Com isto, o Ingenuity pesa apenas 1,8 kg no Planeta Terra. Em Marte, onde a gravidade é cerca de 1/3 da que temos, o helicóptero é consideravelmente mais leve. Para simular as condições atmosféricas e gravitacionais de Marte, o Ingenuity foi testado aqui na terra usando uma câmara de vácuoe e 900 ventoinhas de computador (isso é que é aproveitamento de recursos!) para produzir ventos em diferentes direções.

As hélices tiveram de fazer um enorme trabalho. Para começar, elas são mais rápidas que as hélices de qualquer helicóptero terrestre: enquanto elas giram a algo entre 450 e 500 rpm, em média, as hélices do Ingenuity giram a 2.500 rpm. Isto é necessário porque, mesmo que o helicóptero seja mais leve em Marte do que aqui, a atmosfera rarefeita faz com que o esforço necessário para gerar sustentação aerodinâmica seja muito maior.

O ato de fazer o Ingenuity voar foi comparado pelos cientistas do projeto a colocar um helicóptero normal para voar a 30.000 metros de altitude – algo que jamais foi feito, obviamente.

Embora seja tecnicamente um drone, o que implica que os cientistas controlaram o Ingenuity usando um joystick. Mas, por mais que este fosse o cenário ideal para a Nasa, ele também era impossível. Isto porque, com a distância de quase 300 milhões de quilômetros entre a Terra e Marte no momento, a transmissão dos sinais de rádio entre os dois planetas leva alguns minutos – um delay que torna impraticável o uso de um controle remoto. Por isso a necessidade de todos os sensores e das câmeras: embora só levante voo depois de receber o comando da central, uma vez no ar o Ingenuity está por conta própria.

 

E agora?

O primeiro voo de testes, apesar de bem sucedido, não foi exatamente como a Nasa esperava – a ideia era o Ingenuity ficasse ao menos 90 segundos no ar. Contudo, pelo menos mais quatro voos estão programados para o próximo mês.

Em todos eles o Ingenuity vai se manter dentro de uma zona segura, em um raio de 100m da Mars Rover Perseverance, que no momento está estacionada dentro da Cratera de Jezero.

A Nasa não planeja suas missões levando em consideração a vida útil de seus dispositivos, mas é bem provável que a Perseverance e seu pequeno companheiro voador possam permanecer em Marte por vários anos, coletando dados, tirando fotografias e enviando tudo para nós. Contudo, eles são só o começo.

 

Nos cinco voos programados, os dados coletados pelo Ingenuity serão utilizados pela Nasa para ajudar no desenvolvimento de novos drones – seja para explorar Marte, seja para ir a outros planetas que tiverem atmosfera. A agência espacial acredita que a próxima geração de drones poderá ter vários modelos, com peso entre 5 e 15 kg e carga entre 500 g e 1,5 kg. Isto abre possibilidades para novos equipamentos de comunicação direta com satélites que já estão na órbita de Marte, e também com uma possível base móvel – porém a uma distância maior que 100 metros.

O principal objetivo dos novos drones será visitar regiões mais distantes de Marte – onde já se sabe que há lagos congelados e salinas que podem ou não fornecer as condições necessárias para que micróbios terrestres sobrevivam e se reproduzam.

Mas tudo começa com um pequeno passo. Ou melhor, com um pequeno voo de 40 segundos.

 

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